**DEFENSOR DEAMBULA NAS CONTINGÊNCIAS BIZARRAS DO TRAÍDO E TRAIDOR** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Responder-vos-ei: há um sentimento de paz num chifre que nos é posto;
felizmente, não foi o que houve comigo, jamais passei por esta trágica
situação, e tenho consciência de que não me acontecerá, mas posso sentir a dor
que seja uma situação neste nível, conheci alguns homens chifrudos.
Se à guisa de comentário de íntimos assuntos aleatórios, dever-me-ia
apresentar, identificar, se assim preferirem, visto haverem pessoas quem jamais
souberam notícias minhas mais magro ou maior gordo. Se assim o é, em primeira
instância, digo que por toda a vida sou depositário de uma dúvida assaz: não
sei se nasci ou se fui nascido. Dizem uns que nasci, dentre eles o médico que
atendeu a minha mãe na hora do parto. Outros dizem que fui nascido, inclusive o
psicólogo que a assistiu por três meses, após o parto. Tornei-me na juventude
advogado, especializando-me em "divórcio" litigioso de mulheres,
adultério. Sempre deixei o adúltero sem quaisquer direitos, e tudo dele
passando a pertencer à mulher.
Minha esposa, exímia professora de português, aposentada, pegava bico de
revisões em processos. Encontrou um trabalho de revisão de um livro de história
sobre atividade da pesca em Lavrinhas. Minha esposa por vezes saía de casa às
sete da manhã e só retornava às duas e meia da manhã, envolvida pela revisão, o
historiador era muito exigente. Passado o tempo, quatro meses de revisões
assíduas, andaram dizendo que estava sendo traído. Entrei na Justiça contra
ela. Foi provado não ter havido qualquer traição, e ela teve de passar muitos de
seus bens para mim, compartilhamos nossas coisinhas juntos. Sentimento de
traição corrói as bordas e as adjacências do pudor e da estultice.
Sei o que digo. Não se sofre silenciosamente, não se sofre em silêncio,
neste caso, é preciso ferir com chifres quem é o responsável por sua
existência. Geme-se a dor de escolher o nada simplesmente porque os outros vão
sempre ver realizados estes chifres.
Esse gemidos revelam e mostram a volúpia que é sofrer com um par de
chifres bem dos lados da cabeça, não há quem possa dizer serem frutos de
preconceitos, discriminações de uma sociedade moralista, ideológica, machista.
Se os chifres não causassem nos homens um certo prazer, um gozo, um clímax,
eles com certeza largariam mão de reclamar deles e sair dando chifradas em que
é o responsável pela existência deles.
É uma imagem excelente, senhores. Vou desenvolve-la. Mesmo que esteja me
condenando à insatisfação, ao ódio, ao desprezo de todos, primeiro por estar
acusando, difamando, uma atitude antiética sem limites, falta de princípios e
valores; segundo, abrindo possibilidades para comentários escusos e imbecis, de
estar me referindo a estes ou aqueles homens, estou-lhes expondo na vitrine dos
estabelecimentos comerciais.
Os gemidos, que exprimem os homens engalhados, manifestam e revelam,
primeiramente, a consciência sobremaneira humilhante da perfeita inutilidade de
vossos sentimentos, vossas lembranças queridas e amadas de muitos momentos,
vossas dores, sofrimentos, desejos, vossa honra e vossa dignidade, vossa sensibilidade
do ponto de vista individual, social, comunitário, da espiritualidade, da
natureza, sobre os quais raspais bem a garganta, escarrando, obviamente, mas
que vos faz sofrer, agonizar, permanecendo desinteressados e impassíveis.
Significam também que vós compreendeis bem que o inimigo existe – ele é
o responsável por conhecer os verdadeiros amigos -, ele é a adúltera da esposa,
que a vossa dor está aí, e com todos os Freuds, sois os escravos de vossas
dores. Quando calhar, quando for de bom senso e tom, vossas dores irão cessar
de atormentar, o tempo ajudar a cicatrizar as feridas; mas se foi decidido de
outro modo, o aceitar e admitir que aconteceu no passado, se foi real ou não
foi, se há algo de real ou não há, se houve amor ou se não houve, ainda far-vos-ão
(nossa!... Pode ser que esta construção gramatical esteja errada: que palavra
horrorosa!... Meu Deus!... Como se estivesse levando uma machadada na cabeça)
sofrer durante um bom tempo.
