#AFORISMO 892/ O ESPELHO REFLETE CERTO, NÃO ERRA PORQUE NÃO PENSA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
#Que a imortalidade se me levante como exigência inexorável.#
A seta furtiva margina o limiar.
Sim, no silêncio da tranqüilidade de me encontrar comigo mesmo, na
solidão de refletir sorrelfos ideais de quem sou às cavalitas do tempo,
con-templar-me de antanho à luz da presença do ser aspirando a revelar outros
raios e cintilâncias dos sonhos, alguém poderia também dizer, e afirmar e
gritar: “Uma forma de negar a humanidade do homem é afirmá-la de forma
orgulhosa e onipotente!”. O sinal da velhice talvez seja uma extraordinária
vocação para as reflexões fáceis, pensamentos leves, ideais serenos, idéias
alvissareiras. Jamais a minha tumba permanecerá sem flores. No centro de uma
esmagadora profusão de flores e pássaros de mármore, este voto temerário.
Morrer, esquecer-se da face oculta da ec-sistência.
Murmúrio de outrora, de outrem de ribeiras próprias, de arvoredo meu,
abre a porta, em grandes imaginações, em grandes emoções súbitas sem
eira-nem-beira, sensações inesperadas, volúpteis e passageiras. Abro as mãos ao
tempo oportuno, e procuro, sem cessar, a misericórdia que me envolva para
sempre. Abro os olhos às contingências do indubitável, e penso, à-toa, à-toa,
à-toa...
O amor, instante expansivo, dilatado quase ao instante-limite da entrega
e dedicação, volve a aninhar-se na alma, onde nunca estivera, simples noções
acompanhadas da fertilidade da sensibilidade e inteligência. A rebeldia era um
costume, não um vício infindável, dei-lhe apenas um outro sentido e rumo, outro
destino e boêmias. A irreverência foi-me sentido id-ent-ificar e
pres-ent-ificar o com que não con-sentia. O cinismo foi-me desenvolvido pela
educação e cultura. O sarcasmo desenvolveu-me o intelecto, coloco-lhe à frente
de quaisquer virtudes e valores, meu Deus sempiterno. Só conhecia os afetos,
por assim dizer, familiares e inertes, os que não se conhecem nem conseguem lutar
contra as dificuldades.
Esta alegria e resplendor que trago na alma, no espírito, desde há
séculos, percorre cada centímetro do longo vale sobre o qual vão o corpo e a
mente em sintonia com os passos caminhantes do eterno, lentos, pensados,
sofridos. Também agito segredos e enigmas da minha imagem, e o sibilo do vento,
que as folhas cobrem de som, despe-me do pensamento. Vagas de sol,
despencando-se no vôo da Águia Celeste, ricocheteiam brutalmente sobre o campo
circundante. Tudo se cala perante o som, tudo se emudece diante da luz; lá em
baixo, reduz-se a imensa massa de silêncio, que ouço sem cessar. Quem dera se
num instante ínfimo torna-se-me eu mais eloqüente que todas as vozes, mais que
o silêncio ele mesmo. Fico atento, alguém corre em direção a mim na distância,
minha alegria cresce, a mesma de antigamente. Uma vez mais um mistério
abençoado ajuda-me a compreender o sentido de todas as coisas.
Pensar é essencialmente errar.
Certamente não o sentido de nossas tristezas, nem sempre muito acalentadoras,
nem sempre hospitaleiras. Certamente não o sentido de nossas dúvidas, nem
sempre capazes de nos levar à esperança livre, ao sobrevôo que muitas vezes
adormece o espírito e a alma. Certamente não o sentido de nossos medos, nem
sempre capazes de tornar topia as nossas utopias poéticas. Certamente não o
sentido de nossas incertezas, nem sempre capazes de apresentar outras
perspectivas.
O espelho reflete certo, não erra porque não pensa. Errar é
essencialmente estar cego e surdo.
Espero há muito tempo. Por vezes, tropeço, perco a mão, deixo de
acertar. Isso pouca me importa a mim, estou só nestes momentos. A Águia Nívea
alça voo lento e sereno, irá pousar na grimpa do flamboyant, de lá soltando o
seu grito, a sua liberdade. Assim, acordo no meio da noite e parece-me ouvir,
ainda semi-adormecido, um sibilo de ventos, movimentos de águas a respirarem.
Não existe pátria para quem desespera e, quanto a mim, sei que a serra me
precede e me segue, e minha consciência, de meu inconsciente a Deus, estão ambos
sempre prontos. Aqueles que se amam e são separados podem viver sua dor, mas
isso não é desespero: eles sabem que o amor existe nalgum sítio onde os passos
do eterno continuam a jornada, sempre para frente. Espero ainda... Eu não tenho
filosofia: tenho sentidos, pensar uma flor é vê-la e cheirá-la.
"Do re-verso da alma, dos versos de palmas."
