**VERBALIZAÇÃO REFLEXIVA REFUTA VERDADES ABSOLUTAS FRENTE A NOVAS PERSPECTIVAS E HORIZONTES** - TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis/SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto
Um dos mais verdadeiros e inestimáveis aforismos que me fora dado
conhecer, conheço, para mim sendo de valor absoluto - de valor egrégio seria
mais adequado para a minha capachidade da erudição -, mais que toda a filosofia
hegeliana, e não é do filósofo Nietzsche, a minha ad-miração por ele já é
conhecida, alguns céticos e niilistas da modernidade já me contestam, para eles
sou um capacho das idéias nietzschianas, e sim de Buffon, devendo confessar com
a mão direita sobre o Livro Sagrado, que jamais li única obra sua, nem mesmo
tenho noção dos títulos de suas obras, conhecendo-lhe através de excertos
citados nesta ou naquela obra, de ensaios escritos por estes e aqueles
ensaístas, doutores, mestres, especialistas em seu pensamento, diz respeito ao
estilo: é através do estilo que se conhece melhor o homem, mergulha-se-lhe na
alma, arrancam-se-lhe os valores e defeitos, da condição e natureza humanas,
caráter e personalidade, vêem-se-lhe o que é espúrio e digno, sabem-se-lhe as
intenções humanísticas e humanitárias, as ideologias de engrandecer a vida, os
homens, as idéias, achincalhar com tudo – não houvesse Deus para. no Juízo
Final, determinar se o destino da alma é o inferno ou o paraíso celestial, nós
os homens poderíamos ajuizar isto, mandarmos a alma para o inferno ou para
algum outro lugar, só através do estilo de vida do cujo-dito.
Capacho, na ponta da língua, seja dos doutos, seja do povo, do Zé Mané,
não em outra acepção senão a de um homem por inteiro chafurdado na servilidade,
servil jumentado, serve a todos sem a mínima exceção. Em tempos outros,
imemoriais, longínquos, chamar um homem de capacho era quase assinar a própria
sentença de morte, era fazê-lo, nalgumas circunstâncias e situações, motivo de
inimizade capital. Era a extrema humilhação, era a absoluta ofensa moral, era
lavar com água sanitária a alma do sujeito, era acabar com a raça, extirpá-la
da face da terra. Mesmo que fosse a verdade inconteste, o sujeito era sim
capacho. Tempos de homens de brio, de caráter, de peito mesmo. A honra e a dignidade
estavam acima do amor e veneração por Deus. Eram os valores supremos que lhes
sustentavam a vida, a marca indelével que deixavam no mundo, para os filhos e
suas outras gerações, para a continuidade da vida no mundo.
Ah, quem dera eu houvesse vivido naqueles tempos, só escreveria odes à
humanidade – creio ser ótimo não ter vivido lá, pois que ler só elogios, só
encômios, só divinas considerações, só absolutos reconhecimentos, seria bem
enfadonho, enjoativo, passaria para a história como homem bajulador. Mas, hoje,
em nossa modernidade, chamar alguém de capacho é, significa estar
re-conhecendo-lhe homem de valor idôneo, é ter-lhe em grande estima e
consideração, é através de sua capachidade que se lhe re-conhece profundamente
a alma, sabe-se-lhe a essência, todos os valores e virtudes que lhe habitam as
pré-fundas, podendo até afiançar que outro não seja o seu destino senão o
inferno; nem poderia ser o céu, relevando algumas capachidades apenas latentes,
não chegaram a se manifestar, foram capachidades menores, não pré-judicaram
tanto os homens, não deturparam os princípios, não adulteraram as crenças, não
tergi-versaram as esperanças e a fé, porque Deus fechou a porta do paraíso
celestial, a capachidade humana ultrapassou todos os limites dos princípios
cristãos e espirituais.
Só há capachos no mundo, a questão é ser mais ou menos capachos, é fazer
carreira ou apenas sobreviver. Meu Deus! Se o mato não me fosse tão enfadonho e
entediante, juro que participaria minha mudança para lá, jamais retornando a
qualquer lugar que houvesse a raça humana. Infelizmente, tenho de viver no meu
deles, ombrear-lhes pelas ruas e avenidas, ouvir-lhes a voz de taquara rachada,
através dos reclames, das revoltas, ressentimentos, ódios e raivas,
escutar-lhes as idéias e objetivos. Não é fácil, contudo tenho de suportar tudo
isto, pois que se emitir qualquer reclamação, haverá quem de imediato diga:
“Por que não some do mundo? Aqui é assim mesmo”.
