UM INTELECTUAL PARA OS NOVOS TEMPOS – IN MEMORIAM - Manoel Ferreira Neto.
POST-SCRIPTUM:
12
de setembro de 2010: Lançamento Póstumo da Obra A TERRA, O PÃO, A JUSTIÇA
SOCIAL, de Antônio Carlos Fernandes e Wander José da Conceição, no Anfiteatro
da Faculdade de Odontologia de Diamantina. Toninho Fernandes falecera aos 12 de
abril de 2010, vítima de enfarto fulminante.
Dia
de Lançamento complicado. A viúva, Sonia Fernandes pediu-me que discursasse no
Lançamento Póstumo de Toninho Fernandes. Escrevera UM INTELECTUAL PARA OS NOVOS
TEMPOS.
Dia
antes do Lançamento, minha mulher, Marize Lemos, houvera sido internada com
água no pulmões. No dia 12 de setembro, sábado, pela manhã, tivera parada
cardíaca de 03 minutos. O problema dela era muito grave. Liguei para Sonia,
dizendo-lhe não poder estar presente no Lançamento devido a Marize estar
internada. Não aceitou a minha justificativa, dizendo: "Você sempre foi um
amigo fiel e leal a Toninho, a quem ele considerava um dos seus melhores
amigos. A sua presença no Lançamento é obrigatória". Passei o dia inteiro
ensaiando o texto, lendo e relendo em voz alta.
À
noite, por volta de oito e meia, cheguei ao Anfiteatro com o texto em uma pasta
de plástico. Encontrei-me com Sonia a quem dissera: "Sonia, faço o
discurso e saio de imediato. Estou sem condições de permanecer". O que
aceitou de prontidão. Assim que entrei no Anfiteatro, antes do Cerimonial,
todos os presentes olharam-me de soslaio, como quem estavam dizendo: "O
que você está fazendo aqui? Não é bem-vindo." Esperei uma hora e quinze
minutos para fazer o discurso. Gatos pingados me aplaudiram. Não dei a mínima.
Fiz a homenagem póstuma ao meu grande e inestimável amigo.
Passei
a noite inteira ansioso, angustiado, nervoso, deprimido. Pela manhã de 13 de
setembro de 2010, domingo, passei mal. Fui ao hospital. Vítima de mais um
enfarto.
UM
INTELECTUAL PARA OS NOVOS TEMPOS – IN MEMORIAM
Manoel
Ferreira Neto.
Tristeza
e alegria se confundem neste instante em que me proponho a escrever comentário
sobre obra das mais importantes de nossa atualidade. Acabo de receber das mãos
de Sônia Frois Fernandes, viúva de meu amigo e companheiro da vida e dos
caminhos da intelectualidade Antônio Carlos Fernandes, “Toninho Fernandes”, a
sua última obra histórica A TERRA, O PÃO, A JUSTIÇA SOCIAL – A IMPORTANTE
PARTICIPAÇÃO DA IGREJA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO BRASIL, em parceria com Anísia
de Paulo Figueiredo (org.), Antônio Carlos Fernandes, Wander José da Conceição,
que não teve oportunidade de vê-la publicada, faleceu dia depois de havê-la
concluído. Tristeza por haver “perdido” grande amigo e companheiro, homem
responsável com os sonhos e utopias de História que reflita os conflitos
sociais, culturais, artísticos, individuais, econômicos e políticos, resgate
mesmo da verdade da História, das tensões e interesses ideológicos na sua
“feitura” ao longo dos tempos, homem compromissado com os ideais de povo, cujo
“pão” é a História, Diamantina, Patrimônio Histórico da Humanidade, homem que
dedicou a vida ao engrandecimento e desenvolvimento da História, homem cuja
maior preocupação era a Justiça Social, como professor, mestre em História da
Igreja, doutorando no mesmo, não chegou a concluir, defenderia no final deste
ano de 2010 a sua tese, diretor regional do INSS; como homem, filho, irmão,
marido e pai exemplares, amigo sincero e leal, de quem recebi lições
intelectuais básicas de compromisso e responsabilidade com a cultura, artes.
Difícil
é expressar o que penso e sinto com a leitura desta obra, os sentimentos que me
perpassam por sua ausência são demasiados fortes e presentes, subjetividade e
objetividades se amalgamam, mas creio ser o caminho perfeito para mostrar o que
deixou em mim disto que é a
responsabilidade com o homem e justiça social.
Não
intenciono ensaio a critério e rigor de seu Ensaio, FIDELIDADE E IDEAL DA
MISSÃO EM NOVOS TEMPOS, cujos objetivos específicos foram a análise das obras
sociais do 1º Arcebispo de Diamantina, Dom Joaquim Silvério de Souza, quem
“vislumbrou um futuro de prosperidade para uma das regiões mais carentes do
Brasil, além de ser um grande intelectual”, membro fundador da Academia Mineira
de Letras e patrono da cadeira nº 75 do Instituto Geográfico Histórico do qual
fez parte” (cf. Introd. de A terra, o pão, a justiça social, pág. 16). O
interesse sine qua non aqui é o “homem e o intelectual” Toninho Fernandes: sem
conhecer o homem, o autor, impossível compreender a obra, objetivo específico
de seu pensamento e idéias em compor o ensaio sobre D. Joaquim Silvério de
Souza.
O
primeiro pressuposto da história humana é a existência de indivíduos vivos,
ação e condições materiais de existência. O homem se diferencia da determinação
puramente natural, superando-a, por sua atividade produtiva. Conforme Karl
Marx, os homens começam a se distinguir quando iniciam a produção dos meios de
vida, passo em frente que é conseqüência de sua organização corporal. Ao
produzirem os meios de existência, os homens indiretamente produzem a sua
própria vida material.
