**SENTADO A UMA PEDRA NO DESCAMPADO** - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Calmo... tudo calmo..., quê inestimável calmaria!, um silêncio fundo
como um abismo para depois explodir numa confusão de sons vindo como raios de
luz numa velocidade infinda cortando, penetrando, dilacerando por dentro,
obrigando-me a tapar os ouvidos... a a-colher o coração entre os braços,
afagar-lhe com ternura, a acariciar a mente, o fluxo de ideias é inconcebível.
Se as constelações se encontram próximas? distantes? Não desejo. Estão
bem onde estão. Onde estão sentem-se real-izadas, felizes, saltitantes. Se me
encontro satisfeito? alegre? Por vezes, estou; por vezes, não. Desejo estar bem
num momento de dores e sofrimentos, por vezes consigo; por vezes não. Estou bem
onde estou.
E onde estou?
Tu, caminho por onde me embrenho a passos lentos e comedidos, e volvo os
olhos, o corpo, o sexo, não creio ser o único que existe aqui, creio existem
muitas coisas invisíveis, muitas coisas irrealizáveis, muitas coisas escondidas
a três sombras, eis a lição rasa da aceitação, eis a aprendizagem rasa do
con-sentimento.
Tu, ar que me dás o alento e o des-alento para falar; seria mesmo
"falar", não me esquecera do termo adequado? talvez seja "para
ruminar" – há quando percebo as palavras que pronuncio, os gestos,
assustando-me por não dizerem o mínimo do que está a perpassar-me o íntimo,
âmago; clamo pelos gestos e palavras que, juntos, mostram o que me vai dentro.
Vós, objetos que do disperso tirais os meus desígnios e lhes dais forma
ou des-forma – e vejais desde já que antes não estava a vos dirigir a palavra,
são objetos, e quem lhes dirige a palavra muito bom da cabeça não deve estar,
isto se já não está muito disperso e confuso, confundindo pinguela com pinga na
goela; dirigia-me aos humanos.
Tu, luz que me envolves inteiro em seus raios, inda mais quando incidida
em cristal de águas, e a todas as coisas com as tuas delicadas e igualitárias
ondas.
Caminho por corredores estranhos e mofados. Algumas lembranças vazam
pelos cantos, dando um travo, apertando até ficar mais sensível a alma. Afasto
estas lembranças para poder seguir, importa isso, importa seguir, mas para
onde?
Um olhar dentro que sempre me faz arrepender de não haver dito as
derradeiras palavras nesta ou naquela situação, o gosto desenxabido de letras e
acentos. Principalmente do que não gostava. Arrependo-me do que não gosto, não
trago dentro qualquer admiração e reconhecimento.
Desde quando acredito trazer comigo um bolo de sentimentos a ser dito
nessa hora? Não o sei, creio que desde a eternidade. Se é ou não chegado o
momento de dizer coisas armazenadas há muito, libertando-me do arrependimento
trago nas costas, sentindo-me entregue aos desígnios, não me é dado responder,
mas, em contrapartida, digo que algo está muito diferente, quem sabe por haver
decidido mergulhar nesta gruta, seguir alguma trilha que, no íntimo, sabendo de
antemão, não mais me sentirei arrependido disto e daquilo. Não ajuízo os
porquês sim e não das coisas passadas, sim não saber havia tanto a ser feito, o
tempo é exíguo agora, tempo de perguntar "será que sou capaz de fazer tudo
isso a toque de caixa? Não quero deixar pendências, fiz o que tinha de fazer.
Cada momento me transforma, convencendo-me, com a maior facilidade, a
aceitar as forças que me habitam, a acolher os sofrimentos e dores, sentimentos
e emoções trazidos em mim dentro; persuadindo-me, com algumas dificuldades, por
haver instantes, longos e difíceis, em que acredito não ser capaz de
entregar-me aos seus desígnios, a poderes mais criadores e inventivos.
Posso dizer a palavra amor? Por que não escolhera a plenitude do
sentimento: “posso dizer a plenitude do amor? A escrita da alma só tem por
intérprete um silêncio, esse silêncio habitado por sons, vozes absurdos,
ambiguamente movidos pela ânsia do sublime. Dizendo: “Tenho sede”.
Hoje ouço nitidamente o silêncio fundo como o abismo. Neste momento
particular, os gritos e gemidos estão condenados à indiferença do universo e no
fundo a tragédia é não ter coragem e desejar dolorosamente mergulhar-me inda
mais, até de mim não restar nem a sombra das mãos ao longo das pernas,
seguindo-as na caminhada, refletida na pedra fria.
Deixo-me envolver pela carícia do silêncio, olhando uma luz que sai de
uma fresta do teto, incidindo na água de uma pequena lagoa no canto esquerdo.
Encontro-me sentado a uma pedra, contemplando as coisas. Bem filosófica esta
cena, sentado a uma pedra no descampado, mãos amparando o queixo, olhando ao
derredor.
Sonho. Este sonho traz-me tanto êxtase: tenho ansiedade de crescer, ser
alguém na vida – ouvira isto desde sempre, “é preciso ser alguém na vida” -,
fazer algo de que realmente gosto. O sonho leva-me à esperança e, aos meus
olhos, apesar de lúcidos, tenho dúvidas se continuo lúcido.
(**RIO DE JANEIRO**, 27 DE ABRIL DE 2017)
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