**ILUMINAÇÃO, THEOS, NOUS** - Manoel Ferreira
POST-SCRIPTUM:
Se me recorda bem, duas semanas depois que escrevi APARIÇÃO DO SILÊNCIO,
ano passado, escrevi este, inspirado em ALEGRIA BREVE, de Virgílio Ferreira. O
que faz a diferença deste e do outro é que este é fruto de um questionamento
que fazia, se o escritor deve escrever sobre a sua criação - há quem pense isto
seja solipsismo sem limites, o escritor analisar sua obra, sua criação. Escrevi
o texto, tendo in-vestigado a questão de ele ter sim de escrever sobre a
"criação", depende do nível de criação, conforme a erudição, estilo e
linguagem, passa a ser um documento para melhor compreensão e entendimento.
Relendo agora para re-publicação, estes dois textos são as pedras
angulares da estilística, semântica, linguística com que na atualidade estou
escrevendo. Naquele tempo, era um texto fruto de questionamento, hoje é uma
realidade, amadureci a linguagem, estilo, visão das coisas do mundo e da
existência. Cada um destes dois textos deram suas contribuições para
questionamentos mais profundos.
Jamais isto são vaidades, orgulhos, solipsismos, isto de o escritor
dizer de sua "criação". Se o escritor for ouvir o que ensaístas,
críticos literários, especialistas, doutores vociferam, ele acaba não
realizando muitas coisas de sua arte. Ouço a todos com o devido respeito, mas
eu prefiro mesmo as críticas, comentários de leitores, pois que são sensíveis e
não intelectos, sentem a obra e não analisam, interpretam fundamentados neste
ou naquele ponto de vista. O que o leitor sente da obra é pedra de toque para
questionamentos profundos da vida, isto é, o leitor lê a vida na obra, e a vida
é dele e a vida de todos.
Manoel Ferreira Neto.
Fico à janela do meu vazio.
O sol tomba em majestade; eu, ao mirante do Ocidente, sinto-me bem... A
manhã acaba de despontar no horizonte da vida, o sol promete ser forte, seus
raios serão incandescentes, o suor correrá na testa, prenúncio de sonhos que se
estenderão, esplenderão pelo tempo, desejando sejam con-templados à luz e mercê
da felicidade além das quimeras do verbo de primevas gêneses do estar-sendo, à
busca do dia-a-dia dos passos que se dirijam ao longo das pontes partidas,
objeto e semente da travessia para o que trans-cende todas as dores e
sofrimentos que gratuitamente nos foram dados para a cor-agem de superá-los e
suprassumi-los, sermos quem somos, esperando o sorriso de louvores à alma que
os concebeu novos nas horas de sono - cochilei esta noite, assim que me deitei:
ouvi uma voz nítida pronunciando meu nome, chamando-me. Acordei. A minha voz
está chamando-me para me superar, suprassumir-me - de descanso das labutas
assíduas de ontem, sonhos de que me não lembram, utopias que se me a-nunciaram,
mas não percebi a anunciação, não a vi, não estava fazendo coisa alguma, pois a
vida acontece quando estamos projetando as coisas.
O infinito re-colhe a minha inquietação, balanceia-a em espuma,
reconhece-a em espuma branca. Sorrio às furtivas dos sentimentos de alegria que
se a-nunciam, além dos universos, ao redor de suas in-finitudes, nada vai mudar
os meus ideais, o meu mundo.
Luz breve, que ec-sistas, onde? fugidio indício que me a-nuncie o meu
lugar na vida... As nuvens brancas espelham-se em miríades de re-flexos,
multíplice alegria, trêmula, sinais nulos, irrita e nula, os meus olhos tremem.
À janela do meu vazio eu.
Nítido nulo horizonte linear. Imperceptível une-se ao azul do céu,
in-fin-itude ab-soluta in-eks-sistente, na linha in-eks-sistente da separação
que os une. A vida toda está aí. Os meus olhos passam por tudo, mortos que
falais ainda, vozes nítidas e absurdas no ar, imóveis instantes de outrora...
