**DE POR TRÁS DAS INTENÇÕES AVERIGUEIS VERACIDADES FARSANTES & FALSIDADES** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Bons dias!
Ouço-vos, caríssimo leitor, dizer nitidamente, as palavras bem
pronunciadas, para não restar dúvidas de suas súcias intenções e projetos:
“Quem diria! Cantava a todos os ventos a falsidade não ter um leito de rosas
lilás no regaço de seus objetivos escusos, projetos súcias e interesses
mesquinhos! Aí está: o próprio título identifica bem as coisas serão olhadas à
luz do falso, da falsidade, da mediocridade latente”. Mas não é isso começar no
inverso para atingir o verso verdadeiro, não aconselho as conclusões
apressadas, os sentidos pré-determinados, e se esse falso não está encoberto
pelo sentido do verdadeiro, não é o verdadeiro que será observado à luz da
falsidade, as entre-linhas exercem uma influência mui grande, seria trocando
lebre por gato, lebre não é um animal caseiro, de estimação, para usar o
vocábulo atualizadíssimo, à luz de todas as presenças da modernidade.
O homem pode viver como quiser, fazer o que bem entender, o que bem lhe
aprouver, o que bem lhe apraz, amar a todas as mulheres ao seu alcance, não há
de se esquecer a condição de a todas satisfazer as ilusões e quimeras, os
caprichos e vaidades, se apelar para outras dimensões que aqui não são
chamadas, nem mesmo nas entrelinhas é possível elucubrar, ou seja, satisfazer
os desejos eróticos de todas elas; enganá-las, ridicularizá-las, e... nem por
isso deixará de ser um indivíduo comme il faut, isso para imitar mediocremente
o mais considerado crítico brasileiro de todos os tempos numa expressão
francesa, aquele toque satírico bem peculiar, vale isso ressaltar e sublinhar
para que possa sentir a intenção ecs-clusiva, desde que se vista à moda, tenha
uma cara suportável, algum emprego ou algum capital herdado, e, um bocadinho de
tino... para não dizer asneiras seguidas.
O que há de falso nisso que vos fizestes, de imediato, com apenas a
leitura do título já dizer que estou andando por vielas escusas, eu quem dizia
não o admitir de modo algum, a hipocrisia não tem um leito de rosas no regaço
de minha alma?! O que está acontecendo mesmo? O que justifica ou explica esta
mudança radical de perspectivas e intenções? Não estou citando outras cositas a
mais, como, por exemplo, alguns cartões de crédito, cheque, celular, um laptop,
não incluirei aqui o carro, vestir-se conforme o figurino da moda atual, meio
clássico, meio moderno, que estará em todas as rodas, será mais um no rebanho
das celebridades. Até não diria que a “cara suportável” seja exigência sine qua
non, enfim é o que se tem que pesa na balança dos valores, lindo de morrer,
feio de correr, o que isso importa, Mefistófeles não dá a mínima, a natureza
tampouco, aliás ela se vangloria por mostrar seus caprichos.
E a mulher? Novamente, ouço-vos a voz nítida, há nela um quê de deboche,
mas isso me apraz sobremodo, sinto-me estesiado e extasiado, assimilo outras
perspectivas dele, e incluídas às que já me são conscientes, será uma pro-dução
sui generis, expressões latinas e francesas são as especialidades aqui
consideradas à sorrelfa dos idílios compactos, dizendo que lá venho eu fazer
comparações entre a mulher e o homem, isto já se tornou lugar-comum, vulgar,
está mesmo démodé, se esqueceis de refletir com as casas dos botões de vossa
camisa, e não com eles enfiados nas casas, que não experimentastes ainda andar
nos meus sapatos, são muito grandes ou muito pequenos para os vossos pés
sublimes e delicados, conhecendo as minhas habilidades e engenhosidades. O
vulgar, se observado a olhos de lince, pode a-nunciar e revelar outras
perspectivas e ângulos, outras verdades, em suma, para não ficar elencando
destrambelhadamente. Sim, são comparações, não vos nego, peço-vos não negar-me
nessa hora vosso calor e vossa atenção, a comparação que trago agora é
poucochito diferente das que já foram consideradas, conhecendo-as, existem
muitas outras.
Ao passo que a mulher, coitada! se quiser amar, há de contentar-se com
um indivíduo, que ela só conhecerá depois de se haver ligado para sempre o seu
destino ao dele; quando, aliás, um marido é como um charuto, que se pode saber
se é bom depois de aceso. As aparências nada valem...
