**O DIABO NÃO É COMO SE LHE PINTA** - Manoel Ferreira

Muitas vezes o diabo não é como se lhe pinta.

Cardiopata que sou qualquer caminhada que faço é cansativa, quanto mais havendo subida. Tenho de parar, descansar, para continuar a trajetória até o destino estabelecido.

Faz mês e meio que resido no Rio de Janeiro, na Ilha de São Gonçalo, reduto de pescadores. Vim para viver com a minha namorada Graça Fontis.

Pela manhã, dirijo-me ao mercadinho, à padaria para comprar pão, cigarros e outras cositas mais. Há um botequim de esquina onde se reúnem os traficantes, os bandidos. Quando passo, cumprimentam-me: "Bom dia, senhor". Respondo: "Bom dia, camaradas... Tudo bem com vocês". Sigo o meu trajeto. Comento com Graça: "Engraçado isto de bandidos me cumprimentarem. Portam armas, mini metralhadoras, fuzis". Nunca me ofereceram drogas.

Como supra relatei: cardiopata que sou qualquer caminhada que faço é cansativa. Há dois dias senti-me cansado, indo à padaria. Encostei-me num carro que estava estacionado frente a este botequim para recuperar o fôlego. Jovem, aproximadamente vinte e poucos anos, portando uma mini metralhadora, aproximou-se de mim: "Senhor, está passando mal?", "Não, camarada. Só recuperando o fôlego". "Se estiver passando mal, este carro é meu. Posso levá-lo ao hospital". "Muitíssimo agradecido, camarada, mas estou bem. Se algum precisar de ajuda, sei a quem recorrer." Saiu, dando um sorriso: "Quando quiser tomar uma cerva, venha tomar conosco".

Bandido é bandido. Não tem o mínimo de sensibilidade. Matam pelo prazer de ver o sangue correr. Rio de Janeiro é uma sociedade violenta, todos estão sujeitos á violência. A violência não está centrada somente no Rio de Janeiro, está no Brasil inteiro, no mundo inteiro.

Aprendi uma lição quando residi em São Paulo. Viver a minha vida. Assaltado, nunca reagir. Entregar o que os bandidos querem. Nunca fui agredido por bandidos, nunca sofri qualquer assalto.

No dia a dia, convivo com traficantes, bandidos, portando armas, ando no meio deles, mas sempre mantenho a minha postura, conduta, calado. Se me cumprimentam, respondo com finesse, com educação, não negligencio por ser traficante, por ser bandido. É o mesmo que passar perto de uma cobra: se ela não sentir ameaçada, não ataca. O mesmo com os bandidos, se não lhes incomodar, se não demonstrar preconceito, discriminação, nada fazem. Aliás, comentei isso com o filho de Graça, dizendo-me ele: "Não incomodam ninguém. Basta que não lhes ameace ou se sintam ameaçados".

Manoel Ferreira Neto

(19 de novembro de 2016)