**DA SUBJETIVIDADE RELUZ A TRIDIMENSIONALIDADE DA NÃO-EXISTÊNCIA** - TÍTULO E PINTURA: GRAÇA FONTIS/AFORISMO: Manoel Ferreira Neto
Nada digo, digo nada. Se algo disser, digo simplesmente
"algo". Nada escrevo, escrevo nada. Se algo escrever, apenas escrevo
"garatujo". Nada olho, olho nada. Se olhar o nada de frente, o nada
irá olhar-me de cima para baixo, de lado, ao redor de mim. Nada vejo, vejo
nada. Nada desejo, desejo nada. Nada observo, observo nada. Nada crio, crio
nada? Nada recrio, re-crio nada?... Nada
con-templo, con-templo o nada. Não ouço, ouço nada. Nada sinto, sinto nada.
Invisíveis de cognoscíveis dimensões a-lumbradas... Todos os olhos
esperançosos dirigem-se para as águas em diamantes de luz, e a seu tempo pingos
de louvor e glória tocarão os vidros das janelas abertas às serras e montanhas,
as ondas do mar tocando as docas, banhando as soleiras do corcovado, a luz
brilhará na imensidão dos lares e dos interiores, em harmonia com a natureza
particular de cada criatura, entendendo o ininteligível encanto e esplendor dos
sonhos que são amados, dos companheiros que são amados à busca do eterno. Em
uníssono, todos dizendo a plenos pulmões: “O que importa mesmo é viver – não
nos importa entender as coisas, os homens, o mundo”.
Nada de nada. Nada de verbos. Nada de inspiração. Nada de ilusões,
quimeras, fantasias. Nada de melancolias, saudades, vazias. Nada de angústias,
tristezas, náuseas, Nada de passado, presente, futuro. Nada de desejos,
vontades, esperanças, sonhos. Nada de palavras, semânticas, linguísticas. Nada
de sátiras, crônicas, comédias. Nada de alvorecer, crepúsculo, entardecer...
Ò míseros compassos e traços de um instante sem fim e início, filhos do
acaso e da preguiça, do ocaso e da maledicência, por que nos obrigam a dizer o
que não seria nem um pouco conveniente? - se houver conveniência é o aprender a
tocar qualquer instrumento, quem sabe, uma harpa de dez cordas, amar
apaixonadamente estes ritmos de qualidade e belo estilo, dizer o que não seria,
em suma, bom ouvirem.
E me perguntam como sei tanto do nada, admirado quem quis isto saber.
Nada sei do nada. Nada sei de nada. O nada aqui na madrugada. Nada de utopias,
ideais, projetos. Nada... Nada no peito, nada na alma, nada no espírito. Nada
com invisíveis relâmpagos me atinge, vem, vem, amada verdade do nada. Nada de
absoluto, nada de eterno. Nada de in-finito, uni-verso, horizonte.
Em verdade, só o vazio pode acolher o múltiplo. Sabemos bem que não
seremos alguém – devemo-nos tudo, a começar pelo vazio que em nós cavamos e, ao
redor, como o jogador desafortunado, quem espalha as cartas sobre a mesa, com
as costas da mão, sente súbito a brisa e o vento suave - em nível do mar, em
clima equatorial, os dedos se emburguesam e o espírito se achincalha. Ouvimos
também o canto ausente. É feito de um silêncio cortado de gritos. Dentro da
lareira do silêncio, em semente ardente: a fumaça do cigarro tem sido de nossa
esperança..., a nicotina, de nosso fôlego e impulso, incentivo...
De nada Deus lhe pague. De nada Deus o abençoe, proteja nas sendas e
veredas de nada. De nada Deus lhe inspire para debulhar as contas do terço,
rogando o nada como único pertence para seguir as trilhas sem margens, sem
extensão, sem poeiras metafísicas, sem psicanálise metafísica do inferno, sem
inferno psicanalítico da metafísica, sem metafísica infer-nísica da
psicanálise. De nada Deus o ilumine para versejar, versificar a meiga
insolência da morte, sagrado coração do nada, as meiguices insolentes do
inferno nas chamas do caldeirão. De nada Deus o santifique para escrever os
dogmas e preceitos da bíblia cristã, da bíblia pagã, da bíblia erudita da
re-versa e in-versa palavra proscrita e herege.
Será que a pessoa quem num comentário perguntou-me como sei tanto do
nada faria esta mesma pergunta? Questionaria com critério e categoria: como
pode nada saber do nada? Responder-lhe-ia: "Nada sou e, sendo nada, nada
posso saber do nada" Nada de verdade, in-verdade, mentira. Nada de pés na
estrada rumo ao in-finitivo do verbo nada, com aquele sentimento de nada que
ele se tornará a etern-idade, a vida eterna. Nada de risos, sorrisos no tempo
de Zagaia, nada de galhofas, ironias, sarcasmos, cinismos com o tempo do Onça
que se esplende a todos os nadas, esperando encontrar o templo do nada
absoluto.
E se nada você entendeu, compreendeu, tente sentir profundamente o
Zagaia no tempo do nada senão fique curtindo o vazio do nada. Nada de vazio,
nada de vácuo, nada de abismo.
O silêncio canta para nós; contudo, apenas ouvimos a sua voz sublime,
melodiosa, todas as suas dimensões sensíveis encontram-se nela, e são elas que
nos deixam sensibilizados. Em presença deste canto, não apenas esplendoroso e
belo, mas divino e lírico, deveríamos nós começar a dançar, procurando alcançar
os movimentos mais perfeitos, unindo-nos a ele, tornando-nos um só. Seria sim a
atitude devida com o canto do silêncio, só nós o ouvimos, indicar-nos-á os
passos a serem dados, a arte dos movimentos em consonância com a beleza, com o
desejo do belo.
Às vezes, como se é sabido, há coisas que só um homem escolhe bem, só
ele sabe os sonhos de beleza, a sua sede de contemplação, os seus ideais mais
íntimos. Em presença deste canto lírico, tendo-o já dito, deveríamos começar de
dançar, e de olhos fechados buscar que ele nos tome por inteiro, e assim com a
dança transcender a atmosfera deste mundo, mas preferimos estar sentado na
cadeira de sofá apenas ouvindo, deixando-o livre e espontâneo, deixando-o
tomar-nos as emoções e sentimentos todos. Onde acharíamos nós iguais horas?
(**RIO DE JANEIRO**, 01 DE JANEIRO DE 2017)
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