MARIA ISABEL CUNHA ESCRITORA POETISA E CRÍTICA LITERÁRIA ANALISA O AFORISMO 892 /**O ESPELHO REFLETE CERTO, NÃO ERRA PORQUE NÃO PENSA
#Que a imortalidade se me levante como exigência inexorável.#
A seta furtiva margina o limiar
Na introdução deste aforismo, o autor transporta o leitor para um local
idílico através das palavras: tranquilidade, cintilâncias, velhice, ideias
simples, serenas, rematando-a com a expressão:
“jamais a minha tumba permanecerá sem flores”, isto significa que a sua
memória nunca será esquecida devido às suas obras. As flores são as obras que
deixará para a sua imortalidade. Estas serão o testemunho da sua existência
que, de tão breve, a designa de face oculta.
O trecho continua tal uma sinfonia de Strauss com passos de valsa por
entre ribeiras, arvoredo, imaginação, sensações e deixa levitar os pensamentos
à toa até à designação da palavra Amor. Perante este sentimento tão diáfano e
sublime recorda toda a rebeldia do passado, a boémia, o azedume, o cinismo que
o tinha habitado por desconhecimento do voo, da valsa agora executada com todos
os acordes em som bemol e sustenido, o amor que o preenche e faz exultar de
alegria como águia celeste sobrevoando no meio de fachos de luz, o silêncio que
avista do cimo, este silêncio simboliza o oculto, porque desconhecido. Tenta
perfurar este silêncio, quando descobre o sentido de todas as coisas: “ Pensar
é essencialmente errar”
“O espelho reflete certo, não erra porque não pensa. Errar é
essencialmente estar cego e surdo.” Se não pensarmos tudo é explicado por si
próprio, a felicidade reside neste deixar fluir a vida ao som da natureza sem
tentar explica-la, vivê-la.
São os sentidos, as sensações a base para o estudo de todas as coisas, e
dá como exemplo” pensar uma flor é vê-la e cheirá-la”, assemelhando-se a Bacon
e a Pipper, fazendo um paralelismo entre as ciências e as letras. Como as
Ciências têm como base a experimentação, a linguística tem como base a
experimentação da Língua. É experimentando-a nos seus verbos, advérbios,
infinitivos que se consegue alcançar o belo, pretende transpor em palavras as
vicissitudes da vida, espelha-la como o reflexo do espelho. Sabe que caminha
sozinho nesta porfia “ Pervago nas estradas de poeiras semânticas sozinho”, mas
não desiste de o conseguir. Faz uma chamada de atenção para os que verberam
afirmações sem as experimentar, vivenciar, sendo o resultado” Ad perpetuum
nihil"...”
As Letras são como uma partitura, tudo tem de estar em sintonia e em
consonância com o pretendido, falar de silêncio e cinzas sem lhe conhecer a
semântica é uma desafinação.
Considera que a sua voz não caiu no cinzento da serra, mas sim emergiu
das águias (três) que clarificam e aplaudem o seu discurso. Nesta linguagem
metafórica, o autor simboliza, talvez as suas críticas que sabem interpretar e
desnudar a simbologia e semântica das suas obras.
Em conclusão confessa que não sabe se conseguiu o seu objetivo, auferir
transpor em imagens linguísticas todas as sensações que experimenta e vivifica
“colocar a alma nas palavras “mas que continuará com a mesma determinação.
Termina confessando” não sei se é verdade uma utopia haver construído
esta imagem de todo Ad perpetuum nihil"... O nada perpétuo.
Ambiciona o perpétuo, a imortalidade através das suas obras como
sinfonia apoteótica de todo o seu empenho e cultura.
Um louvor muito especial ao escritor que prima pela eloquência, erudição
e magia das palavras.
Maria Isabel Cunha
#AFORISMO 892/
O ESPELHO REFLETE CERTO, NÃO ERRA PORQUE NÃO PENSA#
GRAÇA FONTIS:
PINTURA
Manoel Ferreira Neto:
AFORISMO
#Que a imortalidade se me levante como exigência inexorável.#
A seta furtiva margina o limiar.
Sim, no silêncio da tranqüilidade de me encontrar comigo mesmo, na
solidão de refletir sorrelfos ideais de quem sou às cavalitas do tempo,
con-templar-me de antanho à luz da presença do ser aspirando a revelar outros
raios e cintilâncias dos sonhos, alguém poderia também dizer, e afirmar e
gritar: “Uma forma de negar a humanidade do homem é afirmá-la de forma
orgulhosa e onipotente!”. O sinal da velhice talvez seja uma extraordinária
vocação para as reflexões fáceis, pensamentos leves, ideais serenos, idéias
alvissareiras. Jamais a minha tumba permanecerá sem flores. No centro de uma
esmagadora profusão de flores e pássaros de mármore, este voto temerário.
