POÉTICA RESPOSTA DA ESCRITORA, POETISA ANA JÚLIA MACHADO AO TEXTO /**TUDO ATRÁS FICA LENDÁRIO**/
TUDO ATRÁS FICA LENDÁRIO.
Manoel Ferreira Neto
Amigo Manoel, este texto é belíssimo e aqui insiro a arte do poeta ou
escritor, que pode abranger imensas. Pois ele é um grande criador em todas as
temáticas e em homenagem ao grande escritor e poeta vou deixar-lhe este meu
trabalho concluído há pouco. Acho que também se encaixa aqui...o sonhador...o
pintor, os jardins e o tempo. Adorei, Arte…
Ser vate ou escritor….
É ser um enorme criador
Não é meramente redigir
É provar na sua tez a comoção
E nacarar a folha com a seiva da alma
Redigir com um plumbagina sem pigmentação
Os verbos que só a afeição assimila
Aparentar que não se flagela com a querença
Compreendendo que o seu físico dele provém
É ser ebanista
Esculpir nas tábuas os seus poemas
Fabricar uma embarcação para o marinheiro
Para singrarem juntos em oceanos problemáticos
É ser horticultor
Amanhar em cada poema um bem-me-quer
Gerar do seu vergel o cativeiro da querença
Almiscarar com as ramagens o documento do seus versos
Soltando uma fragrância díspar em cada raiar
É jamais recear ser satirizado
Honrar ainda quem já o enjeitou
Perceber que em um tempo conseguirá ser relembrado
Por quem em ser jamais o abraçou
Mas que pela sua inspiração ficou enamorado
Ser vate ou escritor
É ser imortal, um poeta e um escritor jamais sucumbe
Pois a poesia nos vasos sanguíneos eternamente circula-lhe
Ana Júlia Machado.
Aninha, não vou dizer única palavra sobre este seu comentário. Qualquer
palavra irá ser insuficiente para o que você tenta e consegue analisar e
interpretar, sentir n´alma e espírito, esta obra minha. Com toda a certeza, o
escritor, o poeta são os criadores, sempre buscando inovar, renovar suas visões
e contemplações do mundo e das contingências da vida. Busco sempre dia-logar
sobre os temas a existência, sobre as coisas da contingência. E você compreende
e entende isto tão sensivel e espiritualmente, que me fascinam pelo nível
profundo com que você analisar e sente a minha obra. Nada de critérios
estabelecidos pela razão e intelecto, mas pela subjetividade e sensibilidade. Os
critérios estabelecidos pela razão e intelecto e a subjetividade e sensiblidade
são os silvestres campos da floresta do ser. Neste seu comentário,
exclusivamente, você deseja de modo nítido e nulo mostrar e de-monstrar isto na
minha obra. Digo-lhe que conseguiu realizar o interdito deste testo: a criação
da vida e do mundo.
E tudo atrás fica lendário entre a minha obra e você: como é possível
este entendimento entre um escritor e uma escritora, poetisa, a profundidade
com que ambos se sincronizam, sintonizam, harmonizam-se, e cada um diante de
quem é, a sua autenticidade.
Manoel Ferreira Neto.
Beijos, minha querida.
**TUDO ATRÁS FICA LENDÁRIO**
Post-Scriptum: Ainda esta semana apresentei o texto que amo de paixão, a
menina de meus olhos, ONDE A FRALDA DA MONTANHA SE BANHA NAS ONDAS. Referi-me
aos de que gosto em demasia. Neste texto referido acima, não apresento o de que
mais gosto em demasia. TUDO ATRÁS FICA LENDÁRIO É O TEXTO DE QUE MAIS GOSTO.
Para mim, faltou algo nele para adquirir o meu amor de paixão.
Tenho muito carinho, ternura, amor por este texto. Na pintura literária,
que tento esboçar, o que seria atrás da tela do pintor? Fiz a viagem pela
eternidade, questionando presente, passado, vir-a-ser. Foi inspirado na
choupana que o filósofo Heidegger morava na Floresta Negra, Alemanha, lá tendo
escrito O SER E O TEMPO. Faltou um detalhe da filosofia heideggeriana. Por
isto, não foi incluso com o outro como sendo os dois a que amo apaixonadamente.
Mas TUDO ATRÁS FICA LENDÁRIO é o de que mais gosto dentre todos já escritos.
Manoel Ferreira Neto.
A cena é de uma fazenda situada num vale, a treze quilômetros de
qualquer cidade, seja ela agradável de se viver, seja como a maioria, um
inferninho com todas as suas letras. Não é um vale muito grande, apenas três
quilômetros de extensão e dois quartos de quilômetro de largura. Sua principal
característica é que todas as famílias ali residentes formam uma comunidade
familiar, dessas que todos conhecemos e são mais ou menos interessantes. As
montanhas são montanhas reais, com aproximadamente dois a três mil pés de
altura, e a choupana é uma verdadeira choupana, não (como a de um autor de
imaginação fértil) uma choupana com garagem para dois carros de passeio.
Deixemos que ela seja uma choupana azul, recoberta de trepadeiras floridas,
assim escolhidas por ter uma sucessão de flores em suas paredes, que se
incrustam pelas janelas durante todos os meses da primavera, verão e outono –
começando pelas rosas de maio e terminando com jasmins. Façamos, contudo, que
não seja primavera, nem verão e nem outono – mas inverno, e do mais severo e
radical. Esse é um dos principais pontos na ciência da paz e da tranqüilidade.