Quem está interessado em viver isso na carne e nos ossos? Se houver,
encerro estas palavras com todo o prazer do mundo, consegui de maneira muito
simples atingir os objetivos a que me propus.
E, se vós recusais e renunciais a vos submeter e gritais impropérios
apesar de tudo, não resta alternativa de vos consolardes, é o que está sendo
desejado e buscado, senão a de vos chifrardes, e também chifrardes a parede,
juntamente com os punhos fechados, esmurrando o que se vos apresenta pela
frente.
Pois bem, senhores!... Pensais, então, que não conheço bem a reação de
cada um de vós diante dessas palavras, os impropérios de toda ordem que me são
dirigidos, o que irá acontecer daqui para frente comigo? Ingênuos e inocentes
que sois, senhores!... Sou, para vós, com toda a razão do mundo, não vos lha
tirarei, viperino, um homem sem princípios, sem moral, sem ética.
São justamente estas chifradas e murros, essas ofensas sangrentas, essas
picuinhas e mazelas, que se permite a não se sabe quem, não se sabe em que
circunstâncias, são elas que despertam e suscitam esta sensação de prazer, que
atinge por vezes o vosso engalhamento pela mulher, esta volúpia.
Digo-vos, senhores, sei lá o que vos digo, contemplai bem uma vez os
gemidos de um homem culto, um intelectual do inicio do século XXI que sofre há
quatro anos de um engalhamento, quando ele se põe a gemer de modo diferente do
primeiro dia, de outro modo diferente do segundo dia, de outro modo diferente
do terceiro dia..., isto é, não unicamente porque carrega os chifres na cabeça,
não como um grosseiro caipira, mas um ser instruído, espiritualizado, que se
entregou à contemplação, ao desejo de satisfazer sua necessidade de
conhecimento, como homem quem busca a harmonia, a sin-cronia, sinfonia com
todas as coisas, para usar uma linguagem estética.
Seus gemidos se fazem maus, irados, raivosos, sem limites e
conseqüências. Seus gemidos não cessam jamais, nem de dia nem de noite, por
todo o decurso e percurso da caminhada, serão ouvidos por todos os séculos e
milênios. Ele mesmo, senhores, reconhece e assume, mui bien, que não lhe são úteis,
de nenhuma utilidade.
Sabe que o público e a família diante dos quais esbraveja, debatendo-se
com todas as armas que possui, não experimentam mais que decepção com suas
reclamações, queixumes, não mais crêem nelas, e compreendem que quem poderia
gemer de outro modo, num estilo mais sofisticado, mais humano e espiritual,
simplesmente porque para viver com intensidade é necessário ter um Eu, mais
simplesmente, senhores, sem todos os mugidos, sem todos os relinchos, urros,
palavrões, pancadaria, até morte, dependendo da pedra, do muro, da muralha que
é o outro, sem todas essas atitudes, e que ele exagera por egocentrismo,
egoísmo, necessidade de todas as luzes da ribalta refletirem na cabeça
engalhada, necessidade de mostrar ser ele um homem do início do século XXI.
Pois bem! É justamente esta consciência de que o instante de crise
existir sempre, não adiantando os panos quentes que se puder colocar em cima,
os véus que se colocar no rosto para cobri-la; o importante é como se
transporta esse chifrudo do início do século XXI nessa crise em que jaz a
volúpia, de que vos falo.
Ah, ah, ah!… Eu vos mostro quem não sou, e não o seria, mesmo que os
inefáveis mistérios da criação houvessem sido descobertos. Desoriento-vos,
enfio-vos uma terceira lâmina no ventre, impeço-vos, e toda famílias, de dormir
em todo o lar, ouvir-se-á gemidos vindos de todos os cantos da casa, sabendo
até quem está gemendo e de que está gemendo! Tanto melhor! Não durmais então!
Convencei-vos de que tenho um par de chifres na cabeça.
Não sou mais para vós um homem que tenha satisfeito a mulher em todos os
momentos, mesmo por safadice não há quem não busque a relação com outrem por
buscar, no fundo busca algo que ainda não realizou.
Ninguém admite isso. Não seria de bom senso e tom discutirdes um pouco a
respeito?!...
(**RIO DE JANEIRO**, 07 DE JANEIRO DE 2017)
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