O
trabalho, a atividade vital, a vida produtiva mesma aparece ao homem só como
meio para satisfazer uma necessidade, a de manutenção física. Mas a vida produtiva
é a do gênero. É a vida engendradora de vida. No tipo de atividade vital jaz o
caráter inteiro de uma spécies, seu caráter genérico, e a atividade consciente
livre é o caráter genérico do homem. Quando, no Capítulo 7, subcapítulo 7.2, A
Escola Profissional Irmã Luiza – EPIL, Toninho Fernandes comenta a instituição
da Associação das Senhoras da Caridade, cuja solene autoridade era do Arcebispo
Dom Joaquim, entre aspas, identificando os objetivos dessa instituição, escreve
“para alargar a esfera de sua ação em prol da pobreza”, à página 36,
vislumbramos o intelectual Toninho Fernandes, sua vida e obra.
Sua
produção intelectual, caminhos em prol da História, Justiça Social,
compromissos e responsabilidades, se fundamentam in totum na consciência histórica,
dimensão em nossa modernidade, especialmente em nossa atualidade, esquecida,
perdida ao longo dos tempos, sistema capitalista, ideologias e interesses
di-versos de poder e bens materiais. Sem o conhecimento da História, a
consciência do homem de seus caminhos, direitos vitais de conhecimento, nada
haverá de mudanças e transformações sociais, individuais, políticas, econômicas
e artísticas, não haverá nem história, o homem apenas está no mundo.
Entregando-se
por inteiro em busca de transformações sociais, políticas, ao caráter
in-vestigativo dos processos históricos, a mostrar a continuidade histórica nas
manifestações artísticas, culturais, ao conhecimento delas em sua integridade,
indiretamente a produção intelectual volta-se exclusivamente para o homem
mesmo, isto é, o resgate da consciência de produtor de vida, artífice da
dignidade histórica, construtor de responsabilidade e compromisso com o destino
dos homens. A consciência, estabelecida e instituída com a consciência dos
valores humanos e humanitários advém do conhecimento, este se insere nos
processos sociais, políticos, artísticos, gerando lutas, gerando buscas de
novos horizontes, gerando justiça.
A
atividade intelectual de Toninho Fernandes se coloca para o seu povo, para nós,
os homens, como objeto para sua determinação consciente. Isto é, Toninho
Fernandes tomou a atividade produtiva como objeto de pro-jeção e reflexão
espiritual – daí, o específico interesse pela História da Igreja, caminhos da
vida eclesial diamantinense -, consciente e ativo, que se liberta dos estreitos
limites da reprodução cega das formas biológicas, intervindo e transformando o
meio, as condições materiais e espirituais da existência.
O
grande mérito intelectual de Toninho Fernandes na jornada de consciência
histórica, interagindo história política, social, espiritual, religiosa, é
precisamente o fato de ter vislumbrado a legalidade essencial do processo
autoconstitutivo de seu povo, dos homens, da humanidade, através da
consciência, que gera a busca de justiça social. Este grande mérito
experienciado, não apenas em elucubrações teóricas, solipsismos, mas através de
lutas e trabalho verdadeiros, consiste em que o povo compreenda a autocriação
do homem como processo historiológico, onto-histórico, historicidade e historialidade,
a objetivação como perda do objeto, alienação e superação dessa alienação; nós,
os homens, compreendamos a essência do trabalho e concebamos o homem objetivo –
verdadeiro, pois é o homem real – como o resultado de nosso próprio trabalho.
Ainda
no que tange ao mérito intelectual é o comportamento real e ativo de homem para
consigo mesmo como ser genérico, ou manifestação como ser genérico real (isto
é, como ser humano), somente possível porque efetivamente exterioriza todas as
forças genéricas – o que só é possível através da ação cooperativa de toda a
humanidade, somente como resultado da história. Toninho Fernandes tomou a
própria atividade intelectual como objeto de construção de uma consciência
histórica e espiritual, como bem explicitou Lukács num capitulo de Ontologia do
Ser Social, a prévia ideação do objeto da ação e a escolha adequada de meios. A
efetivação do trabalho requer a apropriação consciente da realidade, tanto da
natureza externa quanto da própria natureza dos indivíduos humanos; além disso,
sempre impulsiona à crítica prática, que pode modificar todo o processo por
inter-médio de novas aquisições a respeito da realidade objetiva ad-vindas da
própria realização do trabalho.
Nestas
páginas, deixou Toninho Fernandes registrado o seu pensamento, idéias de
intelectual para os novos tempos, em tempos de “mudança de época, mais que em
época de mudanças”, em tempos em que a intelectualidade não é objeto de
ad-mirações, de orgulhos e lisonjas individuais – ele que jamais fora
intelectual de plantão -, mas de compromisso e responsabilidade com os destinos
históricos e espirituais dos homens.
Uma
carreira tão exemplar, tão profunda, tão consciente de seus objetivos, ser tão
precocemente interrompida, é de derramar lágrimas pujantes, como dissera nosso
amigo em comum, Juscelino Brasiliano Roque, em nosso encontro no velório de
Toninho Fernandes, “a história diamantinense pára com a morte deste grande
intelectual, deste homem exemplar em todos os níveis; nós que convivemos com
ele, que estivemos com ele em sua caminhada, sabemos disso”, o que lhe respondi
eu, “nem daqui a quinhentos anos haverá outro Toninho Fernandes em Diamantina,
talvez jamais haja outro”. Mas as obras que deixou, a luta por toda a vida em
prol da verdade histórica, da justiça social, continuarão vivas por todos os
séculos e milênios, até a consumação dos tempos.
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