Maria Isabel Cunha ESCRITORA E POETISA COMENTA A SÁTIRA /****DESFACELAMENTO ÉTICO SOB O JUGO DA CONTEMPORANEIDADE**/
Não contei se foram dez ou mais " os mandamentos " regras do
bom cidadão atual , melhor, do escritor contemporâneo. Concordei com todos e
acrescento que o escritor deveria colocá-los em relevo e a cores para que todos
lessem, mas infelizmente vivemos uma época sem valores ou de valores alterados
o que é pior, a inversão da pirâmide e o mau ou medíocre impera e todos
aplaudem. Como todos copiam, há o efeito do reflexo em massa. O autor apela à
autenticidade, virtude suprema que viria recolocar cada coisa no seu lugar e o
lugar certo para cada coisa. A imagem que ilustra o texto revela perfeitamente
a angulosidade contemporânea. Parabéns, escritor Manoel Ferreira Neto e artista
plástica Graça Fontis.
Maria Isabel Cunha
**DESFACELAMENTO ÉTICO SOB O JUGO DA CONTEMPORANEIDADE**
TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis
SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Acordei nesta manhã, sonhando com um encontro num "Café"
francês com um amigo, aspectos fisionômicos de Jacques Lacan, semblante de Jean
Genet, sorriso de Voltaire, estando ele a cardapiar os princípios que a
sociedade contemporânea deve seguir à risca. Ria-me eu de verter lágrimas.
Muitos dos princípios tive de re-criar, refazer, pois não os memorizei a todos
durante o sonho.
Pousar o olhar nas vicissitudes para vislumbrar e contemplar o cortinado
que lhes cobre contra a inveja e o despeito.
Guarnecer as estultices com perspicácias e malícias, a fim de que as
nescidades hipócritas não interfiram na hegemonia que lhes habita, que lhes são
inerentes, a hegemonia de ver o mundo sempre à luz do nonsense, sob a claridade
do lampião de bestialidades, enxergar o outro mortal com os linces da ausência
de pudor e vergonha.
Rosanear a má-fé com o inebriante e estonteante perfume da razão, as
condições psíquicas estropeadas com as pétalas das morais retrógradas, as
visões-de-mundo alienadas com as folhinhas verdes e viçosas, definidas pelos
psicólogos de escol como "cheiro verde", sem espinhos não há as rosas
e sem as rosas não há os espinhos, então com os espinhos defender os princípios
escusos da vida.
Racionalizar os manques-d´êtres fundamentado nas inutilidades e
incapacidades da sensibilidade, para que os orgulhos e vaidades do vazio e do
nada não sejam objetos de risos e mangofas.
Musicalizar as ignaridades da liberdade com o ritmo da submissão à
escravidão, as cegueiras da responsabilidade com a melodia suave e serena do
não-desejo de realizar a composição do ser, assim os acordes do não-ser serem
concretizados, as trevas da alma serem impecilhos para o alvorecer, ouvir
músicas nas trevas é lenitivo, é anestésico.
Esconsear com categoria e grande estilo os pitis da superioridade,
os escândalos da importância, os frenesis dos saldos bancários e bens
materiais, a sete chaves, não sendo ato ou atitude de inteligência, mas
instinto de conservação e preservação, alfim os saltinhos finos de quinze
centímetros podem quebrar e tudo isso não irá servir para anestesiar as dores
da cara com o encontro do asfalto ou dos paralelepípedos.
Gerenciar com acuidade e esmero as falcatruas, tramóias, trambiques com
os chiliques da estirpe da educação, laia da finesse, raça da diplomacia para
que não seja apanhado na boca da botija de sem-vergonha, cambalacheiro,
ordinário.
Administrar as indiretas, bilhetes aos princípios da honestidade, honra
que ferem as libertinagens, individualices, individualiquices com palavras de
sentidos ambíguos e dúbios para que ao outro seja reservado o direito da
dúvida.
Tirar a "boqueira" dos cães, quando lhes for soltar numa
pessoa, para que eles não só latem a plenos pulmões, mas mordam com os caninos
afiados.
Só abrir a boca quando se tiver razão, pois que a boca aberta desrazoada
é depósito de sapos secos.
Não entregar o coração às mulheres e homens sedentos de aventuras
fáceis, pois que na passagem do tempo, situações e circunstâncias, serão tendas
de angústias, decepções, fracassos; só entregar o coração aos inocentes e
ingênuos, pois que eles não descobrem os interesses que estão em jogo.
Não acender o estopim dos fracos, fracassados, frustrados, pois são
destituídos dos sentimentos de defesa, sobrevivência, serão capazes de clamar,
rogar, esmolar socorro.
Negligenciar a inteligência, subestimar a sensibilidade, denegrir a
percepção e intuição do outro com a exclusivíssima intenção de salvaguardar as
coisas oblíquas, obtusas que habitam nas prefundas da alma, os comportamentos,
gestos, atitudes sem senso que deambulam na mente viperina.
Refutar e recusar a integridade de caráter, sinceridade de
personalidade, seriedade de sentimentos, pois que isto só traz como resultado os
burros no mata-burro, os jegues nos mangues.
Nas conversas de almoço na casa dos amigos, repetir com solenidade o que
os povachos dizem, pois que será aplaudido e reverenciado como uma pessoa de
boa índole.
Não jurar fidelidade, lealdade, primeiro que jurar é pecado, segundo
porque a carne é fraca, terceiro porque a infidelidade, deslealdade garantem
prazeres inusitados.
Não se preocupar com a questão de ir para o céu ou para o inferno; se
for para o inferno não terá tempo de se preocupar, passará a eternidade
cumprimentando os amigos, cúmplices, álibis.
Alfim, o nada acaba quando se acaba o medo da autenticidade, o vazio começa
quando se começam todas as qualidades esdrúxulas.
(**RIO DE JANEIRO**, 24 DE JANEIRO DE 2016)
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