SUPLEMENTANDO[1]
Na vida, há coisas diante das quais é
necessário se calar. Outras, porém, impingem uma manifestação qualquer que
seja, pois, por sua relevância, incitam alguma modificação de espírito. Nesta
concepção, não há como não falar do Suplemento-Caderno Literário-Filosófico
RAZÃO IN-VERSA, cuja 16º edição pousou em minhas mãos dia desses, inebriando-me
desde ao Editorial.
Tratar do Suplemento e seu conteúdo, vale
reportar-se à natureza de tais publicações e sua importância na formação
cultural das respectivas sociedades a que servem. Quem ainda não tem guardado
algum exemplar, unzinho que seja, do Suplemento Literário do Minas Gerais,
coordenado anos a fio pela brilhante e inigualável mente de Murilo Rubião?
Suplementar implica em acrescentar coisa nova
a algo. Assim, os suplementos literários sempre se portaram como base
crítico-analítica da literatura produzida em seu tempo, bem como de resgate de
obras outras já consagradas. Isso quer dizer que, a despeito de uma publicação
de literatura crítica, não é publicação de literatura propriamente dita. O
trabalho do Suplemento é acrescentar e dar suporte crítico ao leitor
interessado no aprofundamento da obra literária.
Até que nos aparece a RAZÃO IN-VERSA, invertendo
a lógica e subvertendo a ordem (ou, invertendo a ordem e subvertendo a lógica)!
Este Suplemento é, no seu conjunto, uma metalinguagem. O suplemento suplementa
a si próprio. Faz a crítica literária na própria Literatura. Faz de si próprio
a Literatura. Sem contar ainda seu viés filosófico incluso e amalgamado nas
peças literárias.
Veja lá, por exemplo, os versos:
“E hoje,
curvado ao peso dos oitenta anos
três centímetros a menos,
caso o pensamento com a razão
e assisto ao nascimento
do meu último rebento”.
(O
Começo do Fim, Raimundo Braga Martins, p. 13)
Tal postura do poeta de plena compreensão da
vida e da morte não pode ser rotulada como conformismo diante do fim próximo,
mas reflete a grandiosidade de sua compreensão da realidade. Tais versos são, a
um só tempo, Literatura por natureza, Filosofia por concepção de vida e Crítica
por comprometimento com as duas anteriores – Literatura e Filosofia.
Não bastasse, os versos de Raimundo Braga
Martins encontram ressonância em outras páginas do Suplemento. Em “Verdades
de Primórdios Tempos” (p.27), o escritor/filósofo Manoel Ferreira Lemos
conceitua: “O prolongamento da vida, curto ou longo, é um pequeno retalho da
Glória. A imortalidade é que é de poucos”.
Os dois autores, como membros de uma mesma
academia filosófica, como se tivessem vivido juntos as mesmas experiências,
demonstram, cada um a seu modo, uma compreensão de vida e da morte como
fenômenos naturais e a grandeza humana de ser agente criador. Essa grandeza da
criação humana é que lhe concede a superação da morte, do desaparecimento
total. Essa grandeza da criação humana e seu poder de superação está no “nascimento
do meu rebento” de Raimundo Braga e
no “pequeno retalho da Glória” de Manoel Ferreira.
O Suplemento, enfim, está repleto desta
universalidade de compreensão do mundo, da vida e da morte. Mas uma pequena
resenha crítica como esta não comporta a menção de todas as qualidades da obra,
para a qual seria necessária a elaboração de um Tratado de vários volumes.
Não se deixar de registrar, no entanto, a
doçura dos poemas de Ludmila Paixão e Marize Lemos Silva. A instigante poesia
de Maria Ernestina Moreira Barbosa, Sara June da Silva Ferreira e Clélia
Correia Leão. A prosa despojada e reflexiva do cronista Marcos Antônio
Alvarenga. O texto hermético e ferino do escritor/filósofo Manoel Ferreira
Lemos, contrastando com o didatismo dos ensinamentos de Paulo César Lopes. Há
ainda a publicação da XVI parte do Romance “Corcovado de Esperança”, do
Manoel Ferreira, a que me eximo de comentar, para não incorrer na injustiça de
julgar o todo pela parte apenas.
Retomo a idéia inicial de que o RAZÃO
IN-VERSA se supera como Suplemento Literário. Faz Literatura por si próprio,
sem abandonar a vocação crítica das publicações deste gênero. Não é por outro
motivo que este Suplemento já encontra caminhando para a 17º edição, sendo-lhe
ainda reservadas muitas edições futuras como sedimentação de seu sucesso,
merecendo, urgentemente, ser material de manuseio constante no meio acadêmico,
e não somente das faculdades e universidades de nossa região sertaneja.
Como é próprio deste Suplemento inverter a
lógica e a ordem, subverto os versos da poetisa Sara June da Silva Ferreira
para afirmar que, se “As coisas de sonhar não são palavras” (p.16) é porque
estas, as palavras, demandam concretização, assim como os sentimentos. E se o
mundo não admite como lógica a concretização das coisas abstratas, vamos à
desobediência. Vamos à subversão da ordem. Busquemos uma RAZÃO IN-VERSA.
Advaldo da Assunção Cardoso Filho
Junho/2009
Diamantina,
05 de junho de 2009
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