Maria Isabel Cunha ESCRITORA E POETISA COMENTA A SÁTIRA /****DESPUDORADAMENTE CÔMICO "REVERSO E MULTIPLICIDADES PARTIDÁRIAS"**/
Ser político de Costa ou de costas para a política!
Que interessante trocadilho. Ser político de alma e corpo, inteiro sem facções
, este seria o político ideal, o que lutasse pelo seu país sem doutrina ou
filiação. Também pertenço ao inteiro e não partido. Não gosto de partes, ou
tudo ou nada. O narrador homodiegético confessa que não é invejoso, aliás
sentimento menor, identificado com o sem valor, aquele que não tem mérito
próprio e procura algum deslize do outro para subir nessa garupa. Também
comungo dos seus ideais, meu caro escritor. Excelente texto que adorei ler
porque nele me identifiquei. Parabéns, amigo Manoel Ferreira Neto. Um abraço.
Maria Isabel Cunha
Se você observa com percuciência, Maria, há uma
sigla no frontispício da Pintura de Graça Fontis: "PCP", isto é,
"Partido de Costa para o Povo". Odeio partes: por isto sou
apartidário. A Filosofia de Hegel hoje tem um alicerce para o pensamento
crítico, através do absolutismo que ela reza pode-se criticar tudo, tudo.
Assim, a Política só me serve para criticá-la, descascar os pepinos, cebolas e
batatas dos políticos.
Manoel Ferreira Neto
**DESPUDORADAMENTE CÔMICO "REVERSO E
MULTIPLICIDADES PARTIDÁRIAS"**
TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis
SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Bons dias!
Se se precisar de homem invejoso, com efeito não
servirei, serei inútil para os propósitos, vou muito além das contas de terços,
confesso não conhecer quem se me assemelhe, ande ombro a ombro comigo.
Não posso ouvir advogados, professores, políticos
conversarem, aquela linguagem robusta, sinto-me estar noutro lugar e tempo, a
pose para pronunciar as palavras, nunca as ouvi, nunca as vi escritas, que puxo
os olhos para dentro das órbitas, não os esbugalho como é práxis dos invejosos
– dizem os olhos dos invejosos são gordos, e todos dizem temer olhos gordos -,
não para esconder minha inveja, não há quem dela não saiba, mas para assimilar
os termos, olhar no pai dos burros o sentido, não que vá usá-las, mas noutra
oportunidade que as ouvir deles possa entender o que falam, o que criticam, o
que concordam, o que endossam, o pior analfabeto é aquele que não quer
entender. Homens assim podem estar falando mal de alguém ou de todos e ninguém
percebe, é capaz de pensar estarem sendo elogiados, reconhecidos e considerados.
Já vi pessoas sorrirem, agradecerem, sentirem-se lisonjeadas por ouvirem certas
palavras, na verdade estavam sendo criticadas, postas abaixo dos vira-latas.
Não posso ver uma pessoa escrevendo, compenetrado
que esbugalho os olhos para seguir o movimento da mão traçando as palavras, no
peito uma angústia de rolar na sarjeta, arrastar-me pelas ruas, calçadas,
queria muito saber o que passa na cabeça do sujeito, suas idéias, pensamentos,
na alma, seus sentimentos, é-me impossível, cabeça dos outros é templo em que
não se entra.
Procuro distrair-me nestas ocasiões; como não posso
dizer coisa alguma, não pagaria mico, metendo minha colher de pau nas
conversas, diria só chulices, não tenho alternativa senão ocupar-me com outras
coisas. Não perguntaria o que se passa na cabeça de quem está escrevendo,
poderia dizer-me ser o mesmo que se passa na minha, só que coloca na folha de
papel, sentir-me perfeito imbecil, o que penso é só asnice. Isto não me
deixaria ir avante, dizendo de como pode ser tão corajoso de escrever asnices,
não teria vergonha se alguém lesse e caísse na gargalhada, não teria medo de
ser tachado de idiota, quem escreve devia só escrever coisas lindas e
maravilhosas. Não perguntaria aos advogados, professores e políticos o
significado dos termos que usam, o que estão dizendo, pois que poderia dizer-me
não teria qualquer motivo para saber, não me servirão para nada. Seria mesmo
verdade tal resposta, de que me serve a "data vênia", a
"moção", a "concordata"... Quando iria usar tais termos
numa conversa com alguém? Nunca. Seria até ridicularizado por elas. A conversa
dos advogados, professores e políticos faz-me fosquinhas, a cara de quem
escreve faz-me caretas... Costumo no princípio da noite de quando em vez tomar
cerveja num restaurante próximo a clube social. Encontro um senhor escrevendo,
não pára um instante, tem uma habilidade muito grande com a pena. Na mesa ao
lado, locutor de rádio, cara fechada, de quando em vez bate com o copo de
cerveja na mesa, raiva por o senhor estar escrevendo, bem que gostaria de poder
escrever alguma cosita, mas dom não tem nenhum, nem para ser locutor, sua
linguagem é chinfrim.
