**PROSA DIRETA E INTER-DITA** - Manoel Ferreira
Recordações, sempre recordações, como se não fossem mesmo recordações. O
evocá-las é mágico. E ausência. Recordações e seus in-finitos elos
des-recordados. Revolve o coração, prosa reta e inter-dita, traz de lá o que
não tenho qualquer noção, o que não sinto presente, o que não sabe a mente
enovelada em si mesma, envelada em seus interstícios de mistérios, empazinando
de idéias, pensamentos, memórias, planos, projetos - revolve o coração, prosa
reta e inter-dita, dá-me o prazer, legue-me a volúpia e êxtase, dá-me o que em
mim é verdadeiramente, é plenamente, é eternamente, é completamente. E tudo
retorna, como retorno do meu pretérito sono em cujo desconhecido deslizava
imagens, do nome que um dia tive, re-criei-o com os fonemas sonorosos das ondas
do mar tocando as docas, do que fui no tempo ignorado, do que não fui no
instante-limite sabido - como retorna informe desfacelado, círculo mágico,
chamas ardentes na lareira.
Os amores na mente, as flores no chão
A certeza na frente a história na mão
Caminhando e cantando e seguindo a canção
Aprendendo e ensinando uma nova lição
Em mim, outro homem nasceu e este homem agora sou eu, novos horizontes
me habitam, sonhos e esperanças outros perpassam-me os abissais recônditos da
alma. Onde estão aqueles mitos daquele homem passado? Onde estão aquelas idéias
e ideais daquele homem que desejava a verdade perfeita? Onde estão aqueles
mestres e sáios que ensinavam àquele homem a poética do espaço?
A solidão me cerca, fico em silêncio como um poeta que mora ao lado de minha
casa que na madrugada se senta à soleira da porta de sua casa , ouve o latido
dos cães, o canto dos galos. Só, autopalhaço, faço tamanha alacridade que nem
ouço as palmas que não batem para mim. Espectador de mim mesmo, cerro as
cortinas e com um toque (mágico), (inaudito) de dedos faço surgir milhares de
espectadores a ovacionar-me. Apago a luz. Fecho os olhos. Conto carneirinhos
para dormir o sono idílico da esperança
O que vejo não é real e o que sinto apenas circunstâncias. As verdades
amoldam-se às variações climáticas - agora é inverno, estou sensível, a
sensibilidade é a verdade, os pensamentos convergem num só ponto, mas
atravessam coordenadas diferentes. A consciência é um trapézio tripudiando o
equilibrista.
A prosa me cumpre e eu com ela me redimo das solidões e amplos apelos.
Não há verdades nos meus olhos nem destino nos meus passos. Só o passado, inda
que mais-que-perfeito, tão perto na distância, tão distante no espelho.
Manoel Ferreira Neto
(12 de junho de 2016)
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