E fico sobremaneira surpreso – atrás da surpresa não há senão a surpresa – ao
ver as pessoas não se aperceberem disso e considerarem motivo de exaltação e
júbilo, de alegria e excitação, quando o inverso se vai, ou, quando estiver se
aproximando, esperar que não seja tão severo, apenas um friozinho agradável
para despertar um sono mais tranqüilo, a alimentação mais saudável e gostosa.
Eu, ao revés disso, peço todos os anos que caia geada, tempestades que os céus
possam nos oferecer. Certamente, todos conhecem o inusitado prazer e satisfação
de uma lareira no inverno, velas às cinco horas da tarde, acompanhadas de um
chá com pães de queijo, quentes tapetes, uma bela mão para servi-lo, janelas
fechadas, as cortinas caindo em amplos drapeados sobre o chão, enquanto o vento
e a chuva estão enfurecidos lá fora...
A vida passada misturou-se-me com a futura – há uma conversa múltipla e
ambígua, e qualquer coisa indivisível que a atravessa em zigue-zague e é a
minha voz. E houve no meio do salão de fumo, na choupana, um ruído, onde, aos
meus ouvidos, acabara a partida de paciência (e, de repente, a vida fica muito
mais extensa, tão extensa que tudo atrás fica lendário. Lendário?! É um termo
estúpido).
Todos estes detalhes são de uma noite de inverno, numa choupana, numa
fazenda situada no vale, que deve ser familiar a todos quantos nasceram em
regiões altas. É evidente que muitas destas ternuras, delicadezas, como os
sorvetes tomados por uma criança, pedem uma temperatura muito baixa para serem
produzidas: existem frutas que não podem amadurecer sem uma tempestade. Até me
dou muito bem com a chuva, desde que chova a cântaros, pois alguma parte de
minha natureza faz com que eu tenha necessidade disso, do contrário sinto-me
enfastiado, uma ojeriza sem qualquer medida e peso, sinto-me enganado: já que
serei obrigado a gastar dinheiro no inverno, com carvão, velas e muitos outros
artigos que faltam até mesmo a um cavalheiro, quero pelo menos que seja um bom
inverno. Quero um inverno londrino para os meus bolsos, ou um russo, um
paulistano, onde cada homem divide com o vento norte a propriedade de suas
orelhas. Em verdade, sou tão epicureu nessa questão que não consigo saborear
plenamente uma noite de inverno se já passou há muito a noite de São Pedro – a
noite de São Pedro é a mais longa do ano – e o tempo começa a degenerar a
caminho das aparências da primavera. Não, o inverno deveria estar separado, por
densas paredes de noites escuras, de toda luz e brilho do sol. Das últimas
semanas de setembro, precisamente a semana de 25 em diante, até o dia de Natal,
assim é a estação da alegria e da satisfação. Pois o chá, seja em que estação
for, apesar de ridicularizado por aqueles cuja sensibilidade é naturalmente
grosseira, ou se tornaram assim por beberem vinho e não serem sensíveis a um
estimulante tão refinado, será sempre a bebida do intelectual.
Não há qualquer necessidade de sentir-me confuso, perder a cabeça,
sentir-me solitário, aliás, sou homem feliz por esquecer as horas todas.
Acalmo-me, bebo um copo d´água, bebo-o lentamente, aprendo a respirar, a
dominar as emoções. Sento-me por um segundo, olho ao redor, a serra das águias
através da janela, expulso a nostalgia, que já não tem direito algum de
persistir, desfio as palavras, uma a uma, semeio música entre elas. Com a terra
diamantinense grudada à sola dos pés, eu, o rebelde que se recusa a ser
reduzido à condição de alienado, resolvo os problemas cotidianos e, depois de
tudo, contemplo do alto, as serras, que conheço desde o chão até os menores
detalhes. Sento-me perto das estrelas e estendo os braços como se pudesse
tocá-las. Miro o céu, de um lado ao outro, de uma nuvem à outra, com o olhar
repleto de luz, o corpo relaxado, a cabeça leve. Salmodio preces que na verdade
são pedidos precisos, destinados a facilitar o acerto de uma desavença ou a
dispensar um pouco mais de felicidade ou riqueza a algum homem necessitado.
Aqui, ignoro a própria santidade. Minha felicidade é tão simples. Não sofro
muito com minha condição.
Posso imaginar uma choupana com janelas abertas para um campo a perder
de vista, um jardim florido, para um horizonte acolhedor, para casas onde a
felicidade seja constante, ou pelo menos haja a serenidade dos que sentem
orgulho de si mesmos, os que se ocupam em perseverar no melhor de si.
Paro de sonhar acordado. Jogo as palavras nas dobras de meu diário e
depois fecho. O papel fica impregnado do cheiro de incenso. Morte ao cheiro de
incenso, que queimo tanto nas festividades quanto nos funerais. A morte finge
enviar-me para bem longe dentro de mim mesmo, mas, se me faço vislumbrar
novamente os dias iluminados da vida, é para melhor poder cobrir-me de terra e
trevas.
Mas agora, para afastar-me das descrições longas demais, apresentarei um
pintor e lhe darei instruções para que acabe o quadro que comecei a pintar. Os
pintores não gostam de choupanas azuis, a não ser que estejam sobremaneira
gastas pelo passar do tempo; mas, como o leitor já sabe que estamos numa noite
de inverno, os serviços do pintor serão necessários para o interior da
choupana.
Manoel Ferreira Neto.
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