TEIA DE ACASOS E ORIGENS - Manoel Ferreira
Estou alegre, porém, lâmina em golpe firme, quem sabe até uma metáfora
muitíssimo inspirada, o instante puro da anunciação e revelação, destes que não
se pode jamais esquecer, significou a consagração, a partir daí dera um rumo e
um destino irreversível à vida, podendo até dizer que nele estava presente tudo
o que antes houvera sido feito, desejado, sonhado, realizado, daqui em diante,
se antes havia alguma dúvida a respeito, podia ser como podia não ser, manter
um nível assim não é para todo o sempre, há caídas bruscas, impossível
conservar por muito tempo, mas a partir deste instante podendo sim considerar
antes e depois deste momento, e interessante é que ambos formam um único ser,
com suas diferenças e características particulares e singulares, mas unidos,
reunidos, conciliados, em harmonia e sintonia.
Lâmina em golpe firme... Que precisão de intuição! Este sentimento que
já me vem rondando, impondo-me, cortando-me o riso pela metade. Quase tudo já
se desfez de sua memória, e não apenas da memória, mas apenas agora uma cena
volta, isolada, não a parte de um todo, mas um todo em si.De imediato,
necessitava por inteiro expressar este momento!... Talvez houvesse alguma
dificuldade mais próxima e mais real, isto de revelar algo que se anuncia de
imediato, num passo de mágica, e nesta anunciação estar toda a semente de um
tempo, de um novo tempo, de apenas realizações e prazeres, não é assim tão
fácil. Há sempre aquela dúvida de se não estar com expectativas, criando e
recriando realidades a partir de situações e circunstâncias, vistas através de
meus olhos, ainda muito apaixonados.
A intimidade lírica toca a sensibilidade do outro, seiva-lhe de outras
dimensões da vida. Muito mais profunda que as revelações da alma que tocam o
outro na sua visão de mundo, a consciência de suas contingências...
Corta-me o riso por inteiro. O coração acalentado por uma alegria boa.
Uma promessa de felicidade.
Um homem descendo em passos firmes e convictos uma escada, parando por
um tempo de nada, com a mão direita no corrimão, olhando as serras de longe, a
mão avançando novamente, seguindo o corrimão, instantes de alegria, esperança
nos olhos castanhos...
Contudo, uma imagem, uma simples visão, uma figura suave, delicada, algo
que mais intuo que propriamente enxergo, consegue abalar profundamente o meu
mundo, mundo que tão solidamente sonhei e desejei, mundo que podia ser sim
construído, instituído com toda veemência, empáfia, embófia, salvo a alguns
olhares um merecimento e um reconhecimento. Estar aberto para todas as oportunidades,
todas as possibilidades, outras em decorrência aparecem, anunciam-se,
revelam-se, um caminho do campo, este só é a partir das oportunidades e
possibilidades reais, se se tornarem realidades, ótimo, se não se tornarem
possibilidades, aberturas para outras tantas realidades, a perder de vista,
enfim, posso compreender bem o que dissera a amiga Nívea: “Gente é para
brilhar, não para morrer de fome”.
Sinto aquela beleza com a revelação de insuspeitáveis potências em meu
interior, o despertar de inimagináveis energias. Creio que só agora estou
compreendendo muito próximo isto de a vida ser mágica, acontece num passo, até
desaparece num traço mal feito, sem qualquer entrega e doação, mas para
desaparecer teria sido necessário que acontecesse, e se não pude com um ótimo
traço traçar todas as suas realidades e possibilidades, isto é lá comigo que
não tive a mínima consideração por este momento, sugeriu-me que fosse uma
fantasia, uma quimera, fruto único de uma imaginação fértil. Um mundo que
escondido numa noite escura se mostra sob um raio de luz.
Tomado pela vertigem do próprio vazio, individual e íntimo, agarro-me
aos mais inexpressivos sinais de identidade. Esta expressão, homem de espírito,
não anuncia nenhuma pretensão, é uma arte que exige cultura, é uma espécie de
profissão, de confissão, e como tal expõe à inveja e ao ridículo. Esta arte
consiste em não me servir simplesmente da palavra certa, da imagem certa para a
palavra certa, da intuição certa para a verdade, que não diz nada de novo;
exige o emprego de uma metáfora... sendo até necessário que tenho sim o prazer
de dizer, repetir que não tendo um caminho novo, a vida é feita de caminhar, e
isto pode até exercer sua influência para uma dúvida atroz que surge, que se
revela, de ainda não haver encontrado nenhuma palavra certa para expressar uma
idéia, uma intuição, uma inspiração, um sentimento... Exige o emprego de uma
metáfora, uma figura cujo sentido seja claro e cuja expressão seja enérgica, a
expressão de algo vivido e experienciado, uma contemplação.
