**PORQUANTO DONS E DISCERNIMENTOS NOS CAPACITAM A QUESTIONAMENTOS E ENTENDIMENTOS** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Que res-postas trago nas mãos feitas conchas? Trago nelas
questionamentos, indagações, perguntas. Deixo-lhes seguirem livres. Se amanhã,
por alguma eventualidade ou milagre da con-tingência, surge-me uma resposta
inconteste! Seria segurá-la pelo rabo, deixá-la arrastar-me pela vida? Odeio
res-postas insofismáveis.
Grande cousa é haver recebido do céu uma partícula de sabedoria, o dom
de achar a relação das cousas, a faculdade de as comparar e o talento de
concluir. Tive esta distinção psíquica; agradeço-a ainda agora do fundo de
minha caverna.
Nada me disseram. Atitude ingrata por parte de todos. Talvez se me
houvessem dito, não acreditaria, guardaria ressentimentos, raivas e ódios.
Tinha eu mesmo de descobrir, conscientizar-me. Todos me tratavam com finesses,
carinhos, ternuras, amizade. Era o deus, deus dignificado. Enquanto me
endeusavam, divinizavam-me, endeusava e divinizava eu o pastor. Tecia-lhe todos
os méritos e honras, tecia-lhe com palavras fresquinhas os dons e os méritos,
era-lhe capacho em todos os níveis.
Decidira ele uma construção faraônica: a construção de um galo de bronze
no poleiro dentro de um círculo no topo do templo, similar ao que abriga o sino
nas igrejas católicas. Onde há galo aparece milho, e, metaforicamente, isto
significava que fiéis e mais fiéis iriam se juntar ao rebanho, dinheiro e mais
dinheiro iriam colher de todos eles. Isto para mim tinha egrégios valores, o
pastor era de uma inteligência sem limites, quase um gênio juramentado. Onde
houvesse um grupo de pessoas estava lá de prontidão para tecer as minhas
considerações meritórias, persuadir e convencer a abandonarem a Igreja
Católica. E nunca deixava de citar o fato de na minha cidade-natal havia uma
padaria cuja razão social era Padaria do Galo, na Zona Meretrícia, centro da
cidade, habitat das prostitutas. Havia o galo dentro de um círculo no topo do
pequeno prédio. Esta padaria saciava a fome matutina de todas as famílias que
residiam nas imediações. Verdade é que após esta faraônica construção, o número
de fiéis aumentou consideravelmente, as doações financeiras multiplicaram-se.
Há-de esclarecer algo. Em verdade, a meia-noite é tradicionalizada como
a hora que o capeta e seus capetinhas, almas penadas saem do inferno para
azucrinar a vida dos humanos. Todos são acometidos dos mais estranhos,
esquisitos, inusitados medos. Mas é apenas uma tradição. Às três horas da manhã
é que isso acontece. A hora que Jesus morreu na cruz foi três horas da tarde.
Os demônios saem as três horas da manhã. E é justamente neste horário que o
galo começa a cantar, prosseguindo até o alvorecer.
Frente ao Templo do Galo, como fora denominado e sacralizado após a
construção, havia uma igreja católica. O pároco, Padre Manuel Borba, português
de origem, estava com as pulgas atrás da orelha, por os fiéis estarem se
tornando adeptos do templo. Escondia-se e investigava todos os fiéis que lá
entravam. Numa determinada cerimônia, na hora do Sermão, aproveitou para lavar
a alma de todos devido às escolhas. E todos saíram da igreja de orelhas arreadas.
Contaram-me tudo o que havia dito neste Sermão.
Procurei o padre no seu escritório para uma conversa séria sobre o
Templo do Galo. Prestasse eu bem atenção, disse-me ele-: "Nos templos,
falam-se mais do Demônio do que de Cristo. Os pastores não leem o Livro Sagrado
à luz de Cristo e sim do Demônio. Não tem quaisquer noções exegéticas bíblicas,
saltitam com suas interpretações equivocadas, e as ovelhas seguem-lhes
inocentes. Os fiéis comem carne de lobo como carne de lebre. O Galo é o símbolo
do Demônio."
Saindo do escritório do Padre Manuel Borba, indo ao Templo do Galo com a
intenção exclusivíssima de re-colher um vaso de samambaia que havia doado logo
que me decidi ser templório e templado, dei-me chibatadas, muitas chibatadas
por despautério e despique tão grandes, inestimáveis. Os meus encômios ao
pastor, ser-lhe capacho em tudo, significavam que estava eu levando as pessoas
para o inferno, tirando-lhes a luz, metendo-lhes nas trevas sem dó nem piedade.
Mesmo que no inferno não haja fogo, não haja chamas, não haja caldeirão, mas é
o inferno, lugar de purgação de todos os pecados, arbitrariedades, gratuidades.
Não tenho religião, todas as formas de religiões me dão urticária, náusea e
nojo. O que justificava isto de ser templório e templado? E a caminho, lembrou-me
cidade do interior onde no passado a Zona Meretrícia era de frente à catedral
de Santo Antônio, terminada a missa, os homens iam se divertir lá.
Dois ou três meses depois de minha saída do Templo do Galo, Padre Manuel
Borba conseguiu acabar com ele. E como era amicíssimo do Prefeito, ex-padre,
conseguiu dele que proibisse qualquer templo, fosse de galo, de cobra, de
ovelha, no centro da cidade, só permitidos na periferia. Na eleição que se
seguiu, o prefeito teve mais de 30.000 votos à frente de seu rival, também
pastor, e na Câmara os crentes, evangélicos que se candidataram perderam até o
rumo de casa.
Se é algo que hoje preenche-me os vazios, carências, são as ausências de
res-postas, a vida ao léu do que há-de ser. Conversando com um amigo, disse-me
hoje julga-me um perfeito imbecil: deixei de pensar que a etern-idade seja a
realização dos sonhos e esperanças, a etern-idade pode ser a ausência de
qualquer ínfima res-posta sobre a vida, acumular na alma só perguntas, e seguir
em frente, cabeça erguida. Só lhe disse não tinha res-posta a lhe dar sobre
percuciente afirmação, dando-lhe um piparote na face esquerda. A etern-idade
não é o contrário da efemeridade, e esta não é o oposto da etern-idade. Quem é
eterno? Quem é efêmero? Quem teria resposta para estes questionamentos? Só os
ignorantes e os adeptos, vassalos, asseclas do Templo do Galo a tem viçosa e
verdejante.
Ausências, faltas, falhas satisfazem-me, são as minhas companheiras.
(**RIO DE JANEIRO**, 15 DE JANEIRO DE 2017)
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