Morrer, esquecer-se da face oculta da ec-sistência.
Murmúrio de outrora, de outrem de ribeiras próprias, de arvoredo meu,
abre a porta, em grandes imaginações, em grandes emoções súbitas sem eira-nem-beira,
sensações inesperadas, volúpteis e passageiras. Abro as mãos ao tempo oportuno,
e procuro, sem cessar, a misericórdia que me envolva para sempre. Abro os olhos
às contingências do indubitável, e penso, à-toa, à-toa, à-toa...
O amor, instante expansivo, dilatado quase ao instante-limite da entrega
e dedicação, volve a aninhar-se na alma, onde nunca estivera, simples noções
acompanhadas da fertilidade da sensibilidade e inteligência. A rebeldia era um
costume, não um vício infindável, dei-lhe apenas um outro sentido e rumo, outro
destino e boêmias. A irreverência foi-me sentido id-ent-ificar e
pres-ent-ificar o com que não con-sentia. O cinismo foi-me desenvolvido pela
educação e cultura. O sarcasmo desenvolveu-me o intelecto, coloco-lhe à frente
de quaisquer virtudes e valores, meu Deus sempiterno. Só conhecia os afetos,
por assim dizer, familiares e inertes, os que não se conhecem nem conseguem
lutar contra as dificuldades.
Esta alegria e resplendor que trago na alma, no espírito, desde há
séculos, percorre cada centímetro do longo vale sobre o qual vão o corpo e a
mente em sintonia com os passos caminhantes do eterno, lentos, pensados,
sofridos. Também agito segredos e enigmas da minha imagem, e o sibilo do vento,
que as folhas cobrem de som, despe-me do pensamento. Vagas de sol,
despencando-se no vôo da Águia Celeste, ricocheteiam brutalmente sobre o campo
circundante. Tudo se cala perante o som, tudo se emudece diante da luz; lá em
baixo, reduz-se a imensa massa de silêncio, que ouço sem cessar. Quem dera se
num instante ínfimo torna-se-me eu mais eloqüente que todas as vozes, mais que
o silêncio ele mesmo. Fico atento, alguém corre em direção a mim na distância,
minha alegria cresce, a mesma de antigamente. Uma vez mais um mistério
abençoado ajuda-me a compreender o sentido de todas as coisas.
Pensar é essencialmente errar.
Certamente não o sentido de nossas tristezas, nem sempre muito
acalentadoras, nem sempre hospitaleiras. Certamente não o sentido de nossas
dúvidas, nem sempre capazes de nos levar à esperança livre, ao sobrevôo que
muitas vezes adormece o espírito e a alma. Certamente não o sentido de nossos
medos, nem sempre capazes de tornar topia as nossas utopias poéticas.
Certamente não o sentido de nossas incertezas, nem sempre capazes de apresentar
outras perspectivas.
O espelho reflete certo, não erra porque não pensa. Errar é
essencialmente estar cego e surdo.
Espero há muito tempo. Por vezes, tropeço, perco a mão, deixo de
acertar. Isso pouca me importa a mim, estou só nestes momentos. A Águia Nívea
alça voo lento e sereno, irá pousar na grimpa do flamboyant, de lá soltando o
seu grito, a sua liberdade. Assim, acordo no meio da noite e parece-me ouvir,
ainda semi-adormecido, um sibilo de ventos, movimentos de águas a respirarem. Não
existe pátria para quem desespera e, quanto a mim, sei que a serra me precede e
me segue, e minha consciência, de meu inconsciente a Deus, estão ambos sempre
prontos. Aqueles que se amam e são separados podem viver sua dor, mas isso não
é desespero: eles sabem que o amor existe nalgum sítio onde os passos do eterno
continuam a jornada, sempre para frente. Espero ainda... Eu não tenho
filosofia: tenho sentidos, pensar uma flor é vê-la e cheirá-la.
"Do re-verso da alma, dos versos de palmas."
Passado sem vírgulas entre ad-vérbios temporais. Eterno eterniza nonadas
perdidas nos vácuos. Espelhos espelham imagens projetadas no infinito. No
finito in-finitivo do vazio, metáforas cintilam, metafísicas fosforescem. Nos
gerúndios particípios das angústias, linguísticas brilham. Sou quem não sou,
não sou quem. Pervago nas estradas de poeiras semânticas sozinho. As esperanças
devem acompanhar passos comedidos. Cogito ergo nom sum nos universos.
Semânticas ilusões preenchem espaços, distâncias campesinas. Verbos verbalizam
sendas longínquas do ser.
Mentes mergulhadas em verdades inter-ditas de sombras a envelarem
horizontes, de brumas a encobrirem universos, de trevas a esconderem o
silvestre da floresta, as margens do rio; almas chafurdadas em esperanças
entre-laçadas de vazio e nada glorificando o Apocalipse da In-dignidade e
des-honra, louvando o Hades da Proscrição e Heresia, ideais entupigaitados de
nonsenses do sonho, enaltecendo as primevas trevas do mundo, em cânticos
mefistofélicos da maldição, ódio, insensibilidade, sem valores - alma penada
vagando em túmulos do poder, sem virtudes - instintos condenados perambulando
nos epitáfios de tabernáculos à luz das imagens sacras sem ética - carne sem
ossos, rogando o verbo da plen-itude, a verbalização da essência absoluta do
divino, sem moral - cinzas dos princípios primevos re-nascidas nos umbrais da
amoralidade que seduz os dogmas da indecência, corações perenecidos de utopias
de ideologias, interesses espúrios da alienação, ausência da fé de as
bem-aventuranças salvarem o eidos do sublime, In-sensibilizando as dimensões
trans-cendentais dos desejos de liberdade, vontade da divin-idade, ossos,
cinzas, nada, des-carne das ilusões que, nas fontes do uni-verso além das
con-tingências, alimenta-se de a-nunciações do gozo de serem sementes de
gerúndios de sonhos, indicativo presente do Ser-com a vida, Ser-para-a-morte,
palavras, versos, re-versos, in-versos, estrofes acorrentadas de símbolos,
signos, metáforas ao secular, milenar gozo do abismo inaudito indizível
"Ad perpetuum nihil"...
O tempo acintura a forma de um corpo, pressagiado de amor. O espelho
mostra o contorno de saudades, o bocejo de ansiedades, que fizeram o retrato da
noite. Driblo o tremor que avassala o sono engomado. Dou a contrafé de mim.
Apresento a contra-resposta que me habita o seio. Não é de mim que as línguas
são imperfeitas para que o silêncio exista. Não é de mim que as palavras são
re-presentações para que o Ser seja desejado verbalizar-se. A solidão assiste
ao medo, à morte do riso, e o silêncio baliza eloqüentemente quando naufraga a
vontade. Espelham-se o verbo, o ato e o rugido, ou seria mugido? Não o sei.
Porque não sei é que escolhi referir-me a ele. Pasmei do fracasso com que riem
dos ossos sempre cobertos de carne. Estupidifiquei-me da frustração com que
olham as cinzas de onde nada poderá ressuscitar. Às vezes, faço de um raio de
luz e da minha paixão o silêncio, e o porquê deixei de figurar nas respostas e
ganhar uma face ensimesmada e triste.
A tarde não cai sobre a serra; emerge do fundo das águias, que desfiando
os gritos de louvor e paz, as três, em uníssono, por breve instante,
permanecemos solitários por cima do acinzentado da serra. Aqui só há uma fonte,
onde o grito das águias se reflete; entretanto dentro da fonte há a serra, o
vale, a colina. Ao entardecer, um cântico nos precede durante longas horas...
Sinto estar fora do que imaginei, tudo o que escrevi, embora desejasse
expressar o in-audito, o Absoluto faltou-me. Vale sentir, para minutos depois,
dizer: “Apenas criação...” Eu, que só me satisfaria com a alma nas palavras,
regressado à dimensão original de mim, relação imediata de uma profundeza a
outra, entendo que a imortalidade se me levante como exigência inexorável.
Pérfida, a dissimulação ensina às serpentes as palavras chinfrins,
desprovidas de qualquer inteligibilidade. As vozes estremecidas afrontam
artifícios do outro. Retiradas, as ambições convergem discrições, cujo medo os
obséquios amortecem as convivências.
Cravo os olhos no papel, sem ler, sem fitar linha alguma, uma palavra
única. Enrolo e desenrolo um dos cantos da lauda. Sorrio. Sorriso de
aquiescência, sem convicção, espontaneidade. Por mais ridícula que pareça esta
confissão, por mais grosseira seja a sua pele, a verdade é que não sei se é
verdade uma utopia haver construído esta imagem de todo o processo de criação,
de construção de estilo, linguagem até mesmo em linguagem outra. Reuni
preocupações, situações em que me encontro envolvido, emoções.
A vida, aos sons de imagens dispersas e sinuosas, mostra sua
fragilidade, sua investida em deixar não só recordações mas o orgulho de sua
verdade.
(**RIO DE JANEIRO**, 23 DE JUNHO DE 2018)
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