**AFORTUNOS DE ALCOVITEIRO** - Graça Fontis: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA MENIPÉIA
Essa é boa!... Afiançar, afirmar sou quem sente inveja... Ai quem dera
se tivesse tantos admiradores; os negócios andassem perfeitamente... É só
enfiar a mão nos meus bolsos, conversar comigo para saber que me sinto
realizado.
De todas as calamidades que castigam os mortais, , ainda há mais uma, a
mais abominável, que nos resta dizer. Está muito além da inveja. Suponhamos que
alguém tenha acumulado suficiente fortuna, que seus filhos hajam adquirido e se
tenham tornado virtuosos, se acontece, à toa, digamos assim, que uma divindade
fatal venha arrebatá-los para a mansarda de Satanás, como pode parecer-nos
vantajoso que aos nossos outros pesares juntem os deus ainda estador, a mais
cruel de todas,e nos façam pagar tão caro pela virtude e dignidade?
Dizer... Presumir... Não importa os verbos que usar para definir,
conceituar, a respeito de algo que só vejo as implicações e conseqüências que
circulam as palavras, toma-as, inverte-as, desejam trair-lhes o sentido, o que
penso ser o que sinto, sinto ser o que penso, nenhum deles irá definir ou
conceituar, fica com uma imagem ou metáfora do que penso, intuo, desejo que o
corpo responda pelos sofrimentos e dores sentira antes de estas palavras estar
registrando.
Ah, esqueceu-me dizer que vivo do que digo, e até o que não digo está
sendo posto à investigação dos homens, como se esperassem dizer algo de muito
importante, até mesmo a falta de senso nas palavras, a demonstração de todos os
distúrbios psíquicos existentes em mim, insistem por serem a essência e húmus
de minha vida, e é nesse momento que rogo a Deus: “posso estar enganado, mas me
permita isto compreender dentro da verdade do intelecto e da sensibilidade, um
se confundindo com o outro, não se podendo estabelecer idéia contrária,
contraditória, dialética...” Há também uma sabedoria que floresce na escuridão,
uma sabedoria de sombras noturnas: tal como a que vivo gemendo sempre:
"Tudo em vão!" Baixeza é todo aquele que quer aplausos por seus
princípios morais re-velados a partir das estultices de outros.
Ah, não estou nestes momentos em que a partir de um pensamento, idéia,
sentimento, passo a descrever, narrar, interpretar, e termo algum destes estão
dizendo o que me vai na alma e no espírito. Tudo o que me resta é certo nível
de esperança amanhã pela manhã, após a noite sem acordar um só instante, o
normal sem dúvida é que fantasie as coisas serão diferentes....
Sim... Mas desejam os homens presenciarem o que há de diferente nestas
palavras, ouviram as mesmas desditas e mazelas, nada mais o que dizer acerca? Se
desejam, nada há que contrarie as vontades e desejos, por que vou tentar
persuadir os imbecis, convencer os gênios das razões de não o realizar?
Suave luz era aquela de quando estivemos no Bistrô do Sem Braço, cada um
de nós em cantos diametralmente opostos, olhava de banda, esperava se dirigisse
à minha mesa, dizendo-me o que lhe passava na cachola, não ousava fazê-lo. As
pessoas estavam em casa, certamente estavam com as luzes acesas. Liam, olhavam
o céu através da janela... Envelheceram diferente, Vivem no meio de legados, de
presentes, e cada um de seus móveis é uma recordação.Relógios,biombos, xales.
Têm armários cheios de garrafas, de tecidos, de velhas roupas; guardaram tudo.
O passado é um luxo de proprietários.
Onde estavam os homens que traziam a morte?
Dentro das barcaças, contando mercadorias.
Nas construções, onde trabalhavam dezenas de pessoas.
Nos batuques clandestinos, onde corpos se roçavam com corpos.
Nos restaurantes da periferia, tomando o último gole antes de caírem
para trás da cadeira.
Nos hotéis miseráveis, onde reinava a mais absoluta promiscuidade.
No mato, procurando cortiços de abelhas.
No barranco, misturados aos embarcadiços.
Nas igrejinhas entupigaitadas de fiéis, ouvindo a homilia e debulhando o
terço.
E encerrados, sobretudo no medo. Medo de se denunciarem e serem atirados
ao isolamento.
A paz do coração posta em desvio
O gosto em desenganos sufocado,
Lágrimas com lembranças desafio,
E pela tarda Morte às vezes brado:
Tão maviosos são meus ais mesquinhos,
Tanto pode a paixão que em mim suspira,
Que se esquecem das mães os cordeirinhos:
Ao invés do que de mim esperam, dissesse outras palavras,
incompreensíveis e ininteligíveis em primeira instância, em várias outras
ainda, até ao senso comum de que ou insanidade tomou-me por inteiro, não era só
algo que me habitava, e nem eu mesmo sabia, e não houve quem mo dissesse,
persuadisse e convencesse de sua verdade, alguém estaria disposto a investigar
até às últimas conseqüências para descobrir o que há nestas palavras...
