A SINCRONIZAÇÃO AMBÍGUA PALAVRA/VIDA NO SOCIOCULTURAL CARACTERIZA SER/CONHECIMENTO** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/CONTO: Manoel Ferreira Neto
Luzes...
Vida... Sin-estesias...
Palavras...
Verbos... Semânticas...
O
gatinho esperava-me à soleira da porta, pedaço de carne, resto de comida do
almoço, bolachinha, quando abrisse a porta. "Nadinha para você agora,
gatinho. Quem sabe, amanhã?!" A palavra "amanhã" ressoou no
ouvido em consonância com "Desde quando gato tem noção de dimensões do
tempo, ontem, hoje, amanhã?!" Tranquei a porta a cadeado. Desci a rampa
pensando nisto. Segui o itinerário rumo ao Restaurante do Robson - fica sempre
aberto até as quatro e meia da manhã -, tomaria uma cerveja, ficaria ouvindo
músicas.
Pela
manhã, depois do almoço, espera-me sentadinho à soleira da porta, dou-lhe resto
de comida, alimenta-se, vai embora, só no outro dia. Não retorna à noite. Dá
pena ver um animal com fome.
A
palavra... Porque emiti o termo "amanhã", dirigindo-me ao Quinzinho -
nome que dei a este gatinho de rua - surpreendi-me por nada ele saber do tempo,
não sabe da vida, está no mundo, frequenta a terra, tão pouco que vai morrer,
por velhice, maldade humana, por alguma doença, outro gato não estará ao seu
lado assistindo ao seu des-enlace.
Mas a
fome humana não é apenas de alimentos, garantir-lhe a saúde, a sobrevivência.
Há a fome de conhecimento, garantir os horizontes da vida, orientar os caminhos
para a realização dos sonhos, harmonia, sin-cronia e sin-tonia entre o vivido e
o sentido. O que alimenta esta fome é a palavra, come-se palavras nos livros,
na digestão outras dimensões da vida se revelam, e elas abrem as memórias,
afloram o que há de mais inconsciente, tornam-se verbos, tornam-se luzes,
espiritualizam, evangelizam, levam à sabedoria. Palavras matam a fome de
conhecimento, mas não esclarecem mistérios, enigmas. No interdito delas, estão
latentes, só in-vestigar-lhes com percuciência, comer-lhes com os olhos. Não se
lhes solucionam, mas se lhes tornam manifestas, conscientes.
Irrita-me
quando presencio pais chamando a atenção de filhos por comerem lendo:
"Hora de comer é hora de comer. Hora de ler é hora de ler. Comida é
sagrada". E a palavra não é sagrada? Não o fosse, não existiria a Bíblia.
São pais sem quaisquer sensos das coisas. Ademais, comer e ler, alimenta-se o
corpo, alimenta-se a alma em uníssono.
Felizmente,
não vivi esta situação na vida, minha mãe não falou no meu ouvido por comer e
ler. Se não lesse na hora da comida: "Cadê o livro, meu filho?" Isto
desde a infância, fazia as tarefas de casa comendo. Hoje, se não leio e como,
escrevo e como, vice-versa, não me sinto.
Palavras...
Verbo... Vida...
Vida
sem palavras, trevas, sombras, brumas, puro e perfeito abismo. Palavras sem
vida, ausência completa de conhecimento do ser, da ec-sistência do
trans-cendente.
Agregados
à família, cunhados, a grande maioria sem quaisquer esclarecimentos de alguns
valores, em relação à cultura sem quaisquer, o importante é o material, já
tiveram a pachorra de perguntar o para quê tantos livros, não os levarei para a
sepultura, vendesse-os para um "sebo de livros", receberia uma
quantia razoável. Respondi: "E por que não vende seu guarda-roupa para um
"brechó"?" Está entupigaitado de roupas. Pura aparência
social!". Pleno silêncio à mesa de almoço.
O
interessante é que nesta noite, após o almoço, ficara a indagar, questionar o
que esta família significa para mim, se tem alguma importância. Chegara à
conclusão de que nada é. E, quando dormi, sonhei que estava indo em direção ao
subterrâneo, estive afastado, olhando, e desapareceram. Acordei sentindo-me
feliz, felicidade sem precedentes. Veio-me à mente frase sui generis que
ex-mulher dissera: "Quando você se separar da família, ser-lhe
indiferente, não sabendo se realmente existe, será muito feliz." Para tudo
na vida, há o tempo devido.
(**RIO
DE JANEIRO**, 18 DE JANEIRO DE 2017)
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