#AFORISMO 865/ NA VERTICAL, A AMEAÇA DA TRANSPARÊNCIA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO
Hoje vou escrever sobre a minha cruz.
São muitas as cruzes que, com suas solidões e sombras, erguem-se ao
longo do caminho, sejam de estradas de terra, de cascalho, de pedra, sejam de
trilhas, o que os mineiros chamam de caminho-da-roca, pondo a duras provas a
nossa andança, às vezes as pernas já não podem mais, nossa fé de desejar chegar
ao infinito antes do vento, e nosso amor.
Creio – aliás, este verbo não traduz a idéia que penso registrar, pois
que suscita uma espécie de dúvida ou de ainda não estar consciente do que vou
dizer, mas aqui significa tão unicamente um recurso de estilo; às vezes,
irrito-me sobremodo com esta Língua Portuguesa, sem dúvida nobre, majestosa,
imperiosa, mas nem sempre é capaz de traduzir as idéias mais profundas e
espirituais – que a imagem da cruz desde toda a eternidade será o símbolo da
redenção e da ressurreição, quem a ela se entrega de corpo e alma encontrará
paz em seu coração, em sua alma. A cruz e o tempo são o que fundamenta a
proximidade entre o homem e Deus.
Sendo estas cruzes de solidões e sombras, as da injustiça ou da calúnia,
da violência ou da traição, da falta de recursos e de pão para pôr à mesa e
saciar a fome dos filhos e dos íntimos, não haja dúvida, mas são estas mesmas
cruzes, olhadas através de um prisma outro, de modo a superar suas solidões e
sombras, que a nova visão desta cruz seja sincera e fiel, eis o que se deve
pensar e agir, tornando-a a cada dia uma verdade maior. Quanto às outras cruzes
do passado, são elas como os defuntos: reza-se por eles, quando se reza.
Não pergunto a mim próprio se é verdade que no coração há uma saudade ou
uma esperança silenciosa: uma saudade da paz e da felicidade como se já as
houvesse vivido intensamente, se já as houvesse experienciado, mas não pude
percebê-las no momento, e, agora, diante deste ou daquele problema, invoco-as;
uma esperança silenciosa de que serei capaz de superar todas as dificuldades,
serei capaz de entregar-me aos desejos mais profundos, à busca de conhecimento
de quem sou e represento no mundo, e, assim, viverei no corpo e no espírito a
paz e a felicidade. Se todos estes desejos, sonhos, vontades são a raiz de um
homem quem intuiu e percebeu um novo tempo e novas possibilidades em sua vida.
Preciso de ar, de espaço, de luz; a alma cobiça um imenso banho de azul
e ouro, de ouro e riso, o corpo limpo e cheiroso dá uma sensação de alegria e
prazer, e a manhã espera-me trajada de suas púrpuras mais lindas, mais belas,
mais nobres. Se não questiono, se não pergunto a mim próprio se é verdade que
no coração há uma saudade ou uma esperança silenciosa, não significa que não me
importam mais tais questionamentos, a resposta encontrei-a límpida e nítida na
transparência de minhas circunstâncias e situações no mundo, nem que nego
qualquer possibilidade de uma superação, enfim, haverá sempre a ameaça das
injustiças, violências, traições, falta de pão à mesa para saciar a fome dos
homens, esta é a realidade.
Aliás, se dissesse que encontrei as respostas para a vida, restando-me
apenas seguir, estaria idolatrando a verdade encontrada, e nalguma estrada
dificuldades seriam encontradas e estas mesmas verdades não seriam capazes de
solucionar, mostrar-me um novo destino, um novo rumo a seguir. As verdades e
conhecimentos são dimensões que necessitam sempre de aprofundamentos,
colocá-los em nível de outros momentos e instantes, sendo eles diferentes.
Talvez não seja difícil de entender que esta necessidade de espaço, de
ar, de luz, seja a de poder transmitir a idéia que desejo, o pensamento que me
surgiu hoje pela manhã, aquando estive a passar a minha roupa de vestir: por
baixo da serenidade de meu rosto, o cansaço que deixam as grandes angústias
morais e éticas, desejando eu que desde o sol nascente até ao último sol
poente, veja as bodas do coração humano, dizendo a todos os ventos: “Eis aqui a
minha vida!... Eis aqui a minha Paz”.
Ademais, após haver passado a roupa de vestir, tomado o banho, desci
logo os degraus da escadaria, vindo até ao escritório com a intenção única de
registrar as idéias, os pensamentos, os sonhos e desejos que se me revelaram ao
espírito.
Lembrou-me haver sonhado estar numa livraria de um convento, escolhendo
um livro. Li um livro, enquanto conversava com uma irmã, aliás, minha amiga,
uma amiga portuguesa, que hoje reside em Lisboa, passando as folhas com
rapidez. Decidi comprar aquele mesmo. Ao sair do convento, encontrei-me com um
amigo de bicicleta. Corri atrás dele, perguntando-lhe como é que sabia que a
filosofia e a teologia seriam os meus caminhos. Respondeu-me, mas não
compreendi uma única palavra sua.
Acordando, a pergunta que logo surgiu em minha mente fora o que
fundamenta a proximidade entre o homem e Deus.
Respondi de imediato: “O que fundamenta a proximidade entre o homem e
Deus são a cruz e o tempo”. Lembrei-me até da pergunta da esfinge aos peregrinos
da montanha: "O que de início anda de quatro, depois de duas, depois de
três". Se respondessem errado eram atirados no abismo. Se respondessem
certo, seria ela a se atirar. Muitos peregrinos foram atirados no abismo. Mas
surgiu quem respondera certo e a esfinge se atirou no abismo. A resposta certa
é: "O homem", de início engatinha, depois anda com as duas pernas, e
na velhice usa bengala.
A cruz que escolhera livre e conscientemente fora a busca da síntese
entre o amor que existe em mim e o que se identifica comigo próprio, as minhas
situações e circunstâncias. A cruz que se identifica com minha missão ou com
minha vocação são as palavras, sem dúvida, muito embora difíceis de serem
entendidas e compreendidas. E quem disse que uma cruz é fácil? Carregar as
palavras com amor e coragem é que consegue transformar a minha vida, consegue
aproximar-me dos homens.
(#RIODEJANEIRO#, 14 DE JUNHO DE 2018)
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