Até concordo que nem sempre pela metáfora me exprimo espiritualmente, o
que custou-me algumas pequenas depressões e angústias, pensando que, enfim,
havia encontrado um limite para as criações, as recriações, e isto nunca pode
acontecer, pois que, se houver, com certeza, não será tão agradável de conviver
com a idéia de que encontrei um limite, as minhas forças todas reunidas não
conseguirão isto vencer. As insinuações, as alegorias, as imagens são um vasto
campo de pensamentos engenhosos, de idéias artísticas, de sentimentos humanos e
divinos, de emoções transcendentes, enfim, das águas límpidas do rio que correm
sem cessar, sabendo de antemão e revezes o seu destino, a sua aspiração, a sua
vontade, o seu desejo, muito embora estas águas dêem muita importância ao nosso
destino, à nossa aspiração, à nossa vontade, ao nosso desejo, e não como
desejam alguns que a natureza pouca importância dá a nós, os seres humanos, os
homens, embora nisto exista até uma verdade inconstestável, a nossa insistência
em compreender a vida a partir da razão e do intelecto, quando ela é a vida a
partir da sensibilidade, da fragilidade, enfim, de sua verdade.
Os efeitos da natureza, a fábula, a história, presentes na memória,
fornecem à imaginação bem-dotada frases que espírito que ela emprega na ocasião
conveniente. Se existem espíritos, inteligências, sabedorias que isto podem
captar, intuir na fonte originária, creio que o espírito seja algo difícil de
definir, é uma qualidade do discurso que se considera reveladora de uma qualidade
da alma, isto se penso em uma luz, algo que ilumina a idéia, o pensamento,
revelando a sua essência, a luz. O espírito afirma a possibilidade de produzir
o novo, a partir do feito de caminhar, sem nada mudar na ordem antiga; a
escolha de uma estética leve e enxuta, límpida e clara, o contrário da pesada
pompa que acompanha a influência sensual da razão, a influência corporal do
intelecto, se assim posso dizer, e alguns doutos podem com isto não concordar,
enfim, de definir uma vida cuja excelência se defina pelo saber, pela
experiência, pelo sonho e utopia.
Alguns galgam paciente e prudentemente, um a um, os degraus do
reconhecimento, que costumam corresponder mais ou menos aos da fortuna. São
degraus que exigiram sim o movimento das pernas para que os pés os alcançassem,
sentissem no solado do pé, se isto não é uma imagem bem vulgar, mas não conheço
da linguagem própria do corpo, em termos científicos. Primeiro, é mister que se
conscientize de um dom divino, um dom gratuito, algo que transcenda aos limites
todos, que os homens normais enfrentam a todo momento... Também se não houvesse
falhas no esforço e no talento, não seria algo verdadeiro, estaria negando o
que possibilita sim a luta, a busca, a tensão entre o sim e o não, mas que
exige uma atenção e uma perspicácia de intuição e inteligência para compreender
e entender as estratégias do destino e dos sonhos.
Antigamente, estando a escrever algo neste nível, com esta profundidade,
tendo, antes dado um título, pois que jamais soube escrever algo se antes não
intitulo, mas que, no percurso e decurso da escrita, encontro uma imagem
destas, antigamente até modificaria o título, ao invés de ser “Teia de Acasos e
Origens”, mudaria para “Estratégias do Destino e dos Sonhos”, mas devo sim
dizer que antigamente desejava sim negar a inspiração, aliás, é até
compreensível, pois que percebo hoje que esta questão até mesmo questionável
por inteiro, isto de não querer que exista a inspiração, era uma fuga da
dificuldade de escrever, de início na carreira de um escritor ele só quer e
deseja o mais fácil, com o tempo é que percebe as dificuldades da escrita.
Um lugar de agradáveis discussões, a discussão do talento e do dom num
mundo em que se dá primazia ao simples, ao supérfluo, ao que responde pelos
interesses da ideologia e do modismo, mas que nada permanece, se antes disseram
que a Idade Média foi o Século das Trevas, não se soube dele, aliás, fora sim o
Século das Luzes, e hoje, é que se deveria enxergar este século como o das
trevas, e só por muito milagre pode se salvar de tão triste conceito e
definição.
Manoel Ferreira Neto
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