É bom saber que alguém está convencido de que a diferença entre nós é
que sou a sentir inveja sua, sou eu sofrer por não ser amado, querido,
admirado, ao contrário, espezinhado, rechaçado, odiado por todos. Quem mais
desejaria seria tão amado, e por isto lanço as críticas mais atrozes, dessas
que tornam a carne cinza, se isto é possível.
Se não há quem possa entender o que estas palavras são testemunhas
oculares, respondem orgulhosas e cientes da realidade mesma, embora isto seja
muitíssimo discutível em nível das inteligências e sabedorias que habitam a
terra, o mundo, reconhecendo que em pouco tempo, muito menos do que pensa,
serão ossos esperando o resto das coisas do mundo para se tornarem cinzas,
unicamente cinzas, e quem irá contra isso dizer única palavra, sentindo e
sabendo que fora a derradeira, não haverá mais ninguém que possa fazê-lo.
Não há. Se dissesse que alguém, estando ao meu lado, desde o instante em
que acordo, saio de casa, exponho-me a todas as circunstâncias e situações, é
capaz de entender o que me vai dentro, por um instante, percebendo qualquer
modificação nos gestos e movimentos do corpo: “Você está bem? Está mesmo bem?”;
ah, devo desculpas por haver interrompido a idéia e os pensamentos que me
habitam, não conseguindo de um só fôlego expressar o que estou a pensar neste
momento em que ouço música, escrevo palavras no computador, buscando ser
artista, enviando-lhe em missiva, e só chegando à conclusão de que sou um ser
mais que normal, embora todos os desequilíbrios, aliás, devendo dizer que sou o
mais boçal dos homens...
Acredite ou não, eis o que lhe tenho a dizer sobre o que diz de mim na
cadeira de seu barbeiro, com os clientes esperando hora e vez, à porta da
igreja, terminada a missa das sete aos domingos, à porta da baiúca, reunido com
o seu rebanho, sentado na poltrona do salão de beleza, esperando a sua mulher
fazer os pés, as mãos, encaracolar os cabelos, qual seria o riso de Gogol, caso
sentisse ser você nestes redutos, destilando os seus ácidos críticos a respeito
de ser eu invejoso. Quem dera fosse tão amado e querido assim!
Alguém me disse com toda a categoria, inclusive a olhar-me fixamente,
por segundos, piscando, mostrando a sua consideração e amizade, que seria um
homem a quem nada compreenderiam de suas palavras, estaria condenado às
discriminações, preconceitos, marginalizações, jamais alguém iria poder dizer
algo sobre a profundidade das palavras, respondendo-lhe eu, com toda a euforia,
apaixonadamente: “feliz me sinto por ser assim”.
Feliz? Há-de se considerar algumas circunstâncias...
Há-de se considerar que jamais precisei sentir inveja de quem quer que
seja, isto porque não tenho medo ou hesitação alguma de ser autêntico com o
sentido de mim, as mazelas e pitis que me habitam peremptoriamente e que
transformo a partir do que digo e penso em algo poético que responde por minha
vida, e é o húmus do que mais desejo em vida, isto sem considerar...
Ah, não vou terminar a idéia que se me anunciou, tomou-me por inteiro,
enquanto ouvia música, embora esteja inda ouvindo, uma outra em ritmo, melodia,
arranjo, essas coisas da música que só por vezes me vêem ao espírito.
Seria de bom senso afirmar vez por todas: “O melhor dos homens é saber e
reconhecer, definir e conceituar a farsa, a falsidade, a aparência que lhes
habita não poeticamente, mas o húmus do esquecimento que se mostrará a partir
de suas mortes. Foram nada. Acabaram”.
Ah, se alguém disser que isto é empolação, dizer o que ninguém sabe
compreender, esperar que na eternidade, nos tempos futuros, haja quem possa
entender, e isto já não importa mais por os momentos haverem passado, o que poderia
ser feito esvaeceu-se... Digam!
Não importa!... Diria a todos os homens, neste minuto em que com as mãos
cobrindo o rosto, penso comigo que não importa como alguns vivem, fantasiam a
realidade, imaginam os sonhos e ideais, cá estou eu a pensar não nestes termos,
mas nos de que cumpro a minha missão, entrego-me de corpo e alma, sabendo as
conseqüências e resultados que terei em minhas mãos...
Não sinto invejas!... Não sou invejoso!... O que mais é odiado em um
homem, isto devido às consciências de algo da vida não poder ser vencido,
embora todos os esforços, todas as lutas, é ele dizer isto que estou dizendo
agora, sem qualquer outra intenção senão que não está nem um pouco interessado
em invejar...
Posso saciar-me a fome e sede com o que dentro trago em mim, e com
certeza durante toda a vida estarei à busca de não mais as sentir...
(**RIO DE JANEIRO**, 11 DE ABRIL DE 2017)
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