#DIALÉTICA DA CRIAÇÃO E DO AMOR ENTRE OS DIVINOS TRÊS# @@@ (UMA LEITURA DE ‘A SANTÍSSIMA TRINDADE É A MELHOR COMUNIDADE, LEONARDO BOFF) GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: DISSERTAÇÃO EM TEOLOGIA
I PARTE C...
Assim, a história constitui um caminho que o Povo
de Deus há de percorrer inteiramente, de tal modo que a verdade revelada possa
exprimir em plenitude os seus conteúdos, graças à ação incessante do Espírito
Santo (cf. Jo 16,13). Ensina-o também a constituição Dei Verbum, quando afirma
que ‘a Igreja, no decurso dos séculos tende continuamente para a plenitude da
verdade divina, até que nela se realizem as palavras de Deus”.
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Pode parecer a alguns demasiadamente antropológico:
o homem da Galiléia libertou pela sua vida e pela sua morte como outros tantos
também o fizeram antes e depois dele. De fato, nesse nível de nossa reflexão,
Cristo se situa na galeria dos justos e dos profetas injustiçados e matados.
Como veremos, somente a ressurreição sobreeleva Jesus para além de todas as
analogias e faz descobrir dimensões novas na banalidade de sua morte de
profeta-mártir. Contudo, cabe a pergunta: de que força e de que vigor se
alimentava a sua vida libertadora? Os Evangelhos deixam claro: seu projeto
libertador nascia de uma profunda experiência de Deus vivido como o sentido
absoluto de toda a história (Reino de Deus) e como Pai de infinita bondade e
amor para com todos os homens, especialmente os ingratos e maus, os
tresmalhados e perdidos. A experiência de Jesus não é mais do Deus da Lei que
discrimina bons e maus, justos e injustos; mas é do Deus bom que ama e perdoa,
que corre atrás da ovelha tresmalhada, que espera ansioso pelo filho pródigo e
que se alegra mais com a conversão de um pecador do que com a salvação de
noventa e nove justos.
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A história torna-se, assim, o lugar onde podemos
constatar a ação de Deus em favor da humanidade. Ele vem Ter conosco,
servindo-se daquilo que nos é mais familiar e mais fácil de verificar, ou seja,
o nosso contexto quotidiano, fora do qual não conseguiríamos entender-nos.
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Tomar Cristo histórico todo inteiro, precisa
Bonhoeffer, significa tomá-lo em todas as três fases da sua existência:
encarnação, paixão e ressurreição. E é preciso tomá-lo na sua totalidade para descobrir
quais são as suas relações efetivas, enquanto realidade última, com qualquer
outra realidade (que Bonhoeffer chama “penúltima”). Considerando Cristo total
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‘‘descobrimos, na encarnação, o amor de Deus pela
sua criação, na crucificação, o juízo de Deus sobre a carne; na ressurreição, a
vontade de Deus sobre o mundo. Não há erro mais grave que o de separar estes
três elementos; porque nenhum deles abrange tudo. É absolutamente errado
elaborar separadamente uma teologia da encarnação, uma teologia da cruz e uma
teologia da ressurreição, em contraste uma com as outras, mediante uma mal
entendida absolutização de uma das três partes”
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Ao longo da história da salvação, Deus revela-se
como Aquele que é. Ele é a verdade libertadora e salvadora, mas, no ápice da
auto-revelação de Deus, aprendemos que um de nós, o Filho do Homem, Jesus de
Nazaré, se chama “a Verdade”. As palavras que ele diz com todo o seu ser e
através do todo o seu testemunho não são dele, mas do Pai. “As palavras que me
deste eu lhas dei, e eles as acolheram e reconheceram verdadeiramente que saí
de ti” (Jo 17,8).
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Jesus vem como a manifestação de que Deus é luz, e,
desde que compartilha conosco sua vida e sua luz, podemos andar na verdade (cf.
1Jo 1,5-7). Nele, nós, cristãos, adoramos o Verbo eterno de Deus por quem todas
as coisas foram feitas. Ele, o Verbo encarnado, o Senhor, é a meta da história
humana, o ponto focal dos anseios da história e da civilização, o centro da
raça humana, a alegria de todos os corações e a resposta a todos os desejos.
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À luz de Cristo, a Verdade encarnada, chegamos
também a uma compreensão melhor do conhecimento de Deus sobre o mundo. “Seu
conhecimento é causativo, e sua causalidade é cognitiva. Ele conhece as coisas
ao criá-las”. Cristo conhece-nos como Deus nos conhece e, ao mesmo tempo, com
um coração e uma mente humana. Compartilhar conosco a sua verdade constitui uma
nova forma de ele nos conhecer no íntimo de nosso ser; com efeito, ele faz de
nós uma “nova criação”. E, correspondendo a esta maneira de sermos conhecidos,
compreendemos também que a verdade que recebemos se fez carne em nossa vida e
no mundo à nossa volta.
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Apesar destes princípios programáticos muito
exatos, na última fase da sua existência, quando estava a excogitar uma
teologia correspondente às instâncias do nosso mundo atual, secularizado e
ateu, Bonhoeffer é levado a construir uma teologia exclusivamente
estaurológica, ignorando quase completamente os mistérios da encarnação e da
ressurreição. No rosto de Cristo só aparecem os sinais abertos pela humilhação,
paixão e morte. Estes são também os traços do rosto de Deus: um Deus humilhado,
confundido, desprezado, aniquilado, completamente kenotizado, que já não conta
nada. Segundo Bonhoeffer,
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“aqui está a diferença determinante relativa a
qualquer outra religião. O sentido religioso do homem orienta-o, na
necessidade, para o poder de Deus no mundo, Deus é o Deus ex machina. A Bíblia
orienta os homens para a impotência e para o sofrimento de Deus; só o Deus que
sofre pode vir em auxílio. Só neste sentido se pode dizer que a evolução do
mundo para a maioridade limpa o terreno de uma falsa visão de Deus e abre o
caminho para o Deus da Bíblia, que adquire poder e espaço no mundo por meio de
sua impotência”
riodejaneiro, 27 de janeiro de 2020#
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