Destilo os ácidos, descasco os pepinos, mando o pau, desço o cacete,
racho as puas, em suma, dou traulitadas nas orelhas a torto e a direito,
piparotes nos narizes arrebitados, em todos os níveis de capachidades,
supremas, chinfrins, razoáveis, plausíveis, nos capachitados de terno e gravata
em seus escritórios e consultórios, em suas cátedras e escolas, nos de manga de
camisa e calças de brim, nos de vestes rasgadas e imundas, de pés no chão, não
perdôo qualquer um deles, meus juízos são mais do que os de Cristo em relação
aos fariseus, são paradoxais, e não penso estar caluniando, sendo injusto, só
haver in-verdades nos meus julgamentos, penso e sinto que lhes estou
re-conhecendo, re-velando-lhes as verdades, merecendo até ser agradecido,
conscientizando-lhes de seus valores capachitais, por sempre serão lembrados,
lego-lhes o que outro não o faria, lego-lhes a posteridade, e quem lhes é
contrário em tudo. Olham-me de testa enrugada, semblante sério e fechado,
pupilas brilhando de ódio, pudessem esganar-me-iam, ainda dentro dos princípios
cristãos, enterrar-me-iam, não numa sepultura no cemitério, mas no mato, sem
cruz, para ninguém visitar-me, fazer suas orações em prol de minha alma, ser
totalmente esquecido por todos.
Mas há uma espécie, estirpe, laia de capacho por que tenho mais que nojo
e asco, desprezo e desdém, tudo isto é por quem são servis às idéias supremas,
absolutas, às verdades de academiais, cátedras, escolas, daquelas idéias e
verdades que até Deus dependuraria sua chuteira, amarraria os cordões no prego
da porta do céu; são elas a dignidade da vida, são elas a eternidade do bem e
do amor, a imortalidade do espírito e do ser. Dizia Raul Seixas que diante
destas idéias e verdades, ele preferiria ser uma “metamorfose ambulante”. São
servis a isto, estão dis-postos a morrer por isto, entregam-se de corpo e alma,
defendem a unhas e dentes o servido, contudo, mas e porém, se alguém lhes
perguntar, indagar, questionar no que concernem às idéias e verdades que
defendem tanto, o ser delas, o sentido delas, a essência delas, o espírito
delas, a alma delas, não são capazes de emitir única palavra, única exclamação,
não ficam em silêncio absoluto, enfim a capachidade tem os seus recursos de
defesa e argumentação, dizem só e unicamente que os tempos revelarão suas
condutas e posturas, identificarão suas intenções, inspirações, objetivos, num
sentido real, numa acepção da realidade fria e concreta. Aí, a língua não
consegue se conter, não pode e nem deve ficar inerte dentro da boca, e a
pergunta vem de imediato: “Como é que se defende uma verdade, uma idéia, se não
se tem a mínima noção do que ela(s) significa(m), no frigir dos ovos o que têm
a contribuir com a continuidade da vida e do ser?”.
Até o presente instante falei a respeito das capachidades dos homens de
nossa modernidade, até mesmo sem querer, não estava nos meus projetos e objetivos
fazê-lo, teci palavras magníficas e mágicas, isto para lhes cumprimentar,
dar-lhes os parabéns, mas não disse inda sobre as capacidades que trazem os
capachos em si próprios, o que mesmo podem contribuir com a posteridade de suas
capachidades. Bem, não há como tripudiar com a minha índole, capacidades trazem
os homens que têm princípios, questionam as coisas do mundo, têm verdadeira
náusea das verdades absolutas, lutam por outros horizontes, por outros
princípios; portanto, os capachos trazem em si só capachidades, capachidades de
serem servis a tudo, não terem o mínimo caráter e personalidade, suas razões
específicas estão sempre voltadas para defender os interesses e ideologias dos
outros.
(**RIO DE JANEIRO**, 10 DE JANEIRO DE 2017)
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