**A NÁUSEA E O VAZIO** - Manoel Ferreira
Neste instante, sentado na minha cadeira de balanço da escrivaninha,
ouvindo músicas, tantas lembranças perpassam-me o íntimo dos tempos de
ad-miração e amor pelo escritor e filósofo