**ARQUITETO DAS LETRAS LITERALMENTE VISLUMBRA INOVAÇÃO E RENOVAÇÃO QUANTO ÀS CONTINGÊNCIAS FACETADAS DO SER-PAIXÃO** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Epígrafe:
"O homem arrebatado pelas suas paixões,
quimeras e vaidades, perde a faculdade de refletir e meditar e deve ser
considerado, apesar de todos os samaritanos, fariseus, sanduceus, um ébrio, ou
um desvairado." (Manoel Ferreira Neto)
"Desgraça pouca é miséria, miséria muita é
tiquinho." (Cezar Martins - Zazá)
Sequer têm, senhores e senhoras, estes indivíduos a
quem louvais e glorificais, reverenciais e endeusais, odeais e divinizais, a
necessária presença de espírito para se defenderem de alguns outros homens,
audaciosos, corajosos, meigos, que parecem empenhados não só a justificar e
racionalizar suas atitudes e ações, esquecendo-se de que o homem mesmo não
justifica, mas realiza, embora não lhe importe se realizou desta ou daquela forma,
se a obra fora produzida com perfeição ou com todas as imperfeições, se agradou
a todos ou se só alguns se sentiram tocados, assim mesmo não conseguiu, de modo
algum, convencer e persuadir a outros homens para quem a destreza do espírito
está em não só perceber a realidade, mas transformá-la à luz de uma verdade,
empenhados em recolher dos próprios lábios das criaturas cheias e completas o
desespero e angústia, as preces, orações que, na aflição e desejo de não
soçobrarem, refestelaram—se no inverno, pensando que iria sentir ainda um
pequeno calor no corpo e na alma.
Arquiteto toda sorte de reflexões e possibilidades
do desejo que sinto de dilatar o coração, o meu horizonte, fazendo novas
descobertas, arquitetando algumas inovações, tecendo re-novações com o fio da
linha que se vai entrelaçando, errando a aventura, enganando-se com as
quimeras, fugindo das fantasias, e, além disso, a respeito do sentimento que me
leva a acomodar-me numa existência limitada, e a caminhar com os antolhos do
hábito, tralhas da mania, bugigangas dos costumes, sem me preocupar com o que
se acha à direita, para além das arribas.
Esqueceu-me neste instante de exultação e
impetuosidades de idéias e pensamentos referir-me a algo que amiga dissera-me,
eufórica por seus sentimentos e emoções fluem livremente, suas sensações são in
extremis suaves, leves, serenas, os idílios são fantásticos, que estava
evitando discutir com as pessoas, se dissesse tudo o que pensava e sentia iria
acabar sendo presa. Disse-lhe que aos poucochitos poderia dizer o que pensava e
sentia até dizer tudo. Se dissesse tudo, se fosse presa, ficaria todo o tempo
da sentença, o resto da vida em silêncio sepulcral. Desejaria isto?
Desgraça pouca é miséria, e miséria muita é
“tiquinho” - quando me deu a luz este provérbio, quase esvoacei, cheguei a
abrir os braços literalmente, e assim cada indivíduo traz a sua porção de
sublime e arbitrário, de divino e analfabeto, de sagrado e pecador, nesta
comédia dos contrários e contradições, dos paradoxos, neste circo de despautérios
e nonsenses, a sua sombra e sua luz, simpatia e apatia, verdade e erro, ao
passo que a vida tem assim uma regularidade de relógio, e a melancolia do
desamparo, desconsolo da saudade. Despido de quaisquer outras circunstâncias, o
ato de ter consciência de que, ao tragar a fumaça do cigarro, a nicotina vai
direto para o pulmão, estou cavando a sepultura lenta e paulatinamente, tudo
isto é bonito, porque exprime um justo escrúpulo, de que sei os prejuízos que
sofro, dos quais sou uma vítima em potencial, um bastardo ilegítimo,
a-biológico, um sentimento de alma delicada.
