#ESTRADA DE METAFÍSICOS CASCALHOS👹# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA ***
A lua vai
alfim aparecer. A neblina alastra ao meu horizonte sem fim, aos meus uni-versos
por serem, os olhos doem-me da nitidez estéril, do nítido nulo, da aparência
frígida, da folha limpa por escrever. Timbre de prata, flutua. As cordas da lua
tremem. Passam a legenda e os anjos. Que é que isto quer dizer? Ou nada quer
dizer? Devo estar velho, a solidão ec-siste insuportável e a morte, inevitável.
Ou quê por elas? De repente a vida ficou muito mais extensa. Os olhos deambulam
muito longe, a longitude da correspondência entre o horizonte e o infinito. Tão
extensos, tão longe que tudo atrás fica lendário, tudo atrás é conto do
vigário, é estória da carochinha, é piada de salão de monsenhores e sacristãos,
é "bolson" de verborréias e falácias cretinas. Respiro devagar, trago
a fumaça do cigarro lentamente. Como se me balanceasse o corpo ao ritmo sereno
do universo. Noite ofegante, olho-a. Pela janela, ao alto, sobre o negrume dos
pinheiros, silencioso céu. Estendo-me na rede, extenuado das memórias do dia, do
cão que latia incansavelmente por estar preso pela corrente, do barulho da água
que enchia o tanque de lavar roupas...
***
Concuspicentes
cancelas de estradas de metafísicos cascalhos que as exegeses do vento
sarapalham herméticos exílios pulsando de vida os cernes das fantasias,
vislumbres de pinceladas de paraíso abnegado de inquietudes do presente,
esfumado na praia do efêmero.
***
É no
silêncio que vivo, aprenderei outra linguagem? É na solidão que prolongo os
dias, aprenderei outro estilo? Não há palavras ainda para inventar o mundo
novo. Não há sentidos ainda para revelar o outro dos sonhos, utopias, dos
verbos que hão-de ser. Estou só, horrivelmente povoado de mim. Valeu a pena
viver? Valeu a pena trilhar as estradas de poeira? Valeu a pena passear pelas
manhãs, con-templando as folhas verdes umedecidas do orvalho da noite? Matei a
curiosidade, vim ver como isto era, valeu a pena. É preciso que tudo
des-apareça para que tudo possa re-construir-se - re-construir-se através de um
"deus único", um "deus final". Não sei ainda a linguagem do
mundo que terei de re-inventar, o estilo da ec-sistência que terei de re-criar.
***
Astros
submersos - a maior loucura do mundo se explica por certo modo de perder esta
outra cena, e o fantástico não é outra coisa senão a dissolução da fantasia.
Terra estéril, sobrevivente eu. Clamo a morte do homem, rogo o fim da raça,
anuncio a sua vinda. Choro meu de alegria, ó anjos da nova pura. Riso meu de
tristeza, ó querubins da nova inocência. Cântico dos anjos da anunciação, dos
anjos das trevas e do desastre, os sinos nos domos das igrejas, basílicas,
catedrais, bradam para o vazio do mundo. Virgindade do meu sangue, um Deus
Menino vai nascer. Os deuses nascem sobre o sepulcro dos deuses.
***
Concuspicentes
proscrições relegando a toda a borrasca a nostalgia do futuro na nobreza do
antepassado, poesia encantada e des-lumbrada esplendendo de raios noturnos da
noite o brilho e o viço nos terrenos baldios da alma.
***
E um
silêncio longo, feito da neblina ao longe, encobrindo a montanha, da cidade
sepultada em solidão, do cerco à volta do espaço para além, abre-me de um
abandono final - o de quem está ao pé e já nem se olha, já nem se sente, já nem
se vê. O espaço esvazia-me até ao limiar da memória, onde alastra o meu
cansaço, o afago quente de um coro, o aceno de sinais que se co-respondem como
ecos de um labirinto. Num bafo secreto afloro o que estremece sob os gestos
alfim apaziguados.
#RIO DE
JANEIRO(RJ), 14 DE MAIO DE 2020, 14:02 a.m.#
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