*ZERO DE ÂNGULO OBTUSO* GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA ***
Só sei de
mim, só sei de mim, só de mim...
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Sou um
objeto perdido. Sou um objeto sem destino. Sou um objeto nas mãos de quem? De
Santo Agostinho? De São Paulo? De Dom Sigaud? Um objeto a ser burilado, afiado?
Tornando-me um santo no futuro? Não me refiro à inspiração que é graça especial
inúmeras vezes acontece aos que lidam com arte. As coisas mais sublimes de tudo
o que é reconhecido bom, quer seja obra, ação, ser humano ou natureza tenham
sido até este momento, para a maioria e mesmo para os melhores, algo oculto e
encoberto, secreto e envelado, o que se encobre para mim, encobre-se a mim,
alfim! Terei de viver mais uma vez, inúmeras vezes mais, esta mesma vida, como
a que vivo agora e vivi, nada haverá de novo nela. Minha sina mais secreta
sarapalhou-se no bosque de uma ilha onde teço a liberdade, o amor. O que me vem
ao pensamento, o que preenche o vazio atrás dele, e no coração me dói:
carvalhos tem que desabar, enquanto o junco se abaixando espera passar o vento
forte da intempérie.
***
Sou zero
de ângulo obtuso.
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Julguem
tais palavras simplesmente "dramalhão", desejo de chamar atenção, ser
digno de pena, dó, comiseração, sensibilize os corações piedosos, humanos. Haja
até quem, inspirado em mim, de imediato, jogue todos no meu saco de batatas,
dizendo que somos todos "zero de ângulo obtuso", o que vou discordar
plenamente, pois a consciência do zero é minha, o ângulo obtuso é também meu,
conforme a perspectiva com que analisei, conforme as verdades da vida vividas e
analisadas que fui acumulando, os juízos que me habitam.
***
Sou o
único "zero de ângulo obtuso". Não o digo para defender a minha
diferença entre todos os homens, afirmando assim a minha personalidade,
caráter, a minha identidade. Digo-o apenas para ser sincero e verdadeiro comigo
mesmo. Posso não haver sido homem digno, honesto comigo no concernente a ter
dado rumos virtuosos à vida, destino pelo menos plausível, mas aprendi no
de-curso e per-curso a ser verdadeiro comigo próprio. Não importa o que fiz de
mim, importa o que faço agora de mim. Tomei a decisão peremptória e radical de
tomar outras trilhas, mudar de estradas, à busca de minha dignidade, fazer jus
às palavras de alguém querido e amigo "A vida tem muitas coisas lindas e
maravilhosas para ser vivida". Vou rasgar os zeros na jornada, instituir
outros ângulos de posturas e condutas.
***
Se a
preocupação não estivesse com tanta preguiça à semelhança de um ébrio, guinando
à esquerda e à direita, andando e parando, resmungando palavras pelas metades,
ameaçando o céu com os olhos mortos e brilhosos, dar-me-ia uma lágrima para
escorrê-la pela face, todo entregue à nobre e áspera função de descrevê-la
neste momento.
#RIO DE
JANEIRO(RJ), 25 DE MAIO DE 2020, 11:48 a.m.#
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