Se é que vós percebeis o que vos estou a dizer acerca disso, aliás
devo-vos salientardes que nem sempre há coelho atrás do mato, vice-versa,
perguntaram ao Freud sobre isso, seu uso constante de charuto cubano, de modo a
insinuar coisas escusas, ligados ao “falo”, e ele respondera que nem sempre as
coisas têm uma razão, o que aqui está em questão é a liberdade de à luz do
lince observar a verdade que se esconde no falso. Creio que já intuístes as
veredas sinuosas em que dou os meus passos, trilho a estrada deste ambíguo
caminho do campo. É a vulgaridade que está em jogo, é o falso que está em jogo.
Isso de dizer que um marido é como um charuto é comparação de livreto de piadas
chinfrins, atrás delas há centenas de milhares de outras até mais
interessantes, causam mais risos e gargalhadas. Habita-lhe gota de
tupiniquinidade.
O homem, caríssimo leitor, sintai que não estou sendo debochado ao
enfatizar o tratamento, dirigindo-me nessa fala a vós, apresenta-se-me sempre
por um prisma falso; é a capa do charuto eu há pouco vos dissestes... Por fora
muito liso, muito cheiroso e com um ar magnífico, um ar de superioridade
ad-jacente, um brilho conspícuo no olhar, um pose de celebridade das mais
delicadas. Quem dirá que tão sedutor charuto não é bom, não é degustável?
Acredito haja alguém que não apenas o diga, sinta e pense desse modo, sedutor
charuto não é bom, mas este tem um parafuso a mais solto no meio de tantos
outros... Entretanto, todavia, contudo, deixemos o “mas” de fora, se vós o
acendeis e insistirdes em fumá-lo, far-vos-á ele uma fenda na língua.
Desdobrai-o! Não seria o mesmo de abrir a Boceta de Pandora? Ulucubremos, para
me lembrar da fala de um amigo por quem sinto um carinho enorme, o “u” no lugar
do “e”, o verbo mesmo é “elucubrar”, mas com a substituição da letra revela
haver coelho atrás do mato. Haveis de achar dentro, ao invés de tabaco,
papelão! Imaginai que eu pudesse encontrar na sociedade um homem de bom-tom,
elegante, de boné à moda francesa, a resposta pronta, a casa irrepreensível e a
luva fresca, e ligasse o meu destino ao dele, a minha vida à dele,
dedica-se-lhe todo o apreço e amizade; mas que, na ocasião íntima de desdobrar
esse belo espírito lhe descobrisse o tal miolo de papelão... Como vós iríeis
sentir?
O que pensastes a respeito do falso, a perspectiva que ele seria
analisado, e em se tratando de estar estabelecendo diferenças entre o homem e a
mulher, compreendi-o desde o início, a comparação estaria em nível do machismo,
do preconceito. O prisma falso não é esse. Seria que houvesse necessidade de o
id-ent-ificar ou tendes inteligência divina que já entendestes e bem, apenas
fingis que não para me aguçar a habilidade com a palavra, mostrar-me sem
aparências e fingimentos.
Lembrai-vos com finesses as mais di-versas que a sociedade é para os
homens medíocres o que o palco é para as atrizes de segunda ordem –
simplesmente um arrebique, ornamento de lhes realçar as graças e emprestar
encanto às que o não possuem... Toda mulher feia, tribufu mesmo, estar à
distância é o mais aconselhável, evita-se um enfarto por tremendo susto, que
souber preparar-se bem, será bela no palco; todo homem vulgar, que souber
repetir de orelha certos conceitos alheios e guardar silêncio quando for
preciso, será nas salas um homem elegante e de bom tom. Para aquelas, mister
pintar os olhos, fazer um sinal na face, não importando se na direita ou
esquerda, passar batom, um perfume francês dos mais agradáveis, sem custar o
olho da cara, arranjar os cabelos; para estes, é necessário um título qualquer,
algum dinheiro, saber vestir-se à moda, conhecer certos prazeres, falar de
óperas, peças de teatro, leitura de autores consagrados.
As aparências nada valem, disse-vos e é chegado o instante de argumentar
sobre o que ouvira eu logo de imediato lestes o título, não era de minha índole
escorregar para a vulgaridade, para o falso, para a falsidade, já que não posso
vencer o inimigo alio-me a ele.
Ontem, saíra à tardinha, início da noite para espairecer um pouco as
idéias, entrar e sair de ruas sem rumo e destino, tendo-me encontrado com o
velho de Dezêncio de Noventa e Dois, cognome nascido devido ao fato de em
dezembro de 92 inúmeras coisas lhe aconteceram, sempre tem uma coisa a contar
sobre este mês à mesa do botequim, decidindo-me tomar uma cerveja, quando me
contou o que houvera lhe acontecido, estava mesmo estupidificado. Pode até
parecer ser criação, invenção dele, não é possível tantas e inúmeras coisas
acontecerem em trinta e um dias, mas é a pura verdade, aconteceram sim, só que
ele dá-lhes novos tons e novas perspectivas, engraçadas ou sérias.