Foi o que me aconteceu, depois da última vez que
estive na lanchonete do Reovaldo, quando ouvi dois vereadores discutindo suas
plataformas para a re-candidatura, com seus comentos e prognósticos. Chego a um
restaurante para almoçar, prato feito, não me lembra sua razão social, e que
hei de ler num jornalzinho sobre a mesa? Que o candidato Hermógenes, um dos que
estavam na lanchonete, estava sendo apresentado por três partidos, da
“direita”, da “esquerda”, do “centro”. Quem quiser ler asnices, preencher seus
vazios com leitura inútil, é só adquirir as edições semanais e mensais de
nossos jornalzinhos, não vai gastar um só níquel, são distribuídos de graça.
Inteligível, pois que os editores são analfas de pai, mãe e betos.
Direita, esquerda, volver! Centro, andar para trás!
Vi roxo e cinza. Depois, não vi coisa alguma. As pré-fundas doíam-me, como se
uma dessas facas grandes de açougue as rasgassem, a boca tinha um sabor de fel,
e não pude mais encarar as linhas da notícia. Rasguei a folha, e deixei de
almoçar, saí às pressas do restaurante; estava pronto a não mais almoçar em
bares, restaurantes, botequins, desde que neles encontrasse outras folhas,
dizendo de direita, esquerda, centro na política. É impressionante, a imprensa
sofre de idéia fixa: tempo de política, não se escreve outra coisa, tempo de
Copa do Mundo, não se fala noutra coisa, é tempo de só violência em nossa
atualidade, só se fala nisso, se espremer os jornais saem sangue.
Estava pronto a almoçar neles, se sobre a mesa uma
folha dissesse que um candidato a vereador estava sendo apresentado por um
partido de “costa”.
Upa, lá, lá! que caso único, inédito na história
política! Um partido de “costa”! Todos os partidos de esquerda, direita,
centro, concorrendo com um único partido de costa. Um único partido de costa
colocando os outros de baixo do sapato com suas plataformas de nuca, espinha
dorsal, duas pás, lombo de lado e outro, até ao cóccix. Depositando na cabeça
dos eleitores as idéias da nuca, os projetos da pá, os interesses da espinha
dorsal, a responsabilidade dos lombos com o desenvolvimento social e econômico,
do cóccix com o progresso da cultura e das artes. Quê princípios! Quê
plataformas! Não faltará quem ache tremenda, supimpa a responsabilidade do
leito do partido de costa – porque a eleição, em tais circunstâncias, inédita
na história da humanidade desde a República de Platão, é certa. Dêem-me dessas
responsabilidades, ser inédito na política, e verão se me saio delas, antes de
abrir um rego, dividindo as bandas da nádega, depois do cóccix... História para
mim! O único político na história da humanidade que abriu um rego depois do
cóccix, e ficou conhecido como "b...", uma banda do lado esquerdo,
outra do lado direito.
No meu primeiro comício para a campanha eleitoral,
diria que levado ao palanque nos paveses de gregos e troianos, e não só de
gregos que amam o colérico Aquiles, filho de Peleu, como dos que estão com Agamenon,
chefe dos chefes, podia exultar mais que nenhum outro, porque nenhum outro é,
como eu, o esqueleto nacional, nunca, medula espinhal, cóccix, de lado as pás e
lombos. Todos os outros partidos representam os lados do corpo, o centro da
matéria; eu sou o corpo inteiro, completo, sem nuca, espinha dorsal, cóccix,
nada existe.
