#CONSCIÊNCIA INÉDITA NA CONFIGURAÇÃO DO CARÁTER# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AUTO-SÁTIRA ***
Sei-me
pleno de força, vitalidade. O mundo me espera, até começa a reclamar a espera
tem sido longa demais, o suficiente para encetar a enfastiar-se, digo-lhe que
sigo o ritmo normal; todo o ser vibra como se através dele repercutisse um
dedilhar de cítara no jardim de residência com piscina, amigos íntimos, alguns
parentes, num sábado à tarde, churrasco e muita cerveja, encontro para assuntos
aleatórios. Nona Sinfonia de Beethoven.
***
Nada mais
existe, importa senão os desejos fortes e vivos, de uma excitância que emite
labaredas de fogo – não sei. Ignoro se é neste estilo que os outros sentem o
pulsar da vida, se em relação aos sentimentos reais, estes que se harmonizam
com o brilho dos olhos a contemplar os horizontes e universos, a língua quieta
e serena, pensamentos e idéias fluindo espontâneos.
***
Sinto a
força e vontade de as coisas serem contínuas. Prazeres, alegrias, que me
absorvem todo, vontade e chamas. Em relação à vida, impulsionaram-me as
intuições de possibilidades, chances. Não aprecio este último termo;
afigura-se-me estou sendo escravo, sou permitido fazer algo só muito pequeno, e
nada de ser um indivíduo "atravessado", daqueles que fora tão
atravessado na vida que no momento da atravessagem teve dificuldades
insolúveis, tivera de voltar atrás e começar a re-versagem e inversagem e ser
racional: a última atravessagem é inevitável. Tenho de saber o tamanho da coisa
a ser feita, não devo exceder os limites, fronteiras. Só recente me
conscientizei das vezes até a primeira que antecede a última haver tentado;
tive só chances. Desejo que nasce livre é desejo que projecta o próprio
destino. Desejo impingido é outro: amarrado às raízes, tradições, interesses.
Poetisa dissera certa vez: "Não ter nada com os pais é que faz a
diferença", o que endossei. Desejei as letras sonoras, baladas
linguísticas, metalinguísticas, metafísicas, filosóficas.
Desejar
tornem-se músicas reais nas mãos de um músico, isto é o mesmo que visitar o
inferno, fazer turismo lá..
***
Busco
possibilidades, nada fora em vão, aprendi as lições fundamentais, trabalhei-as,
investiguei-as, silenciei-me, deixei os verbos se revelarem a bandeiras soltas,
não desperdicei o único tesouro, dom, que aumenta quanto mais tirar. Que
importa o resto, em que pesam os arrazoados alheios?
***
Deste
alto da serra, ao lado do Cristo Redentor, a Efígie, onde posso contemplar toda
a Fronteira da Lembrança e do Esquecimento, procuro através da neblina, esta
sim é a mesma, após alguns dias de chuva constante, logo ao amanhecer, os
traços e caracteres de há alguns anos. E inda não é inverno, restam poucos dias
para o início.
***
Nada
sinto, ouço; até compreensível por estar a ouvir músicas, não alto nem baixo.
Nada vejo, por estar o coração leve, alguns sentimentos os sei puros. Ordem é
perpassar-me, estou consciente e intuitivo, a música renova poucochinho; bom
ser em estilo lento este poucochinho, prefiro baladas dylanianas no celular,
jingle-jangle, tweedle dee, tweedle dum.
***
Estranho
ou não, afigura-se não ser o lugar, instante adequado; é como se me dissesse
uma palavra de amor, não igual às que as mães dizem comumente aos filhos, mas
às que as mulheres dizem ao objeto de sua entrega, carinho... "E o
bolsinho, meu querido, como está indo? Se vazio, vamos curtir músicas
românticas na varanda, contando casos e tomando um whisky juntos. Os
complementos da noite virão logo de imediato no leito..."
