**TODOS POR UMA** - PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Bons dias!
“...Todos por uma...” – se é o que estou
imaginando, pensando, a coisa está realmente preta, os sensos caíram por terra,
os limites as águas levaram, restaram as carências todas, as necessidades
aumentaram, e agora não é de um ou de algumas poucas dezenas, são de todos sem
qualquer exceção. O que era uma coisa individual, incapacidades, problemas de
ordem psíquica, mesmo não saber como se faz, qual o caminho que garante a uma,
torna-se-lhe uma realidade e verdade incontestes, agora ser coisa social, todos
estão no mesmo barco furado, generalizou-se, é de se pensar muito, avaliar as
razões e motivos por todos estarem por uma.
O que acontecera, em verdade, para que todos
estejam a fim de uma, ansioso e paradoxal por uma, desesperado e angustiado por
uma, desolado e triste por uma, solitário e desconsolado por uma, estão matando
cachorro a gritos e pulgas a beliscões para somente uma, subindo nas paredes e
muros, dando nó em pingo dágua? Nenhum deles, cachorro e pulgas, tem qualquer
coisa a ver com a situação, não lhes é da alçada e nem do foro íntimo, e são
eles que pagam o pato, são os bodes espiatórios, e morrem sem direito a único
suspiro, tudo porque todos estão por uma. Sem razão ou razões, nada é possível
de ec-sistir, pode ser que não se lhe(s) tenha(m) concebido, se não lhe(s)
tenha(m) percebido ou intuído, se não lhe(s) tenha(m) encontrado, mas
existe(m), é/são ainda inconsciente(s), o tempo as anunciará, as situações as
re-velarão, aí todas as coisas serão diferentes, terão uma nova cara e feição.
Seria que os preços de uma com todas as garantias e
seguranças, isenta de qualquer risco, ficou muito acima das condições, um gasto
desta amplitude vai afetar o orçamento mensal, existem outras coisas mais
importantes, tem de se lhes dar prioridades. Existe a de preço bem módico,
preço de banana, mas não se tem qualquer segurança, garantia, os riscos são
imensos, não vale a pena morrer por apenas uma, nem por várias, já que se está
lascado, uma lasca a mais ou a menos, não vai dizer muito, não vai pesar na balança,
a morte será inevitável, talvez pese na do Juízo Final, a uma é pecado mortal
se não for com amor e carinho, sendo manifestação espiritual, sendo para a
procriação. Ou será que os costumes e a cultura mudaram, retroagiram, em
verdade, agora uma só é possível após os laços de união formais, da união
abençoada, como o era nos tempos de outrora? Ou será que devido a grande
demanda os prazeres e clímaces deixaram de existir, a coisa ficou mesmo vulgar,
como se diz “é chegar, bombar e sair”, e deste modo não vale a pena, são tempo
e fôlego gastos à toa, além de que depois é como se nada houvesse acontecido,
as vontades e os desejos continuam, as carências são ainda mais contundentes,
complementar em casa através de outros métodos acaba sendo necessário?
Com as coisas e objetos, se forem encontrados em
todas as esquinas, em todos os lugares, sejam nas feiras, sejam nas lojas,
sejam nos shoppings, ninguém dá mais atenção, procuram outras que não estão na
moda, que às vezes é preciso de uma encomenda para adquiri-las, mesmo que os
preços sejam variados, tudo que é barato demais não dura mais que alguns dias,
aquilo de que está na garantia é apenas estratégia comercial, serve aos
interesses de venda, e o que é caro demais muitas vezes não dura muito. Em
qualquer esquina, nas calçadas, debaixo das árvores nas calçadas, na periferia,
pode-se encontrar uma à escolha, serve a vários gostos, a preços módicos ou
não, mas os riscos são enormes, garantia não se tem de jeito nenhum, mesmo com
a nota fiscal para apresentar ao Procom para medidas serem tomadas a critério e
rigor, fazendo valer os direitos, dinheiro de volta ou produto trocado. A uma
se tornou produto de difícil aquisição, virou agulha no palheiro.
