#AUTO DA CATINGA DINAMARQUESA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA ***
Às
críticas literárias, Graça Fontis, Ana Júlia Machado, Sonia Gonçalves, com
apreço e reconhecimento.
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Estou
deprimido, tão deprimido que negaria de pés juntos nenhum animal ser mais
calamitoso do que o homem, pela simples razão de que todos se contentam,
"aprazeram-se" com os limites da sua natureza, ao passo apenas o
homem se obstina, tira pelos em ovos, arranca tufos de cabelos da cabeça em
ultrapassar os limites da sua. A pior das sandices, o mais lídimo dos
nonsenses: ser feliz, alegre, contente, sentir-se no sétimo céu num mundo in
totum despirocado, virusado. Colocando num prato da balança as vantagens da
depressão e na outra as desvantagens da felicidade, alegria, contentamento
percebo que a dor justa é muito melhor do que loucura injusta.
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Re-criei
o adágio de modo tão pujante que não me fora possível evitar as tristezas,
fracassos, frustrações. Re-criara: “Alguma coisa de podre há no reino da
Dinamarca”. E eles se justificam por razão simples, notória: o lobo pode mudar
de pele, mas jamais, nunca, never a alma. De imediato, olhei ao redor, trouxe à
superfície algumas das piores mazelas e achaques da sociedade, dos indivíduos e
cidadãos, não havendo como não admitir não ser apenas uma coisa podre, mas
milhares delas. O Campo Santo de tumbas abertas não seria tão fétido como o
Reino da Dinamarca, tomando como símbolo do Mundo inteiro a Dinamarca, porque
em verdade está ele podre e a raça humana apodrecendo-se viva a olhos vistos,
tanto que já estão usando máscaras, não apenas exteriores, cobrirem a boca e as
narinas, mas interiores, envelarem a degeneração.
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Pudesse,
adquiriria uma choupana num lugar bem afastado da cidade curvelana, onde
imperam todos os delitos da psique!... Não por questões de isolamento social,
exílio, confinamento, mas recanto de reflexão. Não diria que não mais poria os
pés nas ruas, isolar-me-ia por completo. Voltaria para rever algumas pessoas
por quem alimento amizade e apreço, pondo-nos a conversar alegres e felizes,
situações esquisitas e estranhas que vivemos, ridículos que observamos na vida
diária, os nossos desejos de tudo modificar, a vida ser bem diferente. Tomaríamos
alguns aperitivos, aguardente sendo o mais aconselhável, comendo farofa de bofe
bovino, a mais recente moda da culinária burguesa curvelense, durante o nosso
dedo de prosa, para regar as nossas idéias e pensamentos. No outro dia, longe
delas, percebemos que houve diferenças em nossas emoções e sentimentos.
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Não digo
que tenha levantado a sentir-me melancólico, nostálgico, a recriação do adágio
fizera-me olhar para as coisas que me circundam a todo tempo,
conscientizando-me de que existe muito mais de podre no reino desse país, se a
imaginação for em demasia fértil sente-se o odor mais fétido que as ruas de
Paris no século XVIII – o país inteiro, França, fedia, a História fedia, as
Artes, as Ciências, as Religiões fediam, para resumir o elenco das coisas que
lá fediam, o mundo inteiro sentiu a catinga de Paris.
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Levantei
imbuído de cinismo e sarcasmo, e não com as coisas do mundo e dos cidadãos,
mendigos, personalidades, intelectuais, professores, doutores, empresários, mas
comigo próprio. Até mesmo elevando ao ápice do Olimpo a consideração e
reconhecimento dos amigos íntimos que em termos de sarcasmo, cinismo e ironia
sou egrégio. Se mergulhar de verdade no íntimo, não suportarei a catinga de
tantas coisas que me habitam, tendo de voltar à superfície com medo do
ridículo: dizer que levantei transformado na antiga Paris do século XVIII,
tornei-me maior que ela, superei a sua catinga, tornei-me mais importante.
Tornei-me Ícone da Catinga íntima: moléstias psíquicas, hipocrisia, falsidade,
farsa, mentira, neuroses e psicoses de toda ordem, nem Freud seria capaz de
analisá-las, interpretá-las, apresentar um antídoto milagroso para a extinção.
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Para
passar o dia nada melhor que ironizar as mazelas, achaques e pitis,
ridicularizar os problemas e sofrimentos, fazer-me sentir superior à raça
humana que conhecimento algum tem disso, se intui e percebe não interessa, há o
que compensa as dores, há o que preenche o vazio da alma. Hodiernamente, ela
está compensando-as com as futilidades do poder, dos dons e talentos medíocres.
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Desde o
início, sentando-me à mesa de café, fazendo o desjejum, olhando fixo para a
poltrona onde me sento com o prato de almoço em mão para satisfazer o estômago,
nasci primeiro que a comida, quando comecei a pensar essas coisas, que, aliás,
habitam-me desde tempos imemoriais, até agora suscitei inúmeras possibilidades
dos sentimentos e humores com que levantei, lembrando-me da quimera de que
poderia tornar-me perfeito, apesar de que isso de ouvir a todo instante que a
perfeição não existe, no mínimo minutos e segundos perfeitos influem no
processo, na continuidade da vida e das lutas.
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Não
descobri o que me habita em verdade, o que me chama a atenção, exigindo atenção
e cuidado, apreço e carinho com o que trago nas prefundas almáticas,
conservando e evitando de se afastarem, distanciarem, perderem-se, e o que de
mais precioso havia não poderei usufruir.
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Terminando
o café da manhã, levantando-me da mesa, gostaria de ter alguma resposta para os
meus estados espirituais. Podendo dizer a todas as algazarras de ventos de
entre as pedras da serra que sou quem sou, sou aquele que é. Está aí algo de
interessante nessa manhã: amanheci com o desejo vivo e pujante de ser Deus, o
Deus da Catinga, o que é sonho, utopia. Quem disse não posso aproximar-me de
Sua perfeição?
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Não flor
nem fera... Levantei hoje consciente de que a fé habita em mim, não só ela,
inclui-se a esperança, de que as posso conhecer profundamente e tudo o que fede
dentro de mim poderá ser modificado, tornando-se um odor agradável, de um Paco
Rabani, por exemplo, um verdadeiro perfume, a ponto e natureza de alguns homens
terem a empáfia de pedir para que me cheirem dentro, sem qualquer problema de
impregnar o pulmão, levando-lhe a bancarrota.
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À noite
de ontem, 22 de maio..., ouvi uma fala de pastor num programa religioso da
televisão. Os pastores hodiernos, em lugar de pregar Jesus Cristo, deixam no
esquecimento o seu nome e o põem de lado com leis lucrativas, alteram a sua
doutrina com interpretações forçadas, cretinas, extra ordinárias, e,
finalmente, o destroem com exemplos pestilentos, virulentos. Dizia este Ícone
do Viperino que a fé apenas significa algo: significa o dom gratuito de Deus. A
fé com conhecimento significa a redenção dos sofrimentos e dores, estarmos caminhando
em direção ao que nos é vocacionado. É-nos vocacionada a Catinga Dinamarquesa.
#RIO DE
JANEIRO(RJ), 23 DE MAIO DE 2020, 10:09 a.m.#
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