#OVO DA UTOPIA QUE GUARDA A AVE DO PORVIR** - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Se a alma voeja em fantasias, ardente no peito o coração arfa, os
prazeres são imensos, as alegrias multiplicam-se, de contente a felicidade
paira no ar. Se o pensar no firmamento avoaça, a imagem que sigo é meu segredo,
os ímpetos de guardá-lo existem fortes e presentes, necessito de não
re-velá-lo, quem sabe por desejo de preencher algum vazio em mim, por medo
indescritível do segundo que virá. Se o olhar de volúpias solenes esmorece,
vivo só de um sentimento – sei que existe, mas não consigo defini-lo; quem sabe
por haver cochilado apenas alguns minutos esta noite?, quem sabe se o definir
não mais o sinta presente, esvai-se, e o que me restará será o vazio.
Coração de ouro e diamante, o vazio esvaiu-se, esvaeceu-se de por trás
das constelações do universo.!
Para cada crença de minha alma, tenho uma frase de ironia, que brilha
sempre triunfal. Para cada pensamento que se me apresenta na mente, jogo com os
sentidos em busca do cinismo deslavado, é o meu prazer máximo. Frase de ironia
e cinismo deslavado do pensamento constituem o meu divertimento, é um riso de
cinismo irônico, de ironia cínica são os sentimentos que me perpassam neste
riso. Meu gênio sabe alcançar as emoções que não são quimeras, só se ad-mira em
re-tratar a luz de fronte brilhante, só sonha da fantasia o orvalho da
existência. Sei como rio do escárnio do aéreo sonhar da fantasia. O gênio que
em mim transluz vive aos raios do sol de sonhar meus sonhos na aurora, geme
cantos de tristeza, dedilha a lira de alegrais, conta a sua dor à brisa errante.
Coração de ouro e diamante, o vazio esvaiu-se, esvaeceu-se de por trás
das constelações do universo!
È bem risonha a estrada das glórias ao brilho santo, das horas mortas ao
tristonho vento, das estrelas no céu aos orgulhos e vaidades das celebridades –
digo que fiz uma rima pobre aos tesouros da vida efêmera, sem intenções de
brilhar, mesmo com toda a inspiração, mesmo com todo talento que é só um nome.
. Enquanto um rir con-vulso contrai-me as feições de homem silente, um calafrio
solene perpassa-me a coluna vertebral, ao murmúrio talvez dos meus segredos.
Sei que a hipocrisia, a ambição lançam pedras ao calvário, lançam
blasfêmias à cruz – o porvir dos homens está sempre transparente e nítido, as
veredas levam sempre ao inferno, não há nem um caminho da roça que possa mudar.
Ao canto das cachoeiras lanço minha canção de escárnio, cinismo e ironia,
ouvindo as ventanias vagas, tristes profecias gemem na escuridão. Olhos
fechados à vista, vistas fechadas á luz, o sino que chora triste na igreja
solitária do morro, curvam dos murmúrios do vento nas florestas do existir, aos
sussurros de sibilos nos campos silvestres do vir-a-ser a idéia que soa a
ironia sobre o ovo da utopia que guarda a ave do porvir. Um dia passa em minha
alma. Passa a alma de um dia de frases de ironia, de pensamentos cínicos. Não
tive qualquer necessidade de ser sério hoje, quis apenas me di-vertir um pouco,
como dizia alguém de meu passado, levar tudo na “flauta”.
Coração de ouro e diamante, o vazio esvaiu-se, esvaece-se de por trás das
constelações do universo!
Eu me lembro... eu me lembro... Ironia, cinismo? Revolta, agonia?
Tristeza, desconsolo? Nada disso se me afigura ser, apenas uma lembrança de
idos tempos. O sol raiava, era inverno, no inverno o raiar do sol é sempre
diferente. Tudo era festa em volta de minha casa. Cantava o galo “crista” –
nome que lhe dei por sua crista enorme cair-lhe no olho esquerdo – alegre no
terreiro, o mugido das vacas misturava-se ao relincho das éguas no pasto que
corriam de crinas soltas pelo campo aberto de minha fazenda, aspirando o
frescor da manhã. Passarinhos do céu, brisas da mata, patativas saudosas dos
coqueiros, ventos da várzea, fontes do deserto!... São estas as lembranças que
se me a-nunciam, sinto-me até rejubilado, sinto-me livre do instante presente,
sinto-me alçando vôo, desejo sobrevoar rios, mares, florestas, campos,
montanhas, o destino é o infinito de todos os horizontes, de todos os
uni-versos.
Senhor Deus! Dizei-me vós, Senhor Deus? Se não quereis dizer-me de modo
translúcido e nítido, sussurrai-me aos ouvidos, ouço muito bem, às vezes até
creio que me doastes ouvido de cão, ouço coisas bem distantes, agora mesmo ouço
um galo cantar completamente eufórico, não é o “crista” de minha memória, é o
poder de meus ouvidos. Dizei-me, sussurrai-me , sei lá, fica ao seu inteiro
dispor a decisão, se nos destes aos homens o livre-arbítrio, dou-Lhe o seu,
doação mútua. Dizei-me, Senhor, se é loucura, se é verdade, se é sonho, se é
desejo, enfim se é vida, dormir à toa sob as tendas da amplidão, em vigília,
sob os templos da sublimidade... O que é? Isto é o quê – ser?
Enquanto a neblina da noite na vasta rua, nas montanhas, como um
sudário, flutua nos ombros da solidão, as estrelas são verbos de luz, minha
alma revolve-se em ondas de luz, um brado altissonante que a liberdade prediz.
As flores são aves que pousam na floresta silvestre, as aves são flores que
voam no céu de nuvens azuis. Os cheiros agrestes deste vasto sertão, a voz dos
tropeiros em suave canção embalam-me os sonhos de os mistérios do vasto
horizonte serem re-velados a todos os cantos e recantos da terra. Os prantos de
meu pensar agitam como diamantes as minhas mãos que elevadas ao céu de toda a
terra enxugam rindo os prantos que caem na terra, molhando a poeira ressequida
das estradas. Quando vejo as noites belas, onde voa a poeira das estrelas e das
constelações di-versas, fito o abismo que a meus pés se encontra, sem poder
esmagar a iniqüidade que tem na língua sempre a liberdade, nada no coração.
Com a vista no céu per-corro os astros. Vagueia a minha mente além das
nuvens, vagueia o meu pensar. Nostalgia!... Essa re-versão de minha quimera,
esta in-versão de minhas fantasias, a liberdade de minha personalidade não
constitui aventura prazerosa e confortável, di-vertida, mas, ao contrário, é
com freqüência difícil e complicada e, não raro, quase ininteligível.
Coração de ouro e diamante, o vazio esviu-se, esvaeceu-se de por trás
das constelações do universo!
Este mistério de viver, de ser homem, de encontrar-me feliz e satisfeito,
sente o desejo de conhecer no curso da jornada a vagarosa caminhada. Que tudo
seja atraído pelo mais íntimo desejo, impulsionado por vocação mais íntima, tão
simples como no pensamento, pela Natureza e pela Alma, pelo Sonho e pelo
Espírito. Romper o véu de mistérios e enigmas, ir buscando eterna e
ininterruptamente mutações em mim mesmo, conduz à eternidade. A luz do sol por
entre os vazios das árvores é não ser mais que a luz do sol por entre os vazios
das árvores. A manhã esfria no longínquo da planície, e se sente o novo dia
entrado, uma borboleta branca que se assenta na folha da samambaia.
(**RIO DE JANEIRO**, 21 DE ABRIL DE 2017)💥
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