COMENTÁRIO DA AMIGA VIVIANE FERREIRA AO TEXTO //**AS ESTRELAS VELAM O OSSUÁRIO DA TERRA**//
É amigo Manoel Ferreira Neto, esta geração vive o esfriamento e
isolamento espiritual, como bem disseste.
" Falar de DEUS os homens somos capazes sem palavras, mas falar com
Deus é necessário haver palavra que possa Ele ouvir, e esta só poderá ser dita
através do Amor e da Compaixão. "
Quanta certeza é verdade nesta frase.
Boa tarde!
Viviane Ferreira.
Palavras da Bíblia: "E o verbo se tornou carne." Este texto em
toda a sua estrutura é isto: a contingência se tornar espiritualidade, o verbo
"contingência" tornar-se carne da "espiritualidade". Existe
no "homem" o "inconsciente divino", aliás uma das dimensões
do pensamento de Carl Jung. Para atingir o inconsciente divino mister mergulhar
profundo na alma, nos recônditos da alma, desnudar-se para se conhecer, ou
seja, assumir o não-ser, espiritualizar-se, evangelizar-se, cristianizar-se.
A nossa geração não está disposta a este mergulho, enfim as dores do
mergulho são atrozes, difíceis de suportar. Então, vive-se a contingência em
todos os seus níveis. A espiritualidade é para poucos, os escolhidos.
Manoel Ferreira Neto.
AS ESTRELAS VELAM O OSSUÁRIO DA TERRA
Epígrafe:
“... porque a sabedoria abriu a boca aos mudos, e tornou eloqüente a
língua das crianças”
(Sabedoria, 10,21)
Maria maria os verbos da vida. Maria maria as sendas do ser. Maria maria
as veredas do amor. Maria maria os abismos na montanha. Maria maria o silvestre
da natureza na floresta. Maria maria as águas dos rios em direção ao mar. Maria
maria a cintilância das estrelas que velam o ossuário da terra. Maria maria o
brilho da lua que inspira o boêmio na sua serenata ao amor de seu coração.
Maria maria as regências da esperança e sonhos. Maria maria os caminhos do
campo...
A face da serra, voltada para mim, ilumina-se agora toda, branca e
solene.Como um olhar gravado de cansaço, as estrelas velam o ossuário da terra,
o profundo silencia o que me submerge. Calado, ouço o que me segreda a água –
esta que cai a todo instante lá fora, regando os jardins de rosas brancas,
descendo as ruas seguindo o seu destino, tudo se destina a algo, não tenho
comigo nada que contrarie esta verdade, deixando-as lavadas de todo o lixo que
os transeuntes deixam nelas, enquanto andam daqui para ali, com seus afazeres e
obrigações, [jardins de rosas brancas, vermelhas, amarelas], neste segundo em
que de costa, sentado em minha cadeira de balanço, busco escrever este momento.
Letras de solidão e sombras.
Quem sabe devesse eu tecer algumas considerações que penso e sinto serem
primordiais no sentido de tornar lúcido o que dentro trago em mim, o paradoxo,
que, por vezes não encontro modo algum de definir, as situações indecorosas e
inconseqüentes em que me envolvo, muitas vezes tendo de calar-me, nada dizendo,
deixando-me exposto a todos os ventos e sibilos deles de entre as serras e
montanhas. Há quando penso comigo que questiono a natureza da arte, expressá-la
de modo exemplar e único, num estilo muito particular e singular, tendo então
de carregar a tinta no que há de contraditório, sem senso, quem sabe assim
atingindo o efeito pretendido, o que requer submissão às constantes análises
sobre a própria produção.
A idéia assume o papel de um motor que faz a arte.
Escrevo absolutamente de memória, - procuro, principalmente, por emoções
que provocam não somente sentimentos puros, mas também os que buscam uma
sensação nova, intrigante, complexa, multifacetada, dilacerada, ambígua,
prolixa, hermética e, ao mesmo tempo, tênue, frágil -, sem documentos, sem
material que me ajude a recordar. Há na minha vida acontecimentos que me estão
sobremodo presentes como se acabassem de acontecer; mas há lacunas e vácuos que
só posso preencher com o auxílio de histórias tão estranhas quanto a lembrança
que delas me ficou.
E, em me referindo ao ambíguo, não posso deixar de registrar, ainda que
penso não devesse tecendo tais considerações, para que irão servir,
pergunto-me, angustiando-me, pois que não saberia responder por elas. O ambíguo
se me apresenta num campo aberto de sentidos, revelando ou sugerindo diversos
significados, às vezes até opostos, sem confirmá-los jamais, se o fizesse,
creio, perderia a sua originalidade, autenticidade, pois que intencionam ser
uma imagem do mistério, contra-luz do sinistro. Como o objeto ambíguo aponta
aspectos e valores múltiplos, perpetua-se o equívoco, que não se extingue,
mesmo quando, por um instante, penso que encontrei o sentido verdadeiro.
Na minha opinião, a ociosidade não é um flagelo social menor do que a
solidão. Nada diminui tanto o espírito, nada engendra tantas ninharias
perniciosas, intrigas, aborrecimentos, mentiras do que viverem pessoas
eternamente fechadas umas defronte das outras numa sala, reduzidas, como único
ofício, à necessidade de tagarelar constantemente.
