#SUPERANDO OS CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS E FILOSÓFICOS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA
Parece a certos homens mau gosto fazer-se... “sofrer pela verdade” –
isso deixa para os invejosos, ambiciosos e heróis de palco do espírito, e para
todos os que têm tempo para isso uma aposta no desconhecido ( - eu, o asno
intelectual, tenho algo a fazer pela verdade). Não se tem notícia na história
da humanidade que o homem tenha conhecido alguma verdade através do prazer, da
alegria; foi-lhe necessário dores e sofrimentos na sua busca da verdade, e
ainda continua buscando, tendo tido prazeres e alegrias aqui e ali.
Não poderia eu ter a presunção de relinchar a todas as espigas de milho
que tenho profundos conhecimentos dos seres humanos, quem sabe até superando os
conhecimentos científicos e filosóficos nestes tempos de Novo Milênio, mas
estou convencido e persuadido, esta é a minha sabedoria, de que tudo o que
penso não passa de balelas, futilidades, asnadas que escolhi viver
acertadamente, não negligencio isto, mas não há quem possa contradizer-me...
Nada deixarei disto tudo, quem sabe não seja esta a razão de conhecer tão bem
os instintos dos equus asinus, tendo mergulhado nos meus próprios – ainda bem,
isto ao invés de contribuir iria deixar a humanidade ainda mais perdida do que
sempre esteve em toda a sua história, só depois de Cristo é que a luz brilhou
nas trevas, mas a humanidade ainda está longe de viver as suas Palavras, a
Palavra de Deus.
Por fim, no que toca à castidade dos filósofos, a fecundidade desse tipo
de espírito está evidentemente em outra coisa que não crianças; também em outra
parte deve estar a sobrevivência de seu nome, sua pequena imortalidade (ainda
mais modestamente falava-se, entre os filósofos da antiga Índia: “para que
descendentes, para aquele cuja alma é o mundo?”).
Todo artista sabe como o coito tem efeito nocivo, nos estados de grande
tensão e preparação espiritual; entre eles, os mais poderosos e mais seguros
nos instintos não necessitam sequer da experiência, da má experiência, para
sabê-lo – é o seu instinto “materno” que, em proveito da obra em formação,
recorre inapelavelmente a todos os suplementos e reservas de força, de vigor da
vida animal: a força maior gasta então a menor. Não se deve em absoluto excluir
a possibilidade de que a peculiar doçura e plenitude própria do estado estético
tenham origem precisamente no ingrediente “sensualidade” (assim como da mesma
fonte vem o “idealismo” das moças núbeis – de que, assim, a sensualidade não
seja suspensa quando surge o estado estético).
Sim... Esqueceu-me a outra coisa que a nossa pequena aldeia de Lágrima
dos Insanos vive, a coisa corre-lhes na veia...
Está vendo. Devo sim conscientizar-me de que são os últimos tempos de
minha vida, amei-a, ri de minha natureza ásnica, das pretensões ridículas,
presunções estúpidas, pois mesmo o estúpido e o ridículo não iriam endossar
coisas tão estapafúrdias, dignas de relinchos os mais solenes, na passagem do
trio das besteiras, como costumam dizer os lacrimenses dos insanos, a burrice,
idiotia e tapadice. Foi importante a vida. Por vezes, perco a memória – tudo se
me afigura como nada quisesse relinchar, nada de especial, apenas soltava a
língua sem qualquer propósito, causando risadas e mais risadas “Este asno é o
perfeito imbecil de sua raça”, o que me deixa ofendido e humilhado; não é isto,
perco a memória, o que poderia ser esplendorosa meditação e reflexão, acaba
sendo um despropósito chinfrim. Creio que o maior valor espiritual de uma
mulher é quando no leito da morte poder dizer que amou os filhos, fez do
coração ouvidos de asno.
(**RIO DE JANEIRO**,19 DE ABRIL DE 2017)
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