COMENTÁRIO DA AMIGA VIVIANE FERREIRA AO TEXTO //**REENCONTRO EM PORTO DAS ILUSÕES**//
" A vida passa breve, e disto sou quem não tem qualquer dúvida. Só
não consigo compreender e entender o porquê o dia presente necessita ser vivido
com grandes ambições e voluptuosidade? São assim, no meu ponto de vista, e o
ponto de vista é visto apenas de um ponto, os insensatos e os homens de
condutas duvidosas e mesquinhas. "
Texto maravilhoso e reflexivo. Um sonho pode nos dizer muitas verdades ,
tudo depende do ponto do observador.
Viviane Ferreira.
REENCONTRO EM PORTO DAS ILUSÕES
Bocas sem freios e os desatinos sem lei abismam-se no infortúnio, na
desgraça. A vida serena e a sabedoria conservam-se ao abrigo dos desgastes e
garantem a sua duração. Por muito distante que os deuses celestes habitem no
éter, eles conhecem e vêem as obras e feitos dos mortais e simples mortais. A
vida passa breve, e disto sou quem não tem qualquer dúvida. Só não consigo
compreender e entender o porquê o dia presente necessita ser vivido com grandes
ambições e voluptuosidades? São assim, no meu ponto de vista, e o ponto de
vista é visto apenas de um ponto, os insensatos e os homens de condutas
duvidosas e mesquinhas.
No céu, milhares de estrelas espalham sua luz. Não posso conciliar o
sono, e continuo a observar o céu que se abre sobre mim, transparente e puro.
Como uma franja que atravessasse o céu, a extensão da via-láctea. Passe por um
sono breve, um momento, e foi como se um véu diáfano viesse esconder-me por
instantes o firmamento, pois tudo reapareceu de novo. Os olhos enchem-se de
lágrimas. Pego um lenço de seda, cubro o rosto com ele e dentro em pouco o
tecido delicado fica todo úmido. Permaneço um longo tempo com os cotovelos no
parapeito da janela, com a cabeça jogada para frente, apertando com os dentes
alvos o belo lábio inferior, como se houvesse sentido de repente a picada de
uma serpente venenosa, conservando sempre o lenço sobre os olhos para que não
veja a imensa dor. Guardo silêncio e permaneço imóvel, sempre com os olhos
ocultos pelo lenço.
A jovem, de cabelos louros, caindo-lhe ao ombro, rosto fino, olhos
azuis, põe a falar com uma voz tão doce e fraca como a aragem que se levanta
num entardecer maravilhoso e corre por entre os canaviais: esse ruído suave e
melancólico, brotando num murmúrio e voando para longe, faz com que o viajante
se detenha para escuta-lo com incompreensível desolação e tristeza, sem dar-se
conta de como a tarde se apaga, nem das alegres canções dos camponeses que
regressam do garimpo, nem do rodar longínquo de um carro.
Foi preciso que, antes do meu fim, viesse a ouvir estas palavras nunca
ouvidas antes, e conhecer o amor que me era desconhecido. Foi preciso que uma
jovem aparecesse em meu sonho, no breve instante de sono que tive, tornando meu
destino ainda mais prenhe de desejos e vontades, de sonhos e quimeras, fazendo
com que a vida, em plena juventude, se me afigure ainda mais linda e que, na
alegria, eu abençoe a minha sorte.
Cada traço de minha fisionomia, desde a fronte tristemente inclinada e
dos olhos baixos, até as faces pelas quais escorrem as lágrimas, tudo parece
dizer: “Nesta alma há mais felicidade e amor que se consegue imaginar!”
Tomo a jovem pela mão direita, descemos por fim pelo barranco, em cujo
fundo corre indolente um riacho por entre juncos e pequenos montículos de
terra. Avisto uma escarpa abrupta que excede a altura de um homem, no cimo da
qual ondula contra o firmamento enluarado a vegetação. A brisa anuncia a
chegada da aurora. Mas não ouço nenhum canto de galo nas vizinhas, já que nem
na cidade, nos devastados arredores sobrara uma única destas aves. A encosta
íngreme encontra-se coberta de vegetação e, numa espécie de vale que ali se
formava, havia um juncal da altura de um homem. Divisaram-se no cimo os restos
de cerca, indício de que, em outros tempos, existira ali um canteiro, uma
horta.
Abrindo caminho entre os juncos, detemo-nos em frente a um monte de
sacos secos e paus cruzados. Arredando estes, surge uma abertura em forma de
abóbada parecida com a boca de um forno. A jovem entra primeira, baixando a
cabeça, seguida por mim, que tenho de me curvar muito para poder passar. De
repente, encontramo-nos ambos na mais completa escuridão.
Ligado a este sonho, acontece um pequeno fato que serve, como inúmeros
outros servem, para me persuadir de como um homem que nunca passou nenhuma
desgraça, nenhuma decepção, nenhuma desilusão, pode facilmente passar pela vida
sem conhecer, pelo menos em si próprio, qualquer coisa da possível misericórdia
do coração humano ou um suspiro da sua possível arbitrariedade, maldade. Uma
densa cortina de simplicismo cobre de tal forma as expressões e a fisionomia da
natureza dos homens, que para um observador comum os dois extremos e infinitas
possibilidades existentes entre eles se confundem – o enorme e múltiplo
compasso das diversas harmonias estão reduzidas à sórdida linha de diferenças
expressas no alfabeto de sons comuns.
Manoel Ferreira Neto.
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