Sartre afirma que a fenomenologia do ser humano, isto é, a descrição de
como se manifesta e de como funciona o ser humano, reside em revelar que ele é
um ser em si, mas que se abre sempre para o outro, que se abre ao mundo, que se
abre à totalidade. Esta é a condição humana básica. Mas ele se recusa a aceitar
que esta abertura tenha um objeto.
Um colóquio mantido desde há dias, cuja aparência ou cujo destino,
sempre que a água me confia uma boa nova, entreolhamo-nos ambos, assim, com
pensamentos id-ênticos, contentes de termos recebido a mesma resposta à mesma
pergunta, e nem sabemos em palavras dizer. Tenho de prosseguir trabalhando o
fio tênue de água que escorre na vidraça, tecendo sempre mais de teia na obra,
esse fiozinho frágil, único, todo dia, toda hora, perdendo e retomando o fluxo
de sonhos, idéias, lembranças, para adensá-la enfim numa suave melodia, em que,
ao final, as horas tristes e compridas são agora leves e prazerosas; os olhos
não tiveram de desaprender de chorar, se porventura choravam antes, vertiam
lágrimas de desejos de outros sonhos. O tempo desata de imediato todas as
saudades e ressurreições. Diminuir-se-ia a emoção, decerto se anularia, se as
idéias visassem a uma demonstração.
O mais não digo para não dar a esta página um aspecto misterioso,
místico, enigmático, mas posso imaginar, na dobra do lençol sinto os dedos
leves tocarem-me como tocava o piano, tu tocavas “Canção Agalopada”, e te
sentias volúvel e susceptível, tu tocavas para ti e para mim. A alegria sutil e
perspicaz desde o fundo da madrugada, desde o silêncio que projeta as imagens
até ao limiar de sua evid-ência e também de sua contingência.Como um olhar
gravado de cansaço, as estrelas velam o ossuário da terra, o profundo silencia
o que me submerge.
Deus tem pleno sentido, Deus só tem sentido existencial se for resposta
à busca radical do ser humano por luz e por caminho a partir da experiência de
escuridão e de errância, de solidão e sombras. Ou simplesmente pela experiência
iluminadora de sentido que deriva da vida, da majestade do universo, da
inocência dos olhos da criança.
Deus olhou suas criaturas e com divino e paternal cuidado constatou que
a solidão não lhes faria bem, não realizaria suas vidas. Olhou-as com um olhar
preocupado, sentimento de alguém que só quer o melhor para elas, pois na
vontade divina não cabe a solidão. Con-templo agora nós, geração marcada por
estar assim, tão só. Mergulho em alguns temas procurando respostas... Vejo a
solidão com três faces: a primeira, espiritual. Quanta gente só, diante do mistério,
diante do inefável, diante da Vida. Não escuta Deus, não fala com ele, não o
encontra, não o pensa, e ainda tem a petulância de ser ateu, o maior
inconsciente é aquela que negligencia a sua inconsciência. Falar de Deus os
homens somos capazes mesmo sem palavras, mas falar com Deus é necessário haver
palavra que possa Ele ouvir, e esta só poderá ser dita através do Amor e da
Compaixão. Que solidão terrível, esta: a criatura desencontrada do seu criador,
descompassada de sua missão, desconectada de sua id-ent-idade, semente sem
campo para germinar, alma que ainda não encontrou o caminho da própria casa.
Não sei mesmo se vocês os leitores já passaram pela situação de ouvir
alguém agradecer ao outro por ele existir. Nossa!... É uma experiência sem limites.
Às vezes, digo à minha esposa: “Que bom que você existe, meu amor!...” E sinto
bem fundo a não presença da solidão em mim, da sombra em seus olhos a
perguntar-me de meus verdadeiros sentimentos por ela.
Estendo-me ao longo do que dentro trago em mim. Amável faceirice
substitui a ternura. Acho que nunca me esforcei tanto por desejar e querer a
vida, senti-la-sendo em mim, ouvi-la, dizendo suas palavras de sabedoria e
conhecimento; por agradar–me nem nunca fiquei tão contente comigo mesmo. Posso
ocultar-me na luz de um abat-jour aceso e fazer de mim, de minhas próprias
desgraças, infortúnios, infelicidades, e alguns momentos de alegria, júbilo e
glória, um modo de descobrir-me, revelar-me, enfim, de ser-me. Posso
expressar-me com empáfia e sabedoria, posso oferecer a Éblis uma gota de
lágrima por estar feliz e contente com o conhecimento adquirido de quem sou, e
pela indiferença da oferta o demônio imundo não irá se insatisfazer.
Certa vez, Camilo Castelo Branco disse: as almas infelizes envelhecem
cedo. Esta é uma das maiores verdades que conheço. Como é grande a força da
tristeza, da desolação, do medo! Como ela nos envelhece! Marca nossos olhos com
sombras frias, encurva nossos ombros, estica a corda da vida, anda-se nela como
se a qualquer momento pudesse se romper...O desejo de amor só vive de entrega,
onde têm raízes a iluminação e a redenção, cujos frutos são os sonhos que
alimentamos e AFAGAMOS, e quem a outrem, que en-vela e re-vela, não poderá,
Senhor, alguma vez, desalgemar de mim as mãos rápidas de gestos,
deixando-me-ser aos olhos e ouvidos atentos e á minha nítida simplicidade de
Alma?
Manoel Ferreira Neto
(15 de agosto de 2016)
Comentários
Postar um comentário