Um todo imenso, as vistas vagueiam ao longo do
horizonte, sem se fixarem em ponto algum, apenas buscando inteirar-se da
imensidão, do que ela pode significar na vida, e como que envolvido por uma
neblina, estende-se de imediato frente à minh´alma. O ouvido entrega-se por
completo ao som da música, modificando os sentimentos e emoções, levando-me
para um campo aberto e, com o fechar dos olhos, levo-me nas asas de uma águia,
que, por aventura, decidiu voar ao nível do solo, perde-se, da mesma forma que
os olhos, e ardentemente aspiro a abandonar-me por completo, deixando-me
impregnar de um sentimento único, sublime, aconchegante, aquele sentimento de
minha amiga, como estava se sentindo: "sentia-se sarcástica", um
vento tranqüilo e sereno a perpassar a medula.
Ouvinte, sei que vos sintais felizes, sem que para
isso tenha eu concorrido, e assim penso que esta felicidade me é insuportável.
Devido a exclusivamente isto, sinto dizer que contrario esta vossa felicidade,
pois aqui, como já observais em artigos onde uso palavras terminadas em “cula”,
neles destilo o meu veneno, mas neste "Senáculo" posso afiançar-vos
que o desejo não é este, nem tampouco há o desejo de, numa linguagem inversa, de
ironizar, tornar-me cínico. Sou inclinado a ridicularizar a condição humana;
entretanto, basta que tenha coragem de fazer um grande esforço, o sentido e o
significado caminha logo facilmente, e, se me liberto das emoções que se
refestelam no coração, encontro na verdade um digníssimo prazer, o prazer de
espicaçar uma vaidade idiota. Ouvinte, não tenho mesmo a intenção, o desejo de
ironizar a condição humana, destilar o meu veneno.
O caso aqui é de modo completo adverso. O homem
arrebatado pelas suas paixões perde a faculdade de refletir e deve ser
considerado, apesar de todos os samaritanos, um ébrio, ou um desvairado.
Não sei por que estou falando isto. É que foram
tantas as vezes que fiz silêncio, ao escutar o grito do mundo, o mugido dos
indivíduos, a ruminação dos homens, e hoje você, meu amigo-ouvinte, calou o
mundo e eu pude, então, falar, dizer o que penso e sinto, não encontrando saída
no labirinto onde as forças lutam e se debatem confusamente, continuo
caminhando para a morte inevitável, para as cinzas indubitáveis do eterno ou do
esquecível, da eternidade ou do inolvidável. Contudo, amigo-ouvinte, posso
garantir-vos que aqueles homens melancólicos com quem me relacionei na porta
das baiúcas e tabacarias insensíveis e melancólicas não estarão presentes, a
menos que lhes pague eu um churrasco e uma cachaçada em comemoração e homenagem
à minha morte.
Às vezes, tudo que precisamos é que alguém nos
empreste o coração e deixe nossas palavras tão guardadas irem como uma cabeça
se abrigar entre o peito e o ombro.. As palavras podem me levar para um lugar
onde tudo começou? Há alguma palavra que eu deveria ouvir, generoso amigo?
A parcela de dom e talento que me foi legada, a
parcela de inteligência que possa ter raras vezes conta, faz a diferença, impõe
os valores, virtudes, ou não pode ser admitida em hipótese alguma, desde que as
minhas paixões, e são tantas que até me envergonho, se desencadeiam e eu me
vejo amuado e acuado nos extremos da minha humanidade, trancafiado para sempre
na eternidade devido às emoções tão divinas e profanas que exclamei.
O imenso sentimento do meu coração pelas palavras
em seu esplendor de sentido e significado, sentimento que tanto me delicia e
comove, transformando em paraíso o mundo que me cerca, em que nele estou envolvido
no meio das coisas e dos objetos, torna-se para mim um tormento e uma angústia
intolerável, um fantasma que me tortura e persegue por toda a parte.
Parece que um véu se rasga diante de minha alma!...
(**RIO DE JANEIRO**, 13 DE JANEIRO DE 2017)
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