Diria, então, que ser de costa é ser em absoluto
contrário à frente liberal, e que no uso da liberdade, no seu desenvolvimento,
no seu progresso, nas suas mais amplas reformas, estaria a melhor conservação.
Imaginassem os queridos leitores uma floresta silvestre, isto exclamaria com os
braços levantados às estrelas e lua da noite. Que potente liberdade a de homens
engajados num partido de costa! e que ordem segura! A natureza, liberal e
pródiga na produção, coelhos atrás do mato, mato atrás dos coelhos, é libertina
por excelência na harmonia em que aquela vertigem de troncos, folhas e cipós,
em que a passarada estrídula, os veados ágeis na corrida, as cobras perspicazes
em se arrastarem no chão, subirem nas árvores, se unem para formar a floresta.
Que exemplo às sociedades! que lição aos partidos!
O mais difícil, parece, seria a união dos
princípios libertinos de meu partido de costa e dos princípios ideológicos da
esquerda. Diria eu que jamais con-sentiria que nenhuma das formas de governo,
esquerda, direita, centro se sacrificassem pela costa; eu é que sou contra
elas, costa de papo amarelo e roxo que sou, considero tão necessários a
direita, esquerda, centro como de costa, não dependendo tudo senão dos termos;
assim podia ter na costa a liberdade e os direitos coroados, enquanto que na
direita, esquerda, centro, podia ser a libertinagem no trono, etc., etc.
Nem todos concordariam comigo. O povão diria que
sou um varrido de pedras, as personalidades da cultura e artes sou um
alienista, os empresários sou um homem que nada entendo de economia e de
interesses de lucro, entendo mesmo é de ser invejoso, para não me sentir
invejoso, pensar que algum conhecimento trago em mim, estou falando as maiores
asneiras. Creio até que ninguém concordaria comigo, ou concordariam todos, sem
um quê de exceção, mas cada um com um aparte. Sim, ouvi um contabilista dizer
na fila do correio da praça principal de nossa cidade, que só uma vez se deu
abaixo do sol, estrelas, lua, há muitos anos, e foi numa assembléia do Rio de
Janeiro. Orava um deputado, cujo nome, em verdade, me esqueceu por completo,
como o de dois vereadores, se não estou equivocado, de nossa cidade e de outra
nossa rival, presentes naquela ocasião; um liberal, outro sem idéias, rumos,
que virgulavam o discurso com apartes – os mesmos apartes. A questão era
simples.
O nosso orador, que era novo, empolava-se todo com
suas idéias libertinárias, expunha as suas idéias e interesses políticos. Dizia
que opinava por isto ou aquilo, desde que a maioria o considerasse,
reconhecesse, elogiasse, fosse objeto de comentários de todos, isso fizesse o
seu renome. Enfim, é com renome que se consegue realizar objetivos e projetos
na política. Um dos apartistas acudia: é de esquerda. Redargüia o outro: é de
direita. Tinha o orador nosso mais este e aquele propósito. É libertino, dizia
o segundo; a pura libertinagem, teimava o primeiro. Em tais condições e
circunstâncias, prosseguia o novato orador nosso, era seu intuito mostrar as
vantagens da política de costa, a única que revolucionava o mundo inteiro, a
todos o que é de ninguém, a ninguém o que de todos.
Eu guardei o exemplar do jornal que Eurico Presbes
me enviou de presente do Rio de Janeiro, guardasse como um tesouro inestimável.
Guardei para acudir as minhas melancolias de invejoso, as minhas nostalgias de
despeitado, mas perdi, infelizmente, o jornal que cobria este acontecimento no
Rio de Janeiro, nele presente um orador de nossa cidade, numa mudança que fiz
de casa, do Curiango para o Alto do Tote.
Oh! O que tenho a dizer? Não se deve mudar de casa!
Não se deve mudar de roupa, de camisa, não se deve mudar de fortuna, de
miséria, de pobreza, de opinião, de idéias, deve-se mudar de invejas e
despeitos, nunca de casa.
(**RIO DE JANEIRO**, 13 DE JANEIRO DE 2017)
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