**NA VERTICAL A AMEAÇA DA TRANSPARÊNCIA** - Manoel Ferreira
Hoje vou escrever sobre a minha
cruz.
São muitas as cruzes que, com suas solidões e sombras, erguem-se ao longo do caminho, sejam de estradas de terra, de cascalho, de pedra,
sejam de trilhas, o que os mineiros chamam de caminho-da-roca, pondo a duras
provas a nossa andança, às vezes as pernas já não podem mais, nossa fé de
desejar chegar ao infinito antes do vento, e nosso amor.
Creio – aliás, este verbo não traduz a idéia que
penso registrar, pois que suscita uma espécie de dúvida ou de ainda não estar
consciente do que vou dizer, mas aqui significa tão unicamente um recurso de
estilo; às vezes, irrito-me sobremodo com esta Língua Portuguesa, sem dúvida
nobre, majestosa, imperiosa, mas nem sempre é capaz de traduzir as idéias mais
profundas e espirituais – que a imagem da cruz desde toda a eternidade será o
símbolo da redenção e da ressurreição, quem a ela se entrega de corpo e alma
encontrará paz em seu coração, em sua alma. A cruz e o tempo são o que
fundamenta a proximidade entre o homem e Deus.
Sendo estas cruzes de solidões e sombras as da
injustiça ou da calúnia, da violência ou da traição, da falta de recursos e de
pão para pôr à mesa e saciar a fome dos filhos e dos íntimos, não haja dúvida,
mas são estas mesmas cruzes, olhadas através de um prisma outro, de modo a
superar suas solidões e sombras, que a nova visão desta cruz seja sincera e
fiel, eis o que se deve pensar e agir, tornando-a a cada dia uma verdade maior.
Quanto às outras cruzes do passado, são elas como os defuntos: reza-se por
eles, quando se reza.
Não pergunto a mim próprio se é verdade que no
coração há uma saudade ou uma esperança silenciosa: uma saudade da paz e da
felicidade como se já as houvesse vivido intensamente, se já as houvesse
experienciado, mas não pude percebê-las no momento, e, agora, diante deste ou
daquele problema, invoco-as; uma esperança silenciosa de que serei capaz de
superar todas as dificuldades, serei capaz de entregar-me aos desejos mais
profundos, à busca de conhecimento de quem sou e represento no mundo, e, assim,
viverei no corpo e no espírito a paz e a felicidade. Se todos estes desejos,
sonhos, vontades são a raiz de um homem quem intuiu e percebeu um novo tempo e
novas possibilidades em sua vida.
Preciso de ar, de espaço, de luz; a alma cobiça um
imenso banho de azul e ouro, de ouro e riso, o corpo limpo e cheiroso dá uma
sensação de alegria e prazer, e a manhã espera-me trajada de suas púrpuras mais
lindas, mais belas, mais nobres. Se não questiono, se não pergunto a mim
próprio se é verdade que no coração há uma saudade ou uma esperança silenciosa,
não significa que não me importam mais tais questionamentos, a resposta
encontrei-a límpida e nítida na transparência de minhas circunstâncias e
situações no mundo, nem que nego qualquer possibilidade de uma superação,
enfim, haverá sempre a ameaça das injustiças, violências, traições, falta de
pão à mesa para saciar a fome dos homens, esta é a realidade.
Aliás, se dissesse que encontrei as respostas para
a vida, restando-me apenas seguir, estaria idolatrando a verdade encontrada, e
nalguma estrada dificuldades seriam encontradas e estas mesmas verdades não
seriam capazes de solucionar, mostrar-me um novo destino, um novo rumo a
seguir. As verdades e conhecimentos são dimensões que necessitam sempre de
aprofundamentos, coloca-los em nível de outros momentos e instantes, sendo eles
diferentes.
Talvez não seja difícil de entender que esta
necessidade de espaço, de ar, de luz, seja a de poder transmitir a idéia que
desejo, o pensamento que me surgiu hoje pela manhã, aquando estive a passar a
minha roupa de vestir: por baixo da serenidade de meu rosto, o cansaço que
deixam as grandes angústias morais e éticas, desejando eu que desde o sol
nascente até ao último sol poente, veja as bodas do coração humano, dizendo a
todos os ventos: “Eis aqui a minha vida!... Eis aqui a minha Paz”.
Ademais, após haver passado a roupa de vestir, tomado
o banho, desci logo os degraus da escadaria, vindo até ao escritório com a
intenção única de registrar as idéias, os pensamentos, os sonhos e desejos que
se me revelaram ao espírito.
Lembrou-me de haver sonhado estar numa livraria de
um convento, escolhendo um livro. Li um livro, enquanto conversava com uma
irmã, aliás, minha amiga, uma amiga portuguesa, que hoje reside em Lisboa,
passando as folhas com rapidez. Decidi comprar aquele mesmo. Ao sair do
convento, encontrei-me com um amigo de bicicleta. Corri atrás dele,
perguntando-lhe como é que sabia que a filosofia e a teologia seriam os meus
caminhos. Respondeu-me, mas não compreendi uma única palavra sua.
Acordando, a pergunta que logo surgiu em minha
mente fora o que fundamenta a proximidade entre o homem e Deus. Respondi de
imediato: “O que fundamenta a proximidade entre o homem e Deus são a cruz e o
tempo”. Lembrei-me até da pergunta da esfinge aos peregrinos da montanha:
"O que de início anda de quatro, depois de duas, depois de três". Se
respondessem errado eram atirados no abismo. Se respondessem certo, seria ela a
se atirar. Muitos peregrinos foram atirados no abismo. Mas surgiu quem
respondera certo e a esfinge se atirou no abismo. A resposta certa é: "O
homem", de início engatinha, depois anda com as duas pernas, e na velhice
usa bengala.
A cruz que escolhera livre e conscientemente fora a
busca da síntese entre o amor que existe em mim e o que se identifica comigo
próprio, as minhas situações e circunstâncias. A cruz que se identifica com
minha missão ou com minha vocação são as palavras, sem dúvida, muito embora
difíceis de serem entendidas e compreendidas. E quem disse que uma cruz é
fácil? Carregar as palavras com amor e coragem é que consegue transformar a
minha vida, consegue aproximar-me dos homens.
Manoel Ferreira Neto.
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