**ARTÍFICE DE RELÓGIO E ANÚNCIOS** - Manoel Ferreira
Às vezes, fico algum tempo imaginando se fosse eu um deus da mitologia
grega, quem desafiasse Zeus, ou outro mais poderoso, recebendo o seu castigo,
como o fora Clítia, a ninfa derrotada em virtude de seu amor sincero, não
correspondido.
Ela era uma ninfa das águas, tímida e gentil, que vivia nos rios ermos,
e banhava-se onde as libélulas voavam em torno dos lírios d´água nos lagos de
águas transparentes.
Sobre o velho relógio-de-sol os pombos de plumagem branca arrulham
modorrentos enquanto alisam a plumagem cor de neblina, e os lírios inclinam as
longas hastes como procissão de monjas vestidas de branco. Apolo, cheio de
desprezo e enfado, açoitava os cavalos de fogo quando a cada dia passava por
Clítia, não se dignava a dar-lhe um olhar mais gentil que o oferecido aos
sátiros que andavam entre as folhagens densas dos bosques.
“Na verdade”, dissera Diana, ligeiramente zombeteira: “Na verdade, a
bela ninfa lança tão desbragadamente o tesouro de seu coração aos pés de meu
irmão de louros cabelos anelados, que isso lhe permite maltratá-la, e ela está
se tornando uma flor emurchecida”. Enquanto assim falava, o coração dos demais
habitantes imortais do Olimpo ficaram tomados de piedade. “Ela será uma flor,
disseram, e por todo o sempre viverá uma vida que se renova a cada ano com a
vinda da primavera...”
Pudesse eu expressar o que este mito de Clítia reflete em mim...
Sentindo-me como quem busca a expressão de algo muito íntimo, nada mais desejo
expressar senão acerca das palavras que ora estou registrando na folha branca
de papel, enquanto tomo um aperitivo num barzinho do centro da cidade, sendo um
dos freqüentemente freqüentadores.
Olho a palavra, imaginando-me a beira de um lago à beira do qual estou
sentado, e o rosto se reflete na água como num espelho. Nunca mais se ocultará,
muito embora ela se oculte e revele, à busca da sua expressão verdadeira e
pura, através da linguagem, estilo, beleza, estética, pois no instante em que
vejo a imagem de sua beleza radiante, torna-me escravo e servil de sua alma.
Nítido a qualquer ouvido ou olhos a presença de palavras que tocam
íntimo a sensibilidade através da sonoridade, ritmo, arranjo, sendo este o mais
complexo de lidar com ele, devido às estratégias e engenhosidades possíveis,
exigindo intuição e perspicácias. Difícil é alguns saberem o que está sendo
dito em nível das entrelinhas, as suas mensagens, anúncios nos relógios-de-sol,
mas o som das palavras toca-lhes sempre, seja em que circunstância for, e a
leitura se torna um hábito, havendo o desejo precoce de nelas se perder.
Escrito, nada mais me resta senão a busca de novas palavras criar, dando
vazão a novos sentimentos, lembrando-me de amigo haver escrito dedicatória em
seu livro, doando-me, ““Não tenho um novo caminho. O novo que tenho é um jeito
de caminhar”. Este amor pelas palavras, a busca de me perder nelas, deixá-las
construir-me o destino, seja desta ou daquela maneira, o que mais importará, e
elas, quem sabe, não se sintam aborrecidas, sentindo nem mesmo piedade de mim
que as busco desde o intróito quando notam tristeza ou angústia diante as
imensas dificuldades de registrá-las na folha de papel, dia após dia,
tornando-me cada vez mais entediado com as velhas que ressoam ao ouvido a todo
momento, quase um suplício irreversível, e as buscas estiolam-se num abrir e
fechar de olhos.
Quem sabe, se fosse um deus, uma ninfa, diante desta realidade com que
vivo no quotidiano em relação às palavras não fosse condenado, de acordo com a
vontade dos deuses, a assumir a forma de um rio, e para sempre, como símbolo da
continuidade, fitar com ardor sereno o rosto do sol, o artífice de relógio e
anúncios, o amado de quem vive de palavras e verbos!...
Ah, o que é a imaginação, conciliada ao dom gratuito, à intuição, aos
desejos ocultos e manifestos, diante da vida, dos sonhos de realidade, de
continuidade de sentimentos gostosos e alegres.!Imaginar-me um rio seguindo o
seu caminho, isto como piedade dos deuses por meu amor às palavras, enfim elas
encontrem o mar que é a vocação desde a eternidade.
Quem as lê, interpreta, analisa, identificam o que de compaixão e
falsidade há nelas, às vezes colocando-as no devido lugar à mesa do Olimpo, e
sou quem as vivo entranhadas em cada molécula de meu corpo, em cada batida do
coração, e nunca cessam de apresentar outras fontes a serem descobertas,
assistir as águas brotarem límpidas e nítidas...
Que me importa o que dizem, o que revelam, a mensagem entranhada no
estilo, forma, linguagem! O que importa é que as posso sentir fortes em mim, e,
se eu resolvesse desafiar alguém a escrever neste nível, haveria algum deus que
me castigaria por esta arrogância sem limites, por despeito e inveja, crendo de
antemão e revezes haver qual o deus que me castigaria por as escrever lúcidas e
translúcidas, o dos mares. Quem sabe o castigo recebido devido à derrota não
seja tornar-me água que corre o seu itinerário livre, abrindo espaços, passando
rejubilante de seu dom e vocação, seguindo os seus caminhos rumo ao rosto do
sol, o amado.
Tudo são fantasias em primeva instância. Ao longo da vida, artífice de
relógio e anúncios... Quem se dis-por a ouvir as suas badaladas em horas de
louvores a Deus, Jesus Cristo, os anúncios que ela revela aos homens serem
revelados dependem unicamente de saber que sua amada é a música, como continuar
vivendo quando a música acaba, sendo a música, musicalidade das palavras, a
vida seria um engano irreversível.
Manoel Ferreira Neto.
(13 de abril de 2016)
Comentários
Postar um comentário