**AO HOMEM FRACO E IMPOTENTE, ORÁCULO DE EUNUCOS** GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA ***
Se quem
amo por algum motivo ou razão não pode mais vir a mim, o que perscruto e indago
não é a razão ou justificativa de não mais poder, os sentimentos e emoções que
impedem, seguindo aquilo de um grande amor do passado se torna às vezes em
aversão, e os ex-cônjuges se destroem reciprocamente; pergunto e indago é o que
me impede de ir até ele.
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Infeliz é
quem pensa consigo que isto é inspirado na antiga máxima que diz que se a
montanha não vem a mim, sou eu quem vai a ela, o que certamente endossa o seu
certificado de quem não pode entender coisa alguma de nada, quando, se
entendesse, começaria a questionar sua inteligência e capacidade de percepção
das coisas, se por toda a vida se justificou com um pensamento e ideia de ser
um homem muito esperto e perspicaz, quando era justamente o contrário, um homem
fraco e impotente.
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Por toda
a vida este infeliz acreditou em sua superioridade, e, de repente, vendo as
coisas com lucidez, percebe o seu papel de Zé do Caixão na comédia que para si
próprio escrevera e ainda representara só que em nível vulgar e ridículo. Seu
olhar perde-se no céu e na neblina à procura de alguma coisa que não se pode
encontrar, mesmo com todo esforço e entrega, perscruta com insistência as
profundezas azuis para nelas encontrar uma imagem querida, a quem talvez, e
quem de algum modo, por um milagre especial, ser-lhe-ia permitido manifestar a
sua fraqueza e impotência, e a amada poderia com toda a dedicação do mundo
ajudar-lhe a superar tão difíceis características.
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A solidão
e a preguiça, a náusea e o desconsolo lisonjeiam a imaginação.
Não é
somente a sinceridade e seriedade em ver-se refletido nitidamente no espelho,
visto com nitidez que não seria mais possível tripudiar e enganar a si próprio,
que comove o espírito e faz a alma reverenciar o mundo com todas as pompas, com
todos os louvores e empáfias; não é somente a sinceridade deste enternecimento
que comove o espírito; há, sem dúvida, para o crítico, o prazer singular e novo
de ver expandir-se aqui o moralismo sem eira nem beira, até mesmo sem nexo e
duplicata de veracidade dos acontecimentos e circunstâncias, a crítica ardente
de valores que geralmente só floresce em oráculos de eunucos. Há aí um
preconceito e discriminação, um desprezo completo e uma vez que, para os leitores
e ouvintes comuns, a palavra moralismo comporta a tendência a priorizar de modo
exagerado a consideração dos aspectos morais na apreciação dos atos humanos, a
expectativa do absoluto e da última e derradeira compreensão deles.
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Enfim,
encontramo-nos numa época em que a sensibilidade de perceber que há sempre mato
atrás de um coelho, em que a sensibilidade já não dá tanta importância aos
limites e fronteiras levantados a partir dos interesses e das fugas inúmeras,
sem nexo, obviamente, é-se livre para buscar novos horizontes e perspectivas,
alimentando-se exclusivamente dos sonhos e utopias, e esse amor imoderado pela
solidão pode ser transformado num alimento saudável à casa e aos ossos, estes
que nunca emagrecem.
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Uma
destas épocas decisivas, críticas, sarcásticas, irônicas, debochadas, em que a
alma diz a si própria: “Não é atrás do coelho que existe mato, o fato é que há
sempre mato atrás deste coelho”, em que a imaginação obcecada, compulsiva pela
redenção e ressurreição de todas as mazelas, achaques e pitis humanos, esta
alma, com efeito, vende-se a Lúcifer e pede perdão a Deus mais uma vez por sua
última atitude de não. Sofre com delícia e prazer, com exultação, as sublimes
atrações do vulgar e do mesquinho, nem ao menos pensando em seu êxule caráter.
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Felizmente
é chegado o instante, o derradeiro instante do trabalho e das distrações
singelas e meigas. Torna-se necessário vestir a roupagem da vida e se preparar
para as posturas clássicas, comportamentos tradicionais, atitudes convencionais.
O peito de um homem autêntico e sincero é uma morada que me agrada muito mais
que as tabacarias e baiucas melancólicas e insensíveis. É uma sepultura alegre
e jovial onde eu cumpro as minhas obrigações, assumo o meu destino com júbilo e
orgulho.
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O amor
não é nem o supremo sábio nem o súpero ignaro, do mesmo modo a linguagem não é
nem a utilidade completa nem explicação total. Amava ainda, sob formas mais ou
menos perfeitas, a fraqueza, a inocência e a candura. A ternura do homem
sonhador, pode-se dizer até mais exultante que a do jovem, desviando-se para
novos e excêntricos projetos – a amada sempre se sente a mais merecedora de
tantos desejos puros e humanos -, permanece fiel a seu primevo caráter. Entre
as marcas e as características profundas e principais deste homem cuja palavra
ou conselho tem muito peso ou inspira absoluta confiança que o destino lhe
imprime, é preciso assinalar e enfatizar também uma demasiada delicadeza de
consciência que, ao lado de sua sensibilidade mórbida, serve para aumentar
ilimitadamente os fatos mais vulgares, mesquinhos, e para tirar das faltas mais
leves, imaginárias até, medos e temores infelizmente muito reais.
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A
faculdade prematura deste homem cuja palavra ou conselho tem muito peso, que
lhe permite idealizar todas as coisas e lhes dar proporções morais, éticas,
sobrenaturais, transcendentes, cultivadas, exercidas longamente na solidão e no
silêncio, ativada além de todos os limites pela fraqueza e impotência, produz
sempre resultados normais e menores.
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Se a
virtude é um saber é porque ela implica o conhecimento da essência, fora do
qual não há lugar senão para a opinião subjetiva e apaixonada.
#RIO DE
JANEIRO(RJ), 20 DE MAIO DE 2020, 11:03 a.m.#
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