PORQUE E COMO O VENENO ESTÁ NA CAUDA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA ***
Epígrafes:
"Eu
sou antes, eu sou quase, eu sou nunca"(Clarice Lispector)
"In
cauda venenum."(Máxima Latina)
***
Não
lágrima de águas, mas diamantes de águas, antes mesmo de revisitar as ruas,
igrejas, museus, teatros municipais, inteirar-me do universo histórico,
imbuir-me de idéias e utopias de mudanças e transformações; antes de revisar as
águas, tirando-lhes o “s”, e, assim, deixando à palavra expressar-se,
perdendo-me e esquecendo-me nos liames do nada, sonhos foram jogados fora,
palavras garatujadas, arrabiscadas.
***
O que
abrir à mão as letras que se contrapõem, opõem-se em som, ritmo, estilos e
ideais de beleza, belo, e dirigem olhos ao inesquecível da volúpia de sentir
intuições que se revezam, encontram-se além... Nada.
***
E não sei
o quê mais acrescentar no sentido de estar anunciando à luz de sentimentos e
intuições que em mim perpassam as emoções e sensações, o desejo outro não
seria, então, de buscar torná-las húmus de esperanças e desejos, recriando-as,
dando-lhes sentido, quem dera se tornem raízes como algumas se tornaram, com
elas pude dar continuidade a algo que achava tão distante, longínquo, mas de
algum modo estou a realizar, estou feliz, é isto o que desejava para mim.
***
Ah,
sim!... Não deveria me esquecer de algo muitíssimo importante na vida do homem,
algo primordial, aliás, essencial, no meu parco ponto de vista, que é o
seguinte: se alcancei o primeiro degrau, a responsabilidade em minhas mãos
colocada é de chegar ao final de todos os degraus, olhar a cidade de cima,
embriagar-me, extasiar-me com a beleza das luzes acesas, parecendo uma casa
haver sido construída em cima da outra, um espetáculo inigualável... Não
poderia esquecer-me disto.
***
Menos
palavras, as idéias e os pensamentos se confundindo, entregue a uma leveza sem
limites e fronteiras, sugerindo estar vazio, nada mais havendo senão a vida, o
que lhe importa eu, e, contudo, nada disso, os sonhos e utopias borbulhando na
mente, a vontade de novos horizontes, outros cenários e paisagens, o fluir de
emoções e intuições, os campos, as serras, a poeira, o universo... "Boni
pastoris est tondere pecus, non deglubere.", "Um bom pastor tonsura
suas reses, não as esfola."
***
Se não
tenho o dom da poesia, escrever poemas, o que me importa se a suavidade e o
clima de realidade misturada a irrealidades e quimeras, e, desejando, as portas
estão abertas para a entrega, se mesmo em tom de troca de dedos de prosa,
falando de início sobre os seixos que rolam no fundo de águas, consigo
expressar o que dentro vai em mim, o que penso e o que sinto, embora reconheça
haver questões a serem in-vestigadas, in-ventariadas, no fritar dos ovos, salvo
as gemas, havendo de buscar a sintonia e harmonia com a realidade que vivo eu,
caso contrário, estarei sendo falso, e todas as letras sendo farsas que se
abrem a todos os gostos e interesses...
***
Ah, quem
dera se, ao invés de sentir e pensar outras coisas, com certeza, adversas a
muitas outras que na vida particular vivo, buscasse torná-las sementes que se
abrirão e darão espaço ao nascimento da árvore, no futuro mostrando os seus
frutos ávidos, o desejo de comê-los ou chupá-los, sentir-lhe o gosto nobre e
suave, a serenidade descendo a garganta, saciando a sede e a fome!... Ah, quem
dera!...
***
Contudo,
eis-me aqui, é noite, dezenove horas e cinquenta e dois minutos, fumando um
cigarro, encostado ao parapeito da sacada de minha residência, olhando o céu
estrelado, uma noite simples, agradável, suave. O inverno se aproxima.
***
Nada
estou pensando. Sinto muito, embora não tenha consciência de tudo o que sinto,
tudo o que no espírito me vai dentro. Se gostaria de tudo poder expressar,
disso não tenho qualquer dúvida, sabendo, de antemão, isto não ser possível,
é-me impossível sentir todas as coisas, ver todas as coisas, experienciar, e
outros verbos e sentimentos que se queira unir a estes, compondo outros, dando
continuidade ao fazimento do ser quem sou, quem represento neste mundo.
****
Em
verdade, se é mesmo possível acompanhar o que venho desde o início enfatizando
e re-criando a própria ênfase, observa-se que não digo coisa com coisa, e mesmo
se dissesse nas circunstâncias em que me encontro no momento, não se faria
possível haver concatenação das idéias. Não digo coisa com coisa. O interesse e
a intenção são estes mesmos, nada dizer, dizendo algo é de se duvidar se há
coerência, e não havendo o melhor que se faz é desprezar e retornar desde o
início, buscando apanhar o fio da meada construindo a rede que servirá para me
deixar e cair no sono, sabendo que amanhã tudo será o mesmo, e as maravilhas
começam justamente aí.
***
Assim, se
aqui continuasse toda a noite, olhando as estrelas, as pessoas passando à
porta, algumas cumprimentando, outras passando direto, desejando sentir a
frescura e o resplendor desta noite, encostado ao parapeito da sacada de minha
residência, o cigarro acabou, mas não demorará acenderei outro, teria muito o
que dizer, muito a expressar, a tentar esclarecer, justificar, explicar a vida.
***
Vida...
Clarice Lispector dizia que o importante não é entender e sim viver. Viver a
Vida. Isto. Buscar o encontro, a satisfação, encontrando com os contrários, os
adversos, as contradições, mas o que importa não é o agora, mas o que faço de
mim agora, só assim podendo seguir viagem, só assim podendo seguir os caminhos
do campo, à busca de quem sou e represento no mundo.
***
Sim...
Viver a vida. Isto me importa. Enquanto estiver vivendo, estarei experienciando
algo que enriquece a minha vida, sensibilidade, assim podendo tudo transformar
em palavras, esperando, óbvio, me seja possível perder-me nelas, não mais
podendo retornar, e tudo isto era o que mais desejava, o que ansiava por
encontrar, por vivenciar. Vivo-a a todo instante.
***
Às vezes,
a intuição surge à esquerda, aqui estou à direita, seguindo ainda o fluxo de
uma imagem que se me apresentou ao espírito, "Dosis facit venemon",
"A dose faz o veneno", e, desde então, não paro um instante de buscar
alcançá-la na sua luminosidade e esplendor, servindo-me de guia neste mundo, ou
melhor, reunindo-se às outras intuições, e tudo isso vá resultar numa
sublimidade.
***
Por
vezes, surge á direita, aqui estou á esquerda, seguindo a intuição que se me
apresentou o mergulho em memórias, esquecimentos, lembranças, sonhos de outros
dias, surgindo à soleira de imagens e intuições, legando-me ainda mais a
habilidade e perspicácia de estar encostado ao parapeito da sacada de minha
residência, acabei de acender outro cigarro, rindo de verter lágrimas de uma
máxima latina: "in cauda venenum", trasladando "Na cauda está o
veneno", sendo assim, não seria algo sui generis perguntar: "Se o
veneno está na calda, por que e como a serpente usa a língua? Não teria
sentido." Efetivamente que tem sentido, e muito, se averiguar o escorpião.
#RIO DE
JANEIRO(RJ), 28 DE MAIO DE 2020, 02:38 a.m.#
Comentários
Postar um comentário