Se se encontrasse uma que não fosse de enfiar a mão
no bolso, não custasse os olhos da cara, fosse de preço razoável, tivesse todas
as garantias, tivesse todas as seguranças, além do mais saciasse todas as
exigências, realizasse todas as vaidades, o serviço todo completo e mais
algumas cositas para incrementar, será que iria satisfazer todas as carências,
saciar as sedes e fomes, os clímaces seriam divinos e maravilhosos? Uma só não
iria satisfazer, seriam necessárias outras e mais outras, mas no final do mês,
embora os preços razoáveis, a quantia seria bem elevada. Se todos estão por
uma, a uma aqui, a uma ali de todos iriam realmente enriquecer quem estaria
satisfazendo as vontades e desejos, as carências e vaidades, e ninguém mais
iria querer fazer outra coisa senão com a uma trabalhar, labutar, dar duro,
suar mesmo, tremer as pernas, e quem estava pensando, imaginando que o
orçamento mensal com o trabalho oficial e tradicional não estava dando, a
aposentadoria era dura e simples merreca, outras necessidades estavam urgentes,
iria procurar seus modos de complementar o orçamento. Mas não se encontra no
mercado a uma a preço razoável, a uma que todos estão desejando, matando
cachorro a gritos e pulgas a beliscões, encontrar, custa bem caro, é a de elite
que só pode ser paga pelos políticos, prefeitos, vereadores, senadores,
deputados estaduais e federais, presidentes, empresários, advogados,
engenheiros, doutores, agentes da polícia civil, delegados, etc., etc. Se são
todos que estão por uma, até mesmo estes estão carentes, e não é devido ao
fator financeiro, trata-se da questão da segurança e da garantia, que não estão
acontecendo, é o que mais está faltando no mercado. O Procom por mais eficiente
e honesto que fosse não iria dar conta de problema tão difícil e complexo.
Como solucionar este problema sem qualquer possibilidade
de avaliar a sua extensão? Por mais absurdo que seja o único modo que se me
anuncia neste instante, tendo de render graças a Deus por ser capaz de pensar
ou imaginar, e que me valerá, queira ou não, críticas contundentes, fundadas na
questão de estar eu a negar uma das dimensões da vida, estou a negar a natureza
humana. Não concebo, não vejo outro modo de a todos confortar, mostrando-lhes o
que em mim trago dentro de solidariedade, demonstrar-lhes minha amizade
incondicional, nisso de todos estarem por uma, e esta uma hoje constitui um
risco dos mais inestimáveis, risco de morte, vale dizer e sublinhar, quem dera
fosse um risco qualquer simples ou complexo, mas a vida continuasse. É esperar
que os tempos sejam outros, que todos os riscos passem, não haja mais estas
coisas de preços módicos ou os olhos da cara, não se encontre uma em quaisquer
lugares do centro da cidade ou mesmo nas periferias. Não se sabe quanto tempo
vai demorar para as coisas modificarem, pode demorar décadas, séculos ou até
milênios, mas é melhor que não mais desfrutar os prazeres disso que é viver,
estar-no-mundo, ser-no-mundo, do que fazer a viagem eterna devido ao desejo de
uma que satisfaça, que preencha todas as carências, que preencha todos as
vontades de gozos e clímaces divinos e maravilhosos.
Fazer o quê, enquanto as coisas não mudem? É deixar
isso de desejar uma, de querer uma; se isso de não desejar, não querer, não for
de todo possível, é fingir ou simular que a uma jamais existiu, ela nunca
houve, fora apenas criação da imaginação fértil, ninguém precisa de uma. Ainda
não sendo possível fingir, simular não haver necessidade, há outra coisa que se
pode fazer, e não se trata do que as mentes mais criativas e ansiosas estão
pensando por desejarem saídas para coisa tão difícil de com ela se conviver.