***
Nenhuma
lembrança ou esquecimento se revela. Necessário excluir uma destas dimensões do
tempo na terceira pessoa do singular, nenhum remorso ou orgulho obscurece a
consciência ao dizer isto. Nem sequer, de longe, posso imaginar poderiam ser
outros os sentimentos a unirem-me ao mundo, homens, coisas. Havia na expressão
enorme tensão e ansiedade; a palavra necessitava de harmonia e sintonia com
elas; enfim, a sinceridade é de importância sem medida, cumpre levar a honra,
dignidade a ferro fogo para nada ter de explicar a ninguém nem a mim próprio.
Cumpre sonorizar as letras, as palavras.
***
Não sei
por quê, insensível e inconscientemente, creio ser conivente, no sentido de
algo que se aproxima, posso tocar, os olhos lacrimejam. Posso é justificar a
emoção com esta força a habitar-me o espírito, a alma, deles é parte
constituinte.
***
Talvez
seja livresco a imagem que esculpo de quem estou sendo, representando, sinto-me
em harmonia com desejos acalentados. Pouco que posso expressar acerca destas
coisas, imagino que represento alegria e felicidade, deparei-me com elas vezes
assinaladas em romances, como característicos de alguém privilegiado,
talentoso, mas gosto que assim o seja, em sintonia com o vivido - possua este
símbolo, signo, tão cálidos e ternos, para diferenciar-me de outros homens
conhecidos.
***
Acho
extraordinário o tom de voz que emprego para dizer-me estas palavras, tão
simples, até eu próprio me sinto admirado, pois que o coração pulsa
incessantemente, há um calor enorme no peito – é como se não tivesse sentido
qualquer dificuldade, medo de estar equivocado, de não se tratar de algo real,
e exprimo uma ternura, cuidado, ou que não houvera vivido estes acontecimentos
outrora. Depois de todas estas palavras, intui-as vivas e fortes, deveria ter
dito assim; não importa, silencio-me, de modo tão repentino quanto iniciara a
dizer.
***
Não
importa que seja eu, é até melhor. Necessito de uma palavra, gesto a trazer-me
à terra firme, tudo foge diante dos olhos, hostil, desde aquela monotonia,
mesmidade que não conseguia suportar, apesar de esforços, até à lembrança de
atitudes e ações antigos, pensara haver sufocado, a cada segundo, poderosas,
ressurgem no pensamento e até mesmo – por que não dizer? – na carne.
***
Que há de
falso nestas palavras, existem no fervor inexprimível, visando, precisamente,
dizer? Não sei hoje como não sabia antes. Encontro-me deitado num sofá-cama,
assistindo à televisão; distanciei-me por longos momentos.
A luz
desta sala de terceiro andar não é muita, interceptada pela cortina da janela
que fora corrida. Mesmo assim, diviso olhos a examinarem-me, e descubro neles
carinho tão grande, autênticas considerações e reconhecimentos, ternura e
dedicação. Sinto-me surpreso. O sangue sobe-me às faces. Positivamente,
mulheres se revelam quando se sentem felizes com os esforços e lutas; assim
amam, a mim este amor preenche todos os vazios, carências, sinto-o livre em
mim.
***
Durante
algum tempo fico em silêncio, não olho para o aparelho televisor, não olho os
olhos que me examinam, ainda se encontra de pé ao lado do sofá-cama, sem conseguir
me libertar do constrangimento a enlear-me.
***
Mergulho
na distância que não conheço. Brilha nos olhos como a lembrança de um mundo
submerso. Parece-me a vida toca-me de sentido real e denso: o sentir-me eu aqui
componho e delineio assume o novo aspecto com consciência inédita na figuração
do caráter. Não há nisto vaidade, mas certeza de que devo seguir a caminhada,
de peito descoberto – homem, experimentando o que é isto desejar.
***
No fundo,
nesse insondável lugar onde representa a última cena de uma iluminação, talvez
esteja contemplando o mundo, vida.
***
A estas
palavras, que se esforçam por ser cordiais, não me movo, não faço a menor
menção de gesto com as mãos; antes procuro sentir-me ainda mais deitado, como
se me preparasse para reagir a qualquer espécie de fuga ou justificativa.
#RIO DE
JANEIRO, 26 DE FEVEREIRO DE 2020, 12:29 a.m.#
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