À varanda de minhas fantasias, quimeras, sentado num banco de mármore,
as rosas no jardim des-abrochando viçosas e ternas, manhã de novo dia,
estendendo-me além das metafísicas da esperança e da fé, tentando encontrar um lugar
no auspício de uma montanha, olhando o panorama do mundo, os olhos perdiam-se
na frincha das folhas de um flamboyant do outro lado da rua, o in-finito se
mostrando inteiro, nítido nulo o horizonte e já frio, um deus crescia dentro de
mim. Estava só, tão cheio de meu nada. No ponto nulo que separava a vigília que
se esgotara e a que re-nascia... Mas agora, à distância destes anos, ou à
distância nula da morte, agora tudo se amassa em encantamento ou em indiferença
ou em absurdo - agora a rua está deserta. Só eu e a luz do dia, só eu e os
raios incandescentes do sol. Uma alegria nula. Indício fala no limiar das
origens. Fulcro, certeza fora de mim, por mim escolhida, mas ec-sistindo na
realidade, conferido com ela, ordenando-a, fixa e apesar de tudo mutável,
limite máximo da minha direção, do meu impulso cego e absurdo.
Travessia do dia e noite, o sono que me vem revelar o desejo de sonhos
que se manifestam em imagens. As janelas de guilhotina, de todas as casas,
mesmo aquelas em que ninguém mais habita, estão fechadas, e aquelas que,
desabitadas, pela ação do tempo, estão caindo, restam apenas escombros, por
dentro conduzem inerente à vontade à Cruz do Cruzeiro que mostra à cidade a
redenção e ressurreição, e isto é alcançado com o retorno ao amor que fecunda e
gera a compaixão e misericórdia. A palavra é o espírito da vida. Deus,
Iluminação, Amor, Misericórdia, Ágape, Nous, Theos, Inner, Numinoso, Assunção.
Creio que diante de tantas dimensões divinas e humanas, a vida está cheio do
Amor de Deus... Há procissão de águas na moldura da vidraça. Encontro o sentido
do amor e da amizade. Numa refração de ouro claro, surge o momento em que
palpitam as asas de uma águia, re-colhendo a sin-fonia de águas revestidas de
silêncio. Surpreendo a sombra e o deserto sob a ambigüidade. A face dos ventos
arrasta e dispersa as nuvens, agora tudo se amassa em encantamento ou em
indiferença ou em absurdo, e faz sair um brilho nos olhos, que experimenta a
vereda, que evoca com as asas ensopadas, o horizonte em que me encontro é a
distância verdadeira, sigo-o como cumpre fazê-lo.
O sol deita-se e as nuvens azuis colorem os terraços brancos.
Afigura-se-me haver distendido uma mola no interior. Parece-me, em princípio,
haver sentido uma eclosão, por haver dito com o mais singular, manifestando-me
para além do inteligível. Na límpida transparência das águas, a luz segue o
itinerário sem limites, sem pressa, sou eu quem aspira e ins-pira a vida, à
procura da fonte originária que a busca do mar alcança. Ás vezes penso que o
desejo de amor só vive de entrega, com saudades, são estas o rosto da
eternidade refletido no rio do tempo, com ternura, e sou eu quem desperto o
infinito e o profundo, desejando a Vida.
O vento, que ainda me ascende as saudades, faz-me ouvir o sibilo num
abraço à liberdade, numa saudade que me faz caminhar, ir a busca de quem sou,
de mim mesmo, como se fosse eu poesia, a página de um sonho que desejo
contemplar, saciar a minha sede de conhecimento.
Calo-me. Silencio-me. Emudeço-me. No emudecer do silêncio, calo-me. No
calar do emudecer, silencio-me. No silêncio do calar-me, emudeço-me
Levo um grito sufocado encravado num sentir emudecido. Impossível
“re”-tê-lo, “re”-presá-lo por mais tempo: domá-lo. Estilhaço-me. A palavra, se
em represa, é um murmúrio de arribas, sussurro de confins; se correnteza,
brado, estampido.
Ando para a luz levando o fardo de desejos, esperanças de ver-me “ser”
nas linhas do espírito e eterno, esforço-me para não ruir, seco e falido.
Fracas possibilidades de letras reais nos sentimentos verdadeiros, de vozes
imaginárias nas emoções re-criadas, in-ventadas, esboçam-se e des-aparecem –
quase verto lágrimas pujantes! -, roendo entranhas, re-vezando mordaça, e a
escuridão em que tateio o trajeto arrasta correntes, mas sigo na busca
des-esperada de me ver sendo. Cada dia debulho uma letra de minha fala, perco-a
nos sonhos, e dou um passo para a distância. Breve me perderei no horizonte.
Sonhos da vida, degraus do infinito.
Manoel Ferreira Neto.
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