ANA JÚLIA MACHADO ESCRITORA E POETISA COMENTA O TEXTO /**INOCÊNCIA DO BELO A OLHOS NUS**
Olhar despido e cansado
Verbaliza- me tu
O que pronunciam os teus olhos
E teu semblante despido e fatigado
são mais que uma sensação desnuda
Que posso achar nos teus sonhos e tua face cansada
São uma existência fictícia e amálgama
Em teu sorrir inócuo
São a urdidura de um homem enamorado
com encarniçamentos por ocasiões indignas
um admirar que aparenta ser oco
Olhando para uma sensivelmente ninharia da existência
Quando atravessas esperto a rapaziada
que estaca a observar-te de forma afoita
Enquanto tu peregrinas com o teu isolamento
Censurando a existência vitupera que calcas
Não hospedas ninguém nesse espírito
Numa sedição de que nem careces
Maltratas todas as tuas sensibilidades
Oculta nesse teu belo olhar. Mas cansado
arriscando distanciar teus entendimentos
do bem-querer que encontra-se a lesar
Envergando na tez a alheação
ocultando o olhar com cabisbaixo
para ninguém apontar a tua aparência
para não replicares a decoros
Queres exibir ser um penitenciário
com esse observar melífluo e enigmático
com que hoje cursaste próximo de mim
ocultando uma querença astuciosa
que eu sei que andas a sofrer
Verbaliza-me então o que exprimem esses olhos
que para mim não encontram-se a iludir
e já concebem trecho dos meus devaneios
Ana Júlia Machado
**INOCÊNCIA DO BELO A OLHOS NUS**
O céu, de um azul profundo, está manchado aqui e ali por nuvens de um
escuro acinzentado que penetra muito mais ao olhar e ao íntimo que o azul
fundamental de um cobalto intenso; e por outras nuvens, ainda que menores, de
um azul mais claro como a brancura de fraldinhas de criança, a brancura azulada
das vias lácteas. No fundo azul cintilam estrelas claras, esverdeadas,
amarelas, brancas, rosas guarnecidas de ouro e de riso, de diamantes e pedras
preciosas ou talvez mais como as nossas pedras preciosas, opalas, esmeraldas,
safiras.
As imagens sucedem-se a um ritmo extraordinário, fantástico, similares a
um verso ou a um poema - refiro-me a poema, não a escroque de palavras como a
modernidade tem produzido -, a distribuição de sons de modo que estes se repitam
a intervalos regulares, ou a espaços sensíveis quanto à duração e à acentuação,
rigor voluntário no sentido de ir unindo-as, sem deixar perder uma
característica muito singular, a sua singeleza na sedução e na conquista, a
simplicidade de formas não destoa de harmonias discretas e requintadas, a
ingenuidade da beleza imprime nelas o esplendor do estilo, a inocência do belo
a olhos nus realça o resplendor dos desejos e dos sonhos.
O que mais assusta nisto de contemplar todas as situações e
circunstâncias da vida, recriá-las, tornando-as atitude e generosidade, amor e
compaixão, é que tudo se cala diante das revelações, reduz a imensa massa de
silêncio, que ouço sem cessar; contudo, dizer somente de "doces" e
"chocolates" não fazem o estilo de alguém que busca e trabalha sua
realidade no sentido de atingir a Vida, e não somente o sentido dela. Quem
disse que a modernidade quer atingir a Vida? Nem o sentido ela deseja. Se
houvesse o tão esplendoroso e digníssimo senso, muitos largariam a pena - nem
sabem o que é uma palavra -, iriam capinar terrenos baldios,
A pura hipocrisia é uma boneca que se afaga todos os dias, sim, e
ninguém pode negar esta sua dimensão, pois que assim perde a poesia de seguir
uma alameda tranqüilo e sereno com suas atitudes, com seus pensamentos, idéias,
com desejos e sonhos de poder compreender os enigmas abençoados, ajudando a
compreender o sentido de todas as coisas, pois que assim deixa suspenso as
milhares de vozes que lhe anunciam o que descobriu e, no entanto, sabe que
ainda não mergulhou fundo nas alegrias e felicidades do mundo.