Aliás, se é o que estou imaginando que as mentes criativas estejam pensando,
isto não vai amenizar, diminuir, acabar com as carências, o matar cachorro a
gritos e pulga a beliscões não vai satisfazer, vai é aumentar mais, devido ao
fato de que para isso a imaginação do normal, do que está no cardápio, estará
sempre presente, sem isso não há possibilidade, é o mesmo que chifre na cabeça
de cavalo, encontra-se, mas com esforços sobrenaturais. Trata-se dos laços
oficiais e tradicionais, de assumir a união sagrada, existe quem ainda não tem
nem noção do que seja uma, estão inocentes, ingênuas, não estão por uma, estão
esperando o momento de isso acontecer, e espera tranqüila, serena, com toda a
calma do mundo, sem lançar mão de outros modos e estilos, de outras estratégias
e tramóias. A uma que por ela todos estão vai deixar de estar em qualquer canto
e recanto do centro da cidade, incomodando as famílias de índoles e laias
tradicionais, aparentes ou não, ou mesmo nas periferias, tudo lá é mais que
natural e comum, o importante são os bagos de feijão e arroz a mais nos pratos,
e mais duzentos e cinqüenta gramas de alcatra, chã de dentro, patim ou mesmo
contra-filé, file não se vende aos gramas, os riscos não mais existirão, haverá
todas as garantias e seguranças. Aí, então, pode-se de quando em vez querer
divertir-se um pouco, mudar de cardápio, experimentar outros temperos e novos
pratos.
Corre-se o risco de a diversão não ser agradável,
aquelas que serviam as carências e necessidades, que estavam no mercado por
todos os lados, aqui e acolá, aqui e ali, nos confins e nas arribas, serão as
que estarão no mercado, e isto que hoje é palavra de ordem em todas as línguas
e bocas, isto é, “panela velha é que faz comida boa e gostosa” não mais será,
ninguém mais vai querer saber de panela velha, vão preferir as novinhas em
folha, as que se encontram no conforto e tranqüilidade do lar, na serenidade
das alcovas à luz das estrelas brilhantes e das luas todas, na chuvinha da
madrugada lenta e duradoura, os prazeres e clímaces os mais di-versos.
“... Todos por uma...”, creio eu, e não me sentindo
à vontade, pois fico imaginando e pensando em todos os desejos latentes, todas
as vontades que estão dando aquele nó górdio em todas as gargantas, estão oprimindo
todos os corações, estão angustiando e desesperando, não é nada fácil viver sem
uma, vai continuar por tempo indeterminado, pois quanto mais se pensa em coisas
que podem ser a solução, que podem amenizar, diminuir os desejos, o que se faz
é aumentar-lhes ainda mais.
Agora mesmo tive notícias frescas de que alguém
estava por uma, mas antes mesmo de procurar quem iria lhe satisfazer os
desejos, almoçou uma excelente e deliciosa feijoada – neste calor de porta de
inferno é arriscar muito, este prato é realmente substancioso! -, e fora
satisfazer seu desejo conforme os meios de outrora, quando não estava nos
mercados, em todos os lugares, esquinas e becos, alamedas e terrenos baldios, o
preço não era módico nem exorbitante, não lhe iria fazer a menor falta. Cinco
minutos depois, ainda estava tirando as suas vestes para um banho, quando o
coração não suportou a gula da deliciosa feijoada e bateu com as dez sem
direito a único suspiro. Não correu os riscos da atualidade, mas não pensou
direito, não pensou com os miolos, nem percebeu em nível dos instintos, a fome
do estômago podia esperar, depois da uma comeria até com mais apetite, sentiria
mais prazer e o clímax ultrapassaria todos os limites do divino e maravilhoso.
Não chegou a realizar o desejo da uma, não satisfez a vontade da deliciosa
feijoada. Pode ser que no além satisfaça as suas carências e necessidades com
mais prazer ainda, as condições da uma lá sejam bem outras, irá sentir
espiritualmente o que é uma excelente e esplendorosa uma.
(**RIO DE JANEIRO**, 29 DE MARÇO DE 2017)
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