#CARDÁPIO RECHEADO DE MISTÉRIOS# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
O ele-ir-passando-até-não-se-saber-quando,
até-não-se-saber-há-quanto-tempo, até-não-se-saber-onde é motivo de enfiar a
alma entre as pernas e, de suspiro em suspiro, soluços em soluços, ruminar
perdas, uivar fracassos, rosnar frustrações, cacarejar decepções, grunhir
desilusões, relinchar mágoas e ressentimentos, aprendendo, na estrada, que o
sofrimento é louca alavanca para a esperança, e só há ressurreições onde há
túmulos, redenções onde há cinzas.
O ele-ir-passando-até-não-se-saber-quase esquenta na memória tão
passadas águas e tão pesadas mágoas que moinhos movem, que cataventos giram,
que farinhas fazem de cada pensamento
entornando pranto na pedra deste peito.
O ele-ir-passando-até-não-se-saber-Quem com poderosas mãos egressas das
esferas paralisa toda ânsia, separa o joio e das espumas das vidas indefinidas
deixa fluir da morte a fonte mais bendita.
O ele-ir-passando-até-não-se-saber-o-que enxota dos olhos o sono e tudo
o que debilita e cega a vista, queda a língua, emudece as palavras, ensurdece
os ouvidos.
Oh, solidão, quão alegre e terna me fala a sua voz. Anunciam-se todas as
palavras e o escrínio de palavras do ser; todo o ser quer, aqui, tornar-se
palavra, todo o vir-a-ser quer que lhe ensine a falar.
O cadáver sobre a mesa esse macabro cardápio recheado de mistério,
enigmas, silêncios, congelado em pergunta, choro, rezas e velas, sussurros ao
pé do ouvido.
(**RIO DE JANEIRO**, 21 DE ABRIL DE 2017)
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