Seu filho mais novo estava dentro do carro, quando avistou duas
prostitutas na calçada, vestiam-se insinuantes, maquiagem de salão
especializado. Quis logo saber que eram aquelas mulheres. Sentiu-se bem embaraçado,
como iria responder à pergunta do filho, sem mostrar que eram vadias. Não
interessava, fora o que dissera ao filho. Mostrou-lhe a loja... Perguntou se já
tinha visto os lindos brinquedos que tinha, aliás, sendo quase véspera de
Natal, poderia perfeitamente escolher o seu presente, mandasse até reservar,
com certeza seria adquirido. Já havia visto, até já tinha escolhido. Estava
interessado em saber quem eram as senhoras e o que estavam fazendo ali. Sem
mesmo perceber o que estava dizendo, é mesmo aquilo de dizerem que a ocasião
faz o ladrão, dissera que aquelas senhoras eram vendedoras. Para quê? Vendiam o
quê fora de imediato perguntado, com toda a curiosidade de saber. Vendiam
prazer. Passou a olhar através do vidro, distante, pensava e refletia sobre o
que ele dissera ao filho e, quando chega a casa, abre a sua carteira com a
intenção de ir comprar um pouco de prazer. Estava com sorte! Podia comprar 50
reais de prazer!
Após as aulas, foi ver a prostituta, perguntando-lhe se lhe podia vender
50 reais de prazer. Não dissera apenas naquele sentido do favor, estava a lhe
implorar e rogar que não lhe negasse a ocasião. A mulher, pensava ele, ficara
admirada e por momentos não sabendo o que dizer para uma criança de apenas nove
anos, mas como a vida estava mesmo difícil, o mar não estava para peixes, levou
o garoto para casa dela e preparou-lhe seis pequenas tortas de morangos.
O garoto chegara tarde em casa. Deixou todos preocupados, sem saber para
onde teria ido, inclusive a mãe ligara para a casa de alguns colegas, em cujas
casas ele poderia estar, mas os colegas não tinham a menor noção, até
desconfiara de seus modos, terminando as aulas, saiu às pressas, sem se
despedir de ninguém.
Não iria armar o barraco, rodar a baiana com o filho, suficiente perguntar-lhe
onde é que estava, o que estava fazendo para haver demorado tanto a chegar a
casa, depois da aula. Tinha o filho esta vantagem, não mentia, mesmo sabendo
que poderia ser recriminado. Respondera-lhe que fora ver uma daquelas senhoras
que viram no dia anterior, 05 de dezembro de 1992. Qual fora a sua reação?
Perdera a cor natural, ficara branco. Era diálogo. Perguntara o que se passou
com a compra do prazer?
Não podia eu imaginar, não, estava fora de meu alcance, nem noção bem
distante teria do que o filho lhe dissera. Contando, todos podiam desconfiar
dele, era invenção, era fertilidade de sua imaginação. Iria dizer, contudo.
Acreditasse ou não, tinha consciência plena e absoluta de que era verdade,
acontecera de fato, a mulher era testemunha.
Dissera ao pai que com as quatro primeiras não tivera a mínima
dificuldade; quinto levou quase uma hora e o sexto foi com muito sacrifício,
teve quase que empurrar com o dedo, mas comeu mesmo assim. Ao final, estava
todo lambuzado, derramou creme por todo o chão e a senhora lhe convidou para
voltar no outro dia. Não me espantasse com a outra pergunta que o filho lhe
fizera. Com essa ele não teve alternativa caiu duro. Perguntou-lhe o filho se
podia retornar no outro dia para comprar mais prazeres?
Ristes! A criança não lhe dissera que elas fizeram tortas de morango
para ele, a interpretação escusa fora dele. Não me sentira nem um pouco
admirado ou estupidificado com a resposta. O que me deixara mesmo de olhos
esbugalhados foram as reações de Dezêncio de Noventa e Dois. Contar-me a
história fê-lo desabar fundo num inferno de desejo vivo, ou alçar-se para o
nirvana de um inconscientismo de loucura; mas aqui e ali, no vermelho ardor da
extrema excitação sensual, ou no opalino vácuo do alheamento produzido pela fadiga
da insônia, lá estava as duas implacáveis palavras de fogo, a saltar num
frenesi macabro, a cuspir-lhe na pólvora do sangue faíscas de luxúria.
(**RIO DE JANEIRO**, 15 DE JANEIRO DE 2017)
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