Passado sem vírgulas entre ad-vérbios temporais. Eterno eterniza nonadas
perdidas nos vácuos. Espelhos espelham imagens projetadas no infinito. No
finito in-finitivo do vazio, metáforas cintilam, metafísicas fosforescem. Nos
gerúndios particípios das angústias, linguísticas brilham. Sou quem não sou,
não sou quem. Pervago nas estradas de poeiras semânticas sozinho. As esperanças
devem acompanhar passos comedidos. Cogito ergo nom sum nos universos.
Semânticas ilusões preenchem espaços, distâncias campesinas. Verbos verbalizam
sendas longínquas do ser.
Mentes mergulhadas em verdades inter-ditas de sombras a envelarem
horizontes, de brumas a encobrirem universos, de trevas a esconderem o
silvestre da floresta, as margens do rio; almas chafurdadas em esperanças
entre-laçadas de vazio e nada glorificando o Apocalipse da In-dignidade e
des-honra, louvando o Hades da Proscrição e Heresia, ideais entupigaitados de
nonsenses do sonho, enaltecendo as primevas trevas do mundo, em cânticos
mefistofélicos da maldição, ódio, insensibilidade, sem valores - alma penada
vagando em túmulos do poder, sem virtudes - instintos condenados perambulando
nos epitáfios de tabernáculos à luz das imagens sacras sem ética - carne sem
ossos, rogando o verbo da plen-itude, a verbalização da essência absoluta do
divino, sem moral - cinzas dos princípios primevos re-nascidas nos umbrais da
amoralidade que seduz os dogmas da indecência, corações perenecidos de utopias
de ideologias, interesses espúrios da alienação, ausência da fé de as bem-aventuranças
salvarem o eidos do sublime, In-sensibilizando as dimensões trans-cendentais
dos desejos de liberdade, vontade da divin-idade, ossos, cinzas, nada,
des-carne das ilusões que, nas fontes do uni-verso além das con-tingências,
alimenta-se de a-nunciações do gozo de serem sementes de gerúndios de sonhos,
indicativo presente do Ser-com a vida, Ser-para-a-morte, palavras, versos,
re-versos, in-versos, estrofes acorrentadas de símbolos, signos, metáforas ao
secular, milenar gozo do abismo inaudito indizível "Ad perpetuum
nihil"...
O tempo acintura a forma de um corpo, pressagiado de amor. O espelho
mostra o contorno de saudades, o bocejo de ansiedades, que fizeram o retrato da
noite. Driblo o tremor que avassala o sono engomado. Dou a contrafé de mim.
Apresento a contra-resposta que me habita o seio. Não é de mim que as línguas
são imperfeitas para que o silêncio exista. Não é de mim que as palavras são
re-presentações para que o Ser seja desejado verbalizar-se. A solidão assiste
ao medo, à morte do riso, e o silêncio baliza eloqüentemente quando naufraga a
vontade. Espelham-se o verbo, o ato e o rugido, ou seria mugido? Não o sei.
Porque não sei é que escolhi referir-me a ele. Pasmei do fracasso com que riem
dos ossos sempre cobertos de carne. Estupidifiquei-me da frustração com que
olham as cinzas de onde nada poderá ressuscitar. Às vezes, faço de um raio de
luz e da minha paixão o silêncio, e o porquê deixei de figurar nas respostas e
ganhar uma face ensimesmada e triste.
A tarde não cai sobre a serra; emerge do fundo das águias, que desfiando
os gritos de louvor e paz, as três, em uníssono, por breve instante,
permanecemos solitários por cima do acinzentado da serra. Aqui só há uma fonte,
onde o grito das águias se reflete; entretanto dentro da fonte há a serra, o
vale, a colina. Ao entardecer, um cântico nos precede durante longas horas...
Sinto estar fora do que imaginei, tudo o que escrevi, embora desejasse
expressar o in-audito, o Absoluto faltou-me. Vale sentir, para minutos depois,
dizer: “Apenas criação...” Eu, que só me satisfaria com a alma nas palavras,
regressado à dimensão original de mim, relação imediata de uma profundeza a
outra, entendo que a imortalidade se me levante como exigência inexorável.
Pérfida, a dissimulação ensina às serpentes as palavras chinfrins,
desprovidas de qualquer inteligibilidade. As vozes estremecidas afrontam
artifícios do outro. Retiradas, as ambições convergem discrições, cujo medo os
obséquios amortecem as convivências.
Cravo os olhos no papel, sem ler, sem fitar linha alguma, uma palavra
única. Enrolo e desenrolo um dos cantos da lauda. Sorrio. Sorriso de
aquiescência, sem convicção, espontaneidade. Por mais ridícula que pareça esta
confissão, por mais grosseira seja a sua pele, a verdade é que não sei se é
verdade uma utopia haver construído esta imagem de todo o processo de criação,
de construção de estilo, linguagem até mesmo em linguagem outra. Reuni
preocupações, situações em que me encontro envolvido, emoções.
A vida, aos sons de imagens dispersas e sinuosas, mostra sua
fragilidade, sua investida em deixar não só recordações mas o orgulho de sua
verdade.
(**RIO DE JANEIRO**, 23 DE JUNHO DE 2018)
Comentários
Postar um comentário