#AFORISMO 902/ SER O SILÊNCIO NO SILÊNCIO DO SER/À COMPANHEIRA DAS ARTES, Graça Fontis# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
É o silêncio na alma. É viver com o silêncio na alma. É simplesmente
deixar que este silêncio se revele, se manifeste livre, espontâneo, sem
qualquer muleta da razão, sem qualquer bengala da intelectualidade, sem
quaisquer esperanças de sua revelação, a-nunciação... Assumi-lo plenamente.
Vivê-lo. Quem o deixa perpassar todas as dimensões do ser, do espírito e da
alma, com certeza, sente o além, sem a presença da imortalidade, da eternidade.
Nem poetas ou escritores são capazes de vivê-lo na sua essência, pois que
sempre têm os utensílios da pureza da inspiração.
Silêncio é silêncio no silêncio. No silêncio do silêncio, o silêncio é a
voz suprema do saber a vida na roda-viva das dialéticas do ser e não-ser, no
catavento das contradições do efêmero e eterno, no redemoinho das ambiguidades
da morte e dubiedade do nada. Nos re-cônditos do silêncio, o silêncio é o
vernáculo do espírito sem a metáfora do sublime, sem a sin-estesia da leveza,
sem a poiética da pureza. Nos interstícios do silêncio, o silêncio é a erudição
da alma que perscruta a semântica linguística da solidão do ser, a linguística
semântica das melancolias e nostalgias pretéritas das angústias e tristezas, à
busca do solstício do alvorecer para lhe guiar, orientar no ser-para a
consumação da verdade.
Silêncio não se verseja de versos e estrofes, trovas, sonetos, poemas
livres. Habita-lhe na poética do ser. Silêncio não se prosa, proseia, não é
prosa que racionaliza a gnose das experiências, vivências, pre-núncio do saber.
Silêncio não se vers-ifica das suas reflexões do deserto, meditações do porto.
Não se diz o silêncio, não se metaforiza o silêncio, o silêncio se versifica no
silêncio que afagamos com as verdades do sonho, das esperanças, das utopias, à
busca das palavras sagradas no livro do Ser.
O elemento principal no bem-estar de um indivíduo — de fato, de todo o
seu modo de existir, de ser-no-mundo — é aquilo que o constitui, que ocorre
dentro dele próprio. Pois isso constitui a fonte imediata de sua satisfação ou
insatisfação íntima, que resulta de todo o seu sentir, desejar e pensar. Tudo
que o cerca exerce somente uma influência indireta; por esse motivo, os mesmos
eventos ou circunstâncias afetam diferentemente cada um de nós; e até com
ambientes exatamente iguais, cada qual vive em seu próprio mundo. Pois um homem
apenas preocupa-se diretamente com suas próprias ideias, sentimentos e
volições; o mundo exterior somente pode influenciá-lo na medida em que traz
vida a esses. O mundo em que cada qual vive depende principalmente de sua própria
interpretação desse e, assim, mostra-se diferentemente a homens diferentes;
para um é pobre, insípido e monótono, para outro é rico, interessante e
importante.
Fica mal com Deus quem não alça vôo nas asas do condor de esperanças,
real-izando os clímaces voláteis do gozo da estirpe. Fica mal comigo quem não
trans-eleva a fé no divino eterno aos auspícios da liberdade que exala suas
nuanças de desejos de compl-etude com os termos acessórios do nada e efêmero,
como o pássaro de fogo que choca os ovos das chamas perenes a aquecerem o
inverno das espécies susceptíveis às caliências do nunca antes de quaisquer
jamais, carências do sempre antes de quaisquer pretéritos perfeitos ou
imperfeitos. Fica mal com a vida na sua vocação de ser o absoluto perfeito, inda
que tardio o perfeito, inda que in-ec-sistente as ruminâncias de ouro e risos a
satirizarem com veemência e re-verência o surrealismo das laias côncavas e
convexas das viperinidades da natureza humana, quando o perfeito, desde a
eternidade, encontra-se refestelando-se às margens sinuosas do cócito inaudito
de vozes que permeiam a noite de lua cheia e centenas de estrelas cadentes...
Oh, centelhas que brilham momentaneamente, onde faíscam o silêncio da
liberdade e a liberdade do silêncio?
Pelo meu caminho vou, vou como quem pisa com toda delicadeza e acuidade
os ovos da "garnisé", grávidos de réquiens para as ipseidades do
pretérito iluminando as trevas e sombras da terra do bem-virá. Vou como quem
saltita nas brasas de lenhas da lareira, incandescendo a sola dos pés para
sentir o prazer e volúpia das estradas na jornada sem limites, fronteiras,
obstáculos, enfim sem o instante-limite do zero a prenunciar o "um"
dos solilóquios e colóquios da aritmética dos "noves fora um". A
linguagem é condenada pelos princípios, o estilo é indecente pelas lógicas, mas
antes sendo do que dar com as mulas no mata-burro, com os jegues no abismo.
A vida consiste de movimento e nisso reside sua própria essência. O
constante movimento interno requer auxílio parcial por parte do exterior. Essa
falta de proporção é análoga ao caso onde, em consequência de alguma emoção,
irrompe dentro de nós algo que somos obrigados a suprimir. Até as árvores, para
florescer, precisam ser agitadas pelo vento. Aqui se aplica uma regra que pode
ser anunciada de forma mais concisa em latim: omnis motus, quo celerior, eo
magis motus [quanto mais rápido é um movimento, tanto mais é movimento].
Silêncio é silêncio, vive de suas vozes íntimas e trans-cendentais da
espiritualidade, da divin-idade. Não se alimenta dos pães e trigos do
vir-a-ser, alimenta-se da plen-itude de seu ser. No inaudito de si, revela
sentimentos e emoções que lhe habitam e são os sonhos da sabedoria, da verdade,
as estesias do eterno, no deserto onde se re-colhe para a reflexão do verbo-de
ser ser cristalino, puro, são os desejos vontade de tern-itudes.
Buscar o silêncio - não se lhe encontra. Desejar o silêncio - não se lhe
vive. Sentir o silêncio - mergulho profundo no que trans-cende os verbos da
con-tingência, quais sejam a suprassunção dos valores imanentes, a superação
dos estados de alma, redenção dos pecados, ressurreição.
O tolo em trajes finos suspira sob o fardo de sua própria
individualidade miserável, da qual não pode se livrar, enquanto o homem de
grandes dotes povoa e anima com seus pensamentos a região mais deserta e
desolada. Há, pois, muita verdade no que Sêneca diz: omnis stultitia laborat
fastidio sui [toda estultice sofre o fastio de si mesma.]
Ser o silêncio no silêncio do ser.
Manoel Ferreira Neto
(26 DE JUNHO DE 2017)
(#RIODEJANEIRO#, 26 DE JUNHO DE 2018)
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