Ruminando ouro e riso, construo com as mãos, são elas o objeto do
intelecto, a vida que desejo viver. Dir-se-ia que agora há em tudo ouro velho,
bronze, cobre, e isto com o azul acinzentado, excessivamente harmonioso, com
tons de reflexos.
Respiro ar puro a plenos pulmões e sinto-me feliz. Aqui vivo livre, não
sou oprimido pelo desinteresse e preguiça e espero seja o meu último porto. Com
efeito, o que corre são a preguiça e o desinteresse de as pessoas serem
sinceras, autênticas, tem-se a impressão de que se está na arquibancada de um
circo de quinta categoria; ao terminar o espetáculo, rumina-se ouro e riso. É a
vida que escrevo de memória na própria imagem que delineio e burilo.
De que adiantam então as palavras, os sentidos, os significados? De nada
adiantam. Com certeza. Servem para brincar - bem, para mim é para brincar,
passar o tempo até daqui a pouco, quando já imaginar que não sobrou mais nada a
registrar, quando houver adquirido a sabedoria de que as últimas possibilidades
são do tempo e da eternidade.
Sinto-me sorrir com os cantos da boca. A alma olha as coisas de
esguelha.
A única coisa que o relógio simboliza ou significa, enchendo, com sua
presença, as horas, é a curiosa e insípida sensação de encher o dia e a noite
com a presença das horas. Todo o alpendre estala de uma presença intensa,
alguém mais ali, flagrante sinto-o, não vejo ninguém. Uma vaga passa, invisível
e grande, ao balancear dos meus olhos pelo horizonte, sinto-me bem, experimento
uma canção que me aparece nos ouvidos. De qualquer modo que sinta o inverno -
agradável, porque é frio; esplendoroso, por ser sereno e suave, não havendo
letras que não desejem ser expressas com alegria e júbilo - assim, porque assim
o sinto, é que é meu dever senti-lo. Coloque estes momentos nas mãos dos que se
dizem poetas, sentem-se orgulhosos e lisonjeados, faltando a melancia no
pescoço para aparecerem ainda melhor, para ver que "xangana" eles
escrevem. Claro. As palavras se escondem no mais fundo do abismo para não serem
objetos de galhofas de leitores.
Espírito de sacrifício? Abnegação levada ao extremo. Ou ingenuidade
incurável daquele cuja escolha se fixa nas atitudes que julga as mais simples e
verdadeiras. Inteligível e conveniente não é ruminar ouro e riso, mas o
ruminante sejam o desejo e a vontade do ouro e do riso. Esta simplicidade
apareça aos olhos de todos como o intrépido, como o paradoxo, de uma posição e
decisão na vida.
É preciso desejar ser autêntico numa luta e que a maioria demonstra uma
indiferença total; quando nos atrevemos a isso, é preciso sentir a força de
sermos alguma coisa em nosso tempo, é preciso ser ativo, para ousarmos dizer se
não agüentarmos; vou para onde outros foram, os que ousaram.
Não se fala senão nas horas em que não se quer perceber a presença dos
homens e quando se se sente uma enorme distância da realidade. E ao imediato
que se emite as palavras qualquer coisa adverte de que as janelas divinas se
abrem algures, as portas infernais estão sempre fechadas.
Os homens são absurdamente avaros do silêncio, por isto de
inconseqüência sem limite; entre eles não se calam diante do desconhecido. O
instinto das verdades sobre-humanas previne de que é comprometedor calar-se
diante de alguém a quem não se intenciona conhecer ou de quem não se gosta; as
palavras passam entre os homens, mas o silêncio, se teve a oportunidade de se
tornar dinâmico, não há como negar sua dimensão inconsciente, não se esvai,
esvaece-se nunca, e a Verdade-vida, a única que inscreve seus passos e traços,
é feita de silêncio.
Só mesmo homens que não desenvolveram a perspicácia de ler as palavras
com cuidado, sem preconceitos e discriminações, não podem ver que a intenção é
de mostrar que posso trabalhar uma frase em muitos textos, e em cada um deles
ela terá um outro sentido e significado. Há que estas palavras, chamadas de
Vida, nascem num instante inusitado, não se percebe a sua proximidade, e há-de
ser bem atento para registrá-las como surgem.
Manoel Ferreira Neto
(19 de agosto de 2016)
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