#AFORISMO 909/ ESPÍRITO SEDENTO DE CONHECIMENTO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Epígrafe:
Que instrumento é a voz humana! Como corresponde às emoções e
sentimentos da alma, aos desejos e sonhos do espírito, às saudades e nostalgias
do coração!(Manoel Ferreira Neto)
Re-velando re-velar as re-velações de que o inaudito não é a ponte
partida entre às sorrelfas da vida em banho-maria e a suspensa entre o fim da
pradaria e a entrada da caverna, sim as vozes que sussurram as a-nunciações dos
apocalipses e a algazarra que vocifera a face do inferno outro incrustado na
parede esquerda e direita da in-verdade e da verdade dos pretéritos aquéns às
origens. Sensualidade da expressão, concisão surpreendente, força e variação
rítmica, riqueza notável de palavras vigorosas, ardentes, calientes e do
pressentimento e, por vezes, popularidade e proverbialidade que brotam com
pureza completa e ampla - poderia enumerar todas essas qualidades do re-velar
re-velando as re-velações do ser e não-ser do in-audito, faltaria sempre
acrescentar a mais poderosa e ad-mirável dentre todas.
Como é possível, torna-se possível reinar como criador sobre dois mundos
tão distintos em forma, cor, disposição, assim como em alma? Se aquele que sobe
à colina dos lobos e ventos uivantes mais alta, esse ri-se, gargalha-se de
todas as tragédias, falsas ou verdadeiras, in-verdades ou hipocrisias.
Instrumento que busca palavras para uma melodia que tenho e uma melodia
para palavras que tenho, e as duas coisas que tenho, juntas, não combinam,
ainda que venham de uma só alma, combinam, vindo de um espírito sedento de
conhecimento, de contemplar a beleza essencial para continuar seguindo o
caminho.
Não é a todo momento que surge algo no espírito tão nítido assim, tão
pleno de vida e tão refulgente de beleza. Devo confessar que esperava um
momento como este há muito, embora tenha até me esquecido, e as vezes que me
lembraram não estive nem um poucochito interessado em revelar, deixei-me livre.
Este é o tempo que posso experienciar o que há de verdade, de belo, de
suntuoso nas inflexões e tonalidades da voz, nas suas inúmeras posturas e imposturas.
Tem ela a força de me elevar e me conduzir para fora de intensas dores e
sofrimentos para o estado de espírito melancólico, mas feliz que me domina
quando ouço uma música sublime, uma voz rouca e altissonante, a disposição que
vejo apartarem-se de mim os invólucros terrenos e contingentes. O que está
sofrido e dolorido pode e deve pronunciar sozinho uma palavra decisiva sobre
essas coisas. Apenas desejo a afirmação do sonho e do desejo como uma ilha de
prazeres e felicidade.
Às vezes, o silêncio cai, e eu me reencontro, como uma criança brincando
com mundos, como uma criança que acorda ao alvorecer e, rindo, esfrega a testa
removendo dela os sonhos terríveis, os horrípilos pesadelos. De repente, acordo
no meio desse sonho, o sonho da voz, este instrumento que corresponde ás
emoções e sentimentos da alma, mas só para a consciência de que estou sonhando
e tenho de continuar sonhando para não sucumbir.
Re-levações re-levadas no re-levar a língua para que ela possa fazer
ressoar outra vez um sentimento elevado, correndo com isto a ameaça e o perigo
de não ser absolutamente compreendido. Comunico a paixão é raramente eloquente,
no drama falado é preciso que ela seja assim, a fim de tornar possível de algum
modo a comunicação. A verdadeira paixão procura comunicar a paixão por
inter-médio de elevadas máximas e idéias... Hei-me perdido e tres-loucado
nestas sombras, indo aqui, indo ali, indo acolá, posso explicar com categoria
em palavras, mas se me re-velará, se re-levar as re-levadas re-levações, de modo
e estilo como se tudo que procura sair do homem e que tem sede de conhecimento
se encontrasse no momento de agora livre e bem-aventurado em um júbilo de
conhecimento.
A minha voz tem uma profundeza e um calor, como se estas palavras
corriqueiras houvessem saído do coração. A tonalidade não consegue dissipar de
todo certa inflexão que poderia ter eu tomado por aspereza. É como se um
eminente e insigne musicista tirasse sons comoventes de um instrumento, tão
profunda a sensibilidade que encontrara órgão na minha voz.
Meu coração inunda-se de lágrimas e exala profundos suspiros. Na
grandiosidade de alegrias e contentamentos exultantes, não há qualquer
irreverência em perscrutar a face alterada e jovial que se revela.
O homem não habita somente porque instaura e edifica sua morada sobre
esta terra, coloca no mundo os seus interesses e desejos e refestela-se
tranquilo e sereno na rede. O homem só é capaz de construir nessa concepção
porque já constrói no sentido de tomar poeticamente uma medida.
Estas poucas palavras têm a mesma música misteriosa, melancólica, cujo
tom parece jorrar de meu coração, modulado na mais humilde, sincera, simples
emoção. A agudeza dos sentimentos logo denunciam a mim uma respiração
irregular, vinda de um lugar no íntimo que está imerso na obscuridade, ainda
que sagrado. A arrogância do cogito e das razões logo apontam de dedo indicador
em riste o real e a imagem deste instante. A poesia ou bem é negada como coisa
do passado, como suspiro nostálgico, como espirro profético, como voo irreal e
fuga para o idílico, ou então é considerada como parte de nossa literatura.
Se, de antemão, a poesia apenas possui existência na forma do literário,
como pode o habitar humano fundar-se no poético?
Do sagrado, no qual acontece o milagre da transformação, da metamorfose,
da mudança, nos quais o jogo do devir existe sempre, àquela mais alta e final
humanização para a qual toda a natureza se dirige e impele, para salvar-se de
si mesma, para transcender-se a si mesma, para encontrar-se a si mesma, olhando
o mundo e os homens de cima.
A perseguição da felicidade da voz nunca será maior do que quando ela
tem de ser apanhada rapidamente entre hoje e amanhã, entre uma impostura e
outra, entre uma inflexão e outra; porque depois de amanhã talvez tenha se
silenciado. Não consigo me portar com frieza crítica em relação à música das
vozes; cada fibra, cada nervo meu estremecem, e há muito não tenho um
sentimento tão duradouro de completude, de plenitude. Por muito pouco não me
torno mais eloquente que o som desta voz, de todas as vozes que habitam o meu
espírito e que ouço com toda a reverência.
Enquanto acendo a luz da cozinha para apanhar na garrafa térmica um
pouco de café, pareço ouvir outras vozes vindas do íntimo. Um impulso açula-me,
como se o meu coração estivesse tão cheio de amor que fosse preciso primeiro
esvaziá-lo um pouco para poder ouvir as outras vozes que se revelam,
manifestam-se. No conforto da cama, embrulhado com cobertores, o aconchego e amor
do corpo da companheira... Que impulso é este não sou capaz de o saber, mas se
me afigura ser uma vontade de reter estas vozes, a fim de que as possa
descrever com nitidez e perspicácia.
Ouço o murmúrio de uma voz estranha. É tão indistinta que não parecem
palavras e sim a exteriorização de um sentimento de compaixão, solidariedade,
simpatia, tão vago que o eco ou a impressão de meu cérebro é como irreal. Penso
haver me enganado ou ser aquele murmúrio imaginação minha.
(#RIODEJANEIRO#, 28 DE JUNHO DE 2018)
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