COMENTÁRIO DA ARTISTA-PLÁSTICA(PINTORA) JACYRA MENDES AO TEXTO /**RESTOS DE MIM**/
RESTOS DE MIM
Manoel Ferreira Neto.
Resta de mim , entre tantas verdades, que não podem ser esquecidas .Com
o custo de pagarmos muito caro.Mas quem sabe ,se a gente pensasse mais acerca
disto, de residir numa sepultura ,deixaria de fazer tantas bobagens .Quando
sentir que está num tremendo redemoinho de atividades, experimente dar uma
rodada em "câmara lenta ", na vida . E é possível fazer isto em
qualquer lugar ou circunstâncias.
É só querer ,mas você sabe que não tem botão de filmadora, para acionar
este recuso, mas Deus nos dotou com uma incrível sensibilidade, para fazer isto
a qualquer momento ..... Não você que vai decidir o porquê de estar no mundo,
mas você é tudo em sua vida ,só Resta saber de você , e viver feliz ...
Jacyra Gomes
Quando você, Jacyra Gomes, refere-se a "Resta saber de você, e ser
feliz...", a protagonista está investigando a si própria, buscando-se,
quer ser consciente de si mesma. O que lhe importa é saber de si. Mas ela não é
feliz com isto de se des-velar diante do espelho. Esta frente a frente com a
vida dela, e só ela pode vivê-la.
Este texto é muitíssimo complexo, daqueles textos que estarão sempre
sendo analisado em ângulos diferentes. E por que? Simplesmente porque as
mulheres, cada uma por si, se identificará com a personagem, e nelas o
mistério.
Agora, é claro que a protagonista não é feliz, mas ela tem problema de
desmembramento de personalidade. Como você diz de dar uma volta por cima e ser
feliz. Sim, a mulher precisa mergulhar nos seus mistérios e conhecer-se, assim
será feliz.
Sinceramente, apreciei sobremodo o seu comentário. Abriu margem para
algumas questões que estão nas entrelinhas da obra.
Manoel Ferreira Neto.
*RESTOS DE MIM*
Não toco as pirâmedes de Queóps. Dedos tamborilam cinzas e fumaças.
Hora. Tempo. Oito horas e quarenta e cinco minutos. Alvorecer de
cânticos de pássaros em con-sonância com os raios de sol. A distância, o morro
afiguram-se desfeitos.
Mar de demônios... Lanço a corda e alguém devia descer para retornar com
a mulher. Lavo os pedaços rudes de pedras. Um prazer estranho penetrando a luz
pelas frinchas da janela. Muita palavra para o pobre muro de cimento.
Solto o ar no fim do dia. Gestos amargos na boca. Perdi a amargura da
solidão. Reliosa solenitude desta noite. A deusa é um riso. Imagens de voz
fazem oscilar a luz da lâmpada. Galgar e vagar de mortais.
Vísceras. Reticências mudas e surdas lançam recursos a prazeres
ilusórios. Água empanada de risos e gargalhadas. Taça nas águas. Sonho povoado
de expressões. Apoteose. Nostalgias. Luzes. Voz soprando nas longas alamedas do
sono. Rosto navegando barcos de brinquedo.
Sinto saudades. Relembro passos. Revejo o sorriso, o olhar. Ouço letras
desconexas. Vontades. Esperanças. Vidraças. Encruzilhadas. Feições expressivas
se eliminam ao reconhecerem o lugar em que iniciaram imagens.
Abro a torneira do chuveiro. Deixo a água cair. No chão, vários produtos
de beleza e higiene pessoais. Tão pequena esta casa de banho. Fecho um pouco a
torneira. Detesto água fria ou morna. Puxo a cortina de plástico. Ensabuo o
corpo.
Devo fazer um esforço para dissipar-me. Olhar cheio.
Registrar o que em nada esclarece. Sou mulher sustentando um corpo.
Beleza. Sensibilidade. Nada... remete-me ao futuro. Negando o racional e
rejeição. Se não mostrar sou capaz de um último ato em nome de ser a minha verdade.
Confessar esta atitude causa-me prazer em todas as dimensões.
Mulher.
Deixo a água escorrer no corpo. A voz sai da boca. Expressa-se na
parede. Desliza-se. Escorre no ladrilho, buscando o chão. Mistura-se á água que
escorre. Ouço. Não a sei dizer...
Ouço palavras. Nada compreendo. Não posso entender o que dizem. Deixo os
olhos irem deambular no interior da voz. Solitários, sendo a leveza de estar
solta. Não há angústia. O carinho anda cambaio pelas arestas. Loucura.
Seduções.
O corpo frouxo no chão. Ladrilhos amareliçados. Vago a esmo pelo
universo das coisas às avessas.
Quem sou?
Os dedos da mão não se mexem. Nunca desejei encontrar-me. Com que
propósito? Encontrar-me não me liberta de haver sido a mentira. De ir residir
numa sepultura.
Encontro-me de pé.
Olhos de lágrimas. Abatimento. Amenizo o mover dos pés. Vago no jato de
luz morta. Arrasto a sandália pelo chão da casa.
Porque estar no mundo? Nada pode explicar como fui escolher a mentira.
Guardar a paixão. Nada sou. Não posso perceber. Dimensões sensíveis perdidas
por haver escolhido...
Um abraço de despedida. Acenar de mãos. Voz. Manhã do desconhecido. Um
arrastar de formigueiro vem de muito distante. Restos de mim erguem-se brancos
e brandos.
Manoel Ferreira Neto.
(02 de junho de 2016)
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