VIDA E MORTE SÃO MESMO COISAS ENGRAÇADAS# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA
"Quê" posso mais além de buscar
verbalizar sentimentos e emoções, pensamentos e o mundo? "Quê" posso
mais além de ser-me, tecer as redes de luzes com os horizontes de cores do
arco-íris, fagulhas de estrelas? "Quê" posso mais além de escutar as
sonoridades do in-audito? "Quê" de mais além posso fazer senão
vislumbrar o abismo, até onde as vistas alcançam, imaginar o fundo, não vou
cair na esparrela de querer confirmar, atirando-me de braços, se é que haja,
como o ser que ama brincar de abismo, brinco de con-templar o abismo, sentindo
além, além de auscultar a algazarra de sussurros, lamentos e gemidos de todas
as raças?
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Quê posso menos aquém de conceder amplo círculo de
colinas e encostas habitadas!... - vejo rostos de gerações passadas, selvagens,
aleatórias, fantásticas, desordeiras, hereges, promíscuas, teimosas feito uma
mula de carga. Urge encontrar satisfação comigo próprio, uma grande e rara
arte. Quê posso menos além de reduzir opiniões à potência zero, pontos de vista
à potência cinco e um logaritmo para encucar os que apenas sabem e conhecem o
que é deduzir, a questão que se apresenta é a sândica idéia de zerar a potência
por intermédio de logaritmos! Quê mais posso fazer de coisa além senão seguir
dedilhando as cordas de minha viola, conversando, falando das coisas de uma
jornada a ser cumprida, sempre andando, até que as cordas da viola se rebentem
de tanto uso e me rebento com elas.
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Débil lembrança de momentos nunca abarcada pelos
sentidos, de verdade só memória, sem tempo, só a éresis do tempo. A longa
desolação do mundo branco, a fossa presente in aeternuum na alma, no coração,
no espírito fechando os olhos, encolhendo-se todo, e sonhando a vida além da
dor, sofrimento, angústia, além da felicidade, além da alegria, silêncio-ser,
aquela vontade de "botar" a estrada, seguir em frente, adquirindo o
saber das coisas da existência.
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Realiza-se o prodígio de re-tornar a sentir-me um
Ser que se faz continuamente. Importa-me que tudo prossiga, prolongue,
abandonar-me à vertigem, seguir a Estrela Polar. Tudo seja atraído pelo mais
íntimo desejo, impulsionado por vocação profunda, tão simples como no
pensamento, pela Natureza, Alma, pelo Sonho e Espírito, pelo saber, pela
volância da sabedoria, pela utopia da fissura do conhecimento das raízes mais
profundas.
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Que de mais ou de menos posso aquém e além senão o
ofício da escritura que se me afigura atividade de adulto, pesadamente sério,
tão fútil, tão inútil e, no fundo, tão destituído de interesse instante sequer
que estava a mim reservado. É apenas isto: "sou dotado", essa rede de
vazios teço-a, componho-a eu!
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Deixe-me esquecer de hoje até amanhã, aquando, com
certeza, a chuvinha continuará molhando a terra, causando tragédias
inestimáveis, as sementes estarão ansiosas por surgirem à luz ensimesmada do
dia, nos canaviais, nos trigais, mas alegres por estarem crescendo, rumo ao
fruto que saciará a fome, a carência de amor e compaixão!...
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Nascimento significa o genuíno, ingênuo, pureza, o
desunir do todo, aniquilação da doída e condoída individualidade, afastamento
de Deus: re-tornar ao todo, chegar a ser Ele. Buscar cristianizar a compreensão
e entendimento de Deus, ter ampliado a dimensão do espírito de tal modo que se
mostre possível voltar a conter de novo o TODO, re-colher, a-colher o in-audito...
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Vida e Morte são mesmo coisas engraçadas. Tem a sua
ironia, ah, se tem, e se não tivessem não despertariam tanta risada entre o
opúsculo e o crepúsculo, entre o alvorecer e o entardecer, entre a meia noite e
as três horas da manhã, quando Mefistófeles sai de Hades e dança de sombrinha
na chuva, isto de ser à meia noite que ele munido de seu Tridente passeia pela
terra, encontrando os seus álibis e defensores é pura lenda, a Hora e a Vez do
Capeta são às Três Horas da madrugada, Cristo morreu às três da tarde, fez-se
escuro no instante da desencarnação. Tem o seu cinismo, oh, se tem, e se não
tivessem não causariam tanto sonho de integridade.Têm o seu sarcasmo, hum,
óbvio, e se o não tivesse, não seria semente de questionamentos e buscas. Tem
as suas lorotas, oh, se tem, podendo vangloriarem-se de dimensões tão íntimas
do nonsense, assim caminha a humanidade...
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Na zona do sobressalto, atinjo não bem o que sou
por dentro, o modo íntimo de ser-me, a pessoa viva, a pessoa absoluta. Mas o
quê?
#riodejaneiro, 29 de janeiro de 2020#
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