**NO DIÁLOGO SUBJETIVISTA A PROPORCIONALIDADE E LIMITES DO AUTO-CONHECIMENTO/CULTURAL** TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/CRÔNICA: Manoel Ferreira Neto (Escrito e revisado em 23.06.2004)
Manhã!...
Não é o início de um novo dia que, ao longo dos segundos, vai se amadurecendo,
adquiro novas experiências e aprendo a sonhar um poucochinho mais, até que vem
a noite.
Debruço-me
à janela de minha residência, pondo-me a observar os transeuntes, imaginando eu
o que dentro em si trazem, seus problemas e fantasias, quais os sentimentos e
emoções, o que esperam da vida e o que fazem para a realizar. Desejando
conhece-los de modo e estilo profundo, saber-lhes o desejo mais íntimo.
Apanho
um livro na pequena estante ao lado da janela, através de que as pessoas, que
passam e olham, estão sempre abertas, sentando-me a uma cadeira, iniciando a
leitura que é interrompida por vezes para mergulhar nas idéias e pensamentos do
autor, o que a história tem a me ensinar, os caminhos que me indicam para a
superação de algumas dores.
Até ao
término da adolescência, não sabendo indicar a época em que acontecera, de
acordo com a memória aos vinte e sete, vinte e oito anos, acreditava que era
possível ser diferente de todos os homens, em mim não habitava problemas,
dores, sofrimentos, alegrias e felicidades, podia superar tudo isso. Acho que
isto é comum na adolescência, quando os sonhos são pujantes, transcendendo
tanto que não existem dores ou sofrimentos, nada, um homem diferente.
Sento-me
frente ao aparelho televisor, assistindo às mediocridades e mesquinharias dos
programas, nada de sério, de um ensinamento que possa modificar os caminhos do
destino.
À hora
de deitar, vou até à geladeira, pondo leite frio no copo, ajuda-me a dormir
mais profundamente, esquecendo-me de que a manhã é o início do dia, passam as
horas, vem a tarde, chega a noite, armazenei experiências, vivências, algumas
dores intensificaram-se e outras diminuíram. Durmo. Por vezes, sonho; por
outras não.
Há-de
se crer levanto hoje com alguma nostalgia, melancolia, não sendo possível
identificar, ao longo do dia talvez possa, e, se o fizer, será um outro degrau
subido nesta escada, nessa busca de vencer as dificuldades, e, se não, mais uma
comprovação de que há limites no conhecimento de mim, não posso saber tudo que
me habita o íntimo, só Deus sabendo.
Estou
deprimido. Re-criei o adágio de modo tão pujante que não me fora possível
evitar as tristezas, fracassos, frustrações. Re-criara: “Alguma coisa de podre
há no reino da Dinamarca”. De imediato, olhei ao redor, trouxe à superfície
algumas das piores mazelas e achaques da sociedade, dos indivíduos e cidadãos,
hão havendo como não admitir não ser apenas uma coisa podre, mas milhares
delas.
Pudesse,
adquiriria uma choupana num lugar bem afastado da cidade!... Não diria que não
mais poria os pés nas ruas, isolar-me-ia por completo. Voltaria para rever
algumas pessoas por quem alimento amizade e apreço, pondo-nos a conversar
alegres e felizes, situações esquisitas e estranhas que vivemos, ridículos que
observamos na vida diária, os nossos desejos de tudo modificar, a vida ser bem
diferente. Tomaríamos alguns aperitivos, durante o nosso dedo de prosa, para
regar as nossas idéias e pensamentos. No outro dia, longe delas, percebemos que
houve diferenças em nossas emoções e sentimentos.
Não
digo que tenha levantado a sentir-me melancólico, nostálgico, a recriação do
adágio fizera-me olhar para as coisas que me circundam a todo tempo,
conscientizando-me de que existe muito mais de podre no reino dessa cidade, se
a imaginação for em demasia fértil sente-se o odor mais fétido que as ruas de
Paris no século XVIII – a cidade inteira fedia, a história fedia, para resumir
o elenco das coisas que lá fediam, o mundo inteiro sentiu a catinga de Paris.
Levantei
imbuído de cinismo e sarcasmo, e não com as coisas do mundo e dos cidadãos,
mendigos, personalidades, intelectuais, mas comigo próprio. Se mergulhar de
verdade no íntimo, não suportarei a catinga de tantas coisas que me habitam,
tendo de voltar à superfície com medo do ridículo: dizer que levantei
transformado na antiga Paris do século XVIII, tornei-me maior que ela, superei
a sua catinga, tornei-me mais importante.
Para
passar o dia nada melhor que ironizar as mazelas, achaques e pitis,
ridicularizar os problemas e sofrimentos, fazer-me sentir superior à raça
humana que conhecimento algum tem disso, se intui e percebe não interessa, há o
que compensa as dores, há o que preenche o vazio da alma.
Desde
o início, sentando-me à mesa de café, fazendo o desjejum, quando comecei a
pensar essas coisas, que, aliás, habitam-me desde tempos imemoriais, até agora
suscitei inúmeras possibilidades dos sentimentos e humores com que levantei,
lembrando-me da quimera de que poderia tornar-me perfeito, apesar de que isso
de ouvir a todo instante que a perfeição não existe, no mínimo minutos e
segundos perfeitos influi no processo, na continuidade da vida e das lutas.
Não
descobri o que me habita em verdade, o que me chama a atenção, exigindo
cuidado, apreço e carinho com o que em mim trago, conservando e evitando de se
afastarem, distanciarem, perderem-se, e o que de mais precioso havia não
poderei usufruir.
Terminando
o café da manhã, levantando-me da mesa, gostaria de ter alguma resposta para os
meus estados espirituais, da alma. Podendo dizer a todos os sibilos de ventos
de entre as pedras da serra que sou quem sou, sou aquele que é. Está aí algo de
interessante nessa manhã: amanheci com o desejo vivo e pujante de ser Deus, o
que é um sonho, uma utopia. Quem disse não posso aproximar de Sua perfeição?
Não
flor nem fera... Levantei hoje consciente de que a fé habita em mim, não só
ela, inclui-se a esperança, de que as posso conhecer profundamente e tudo o que
fede dentro de mim poderá ser modificado, tornando-se um odor agradável, um
verdadeiro perfume, a ponto e natureza de alguns homens terem a empáfia de
pedir para que me cheirem dentro.
À
noite de ontem, ouvi uma fala de alguém num programa religioso da televisão.
Dizia que a fé apenas significa algo: significa o dom gratuito de Deus. A fé
com conhecimento significa a redenção dos sofrimentos e dores, estarmos a
caminhos em direção ao que nos é vocacionado, aos mistérios que ensombrecem as
coisas da existência.
(**RIO
DE JANEIRO**, 17 DE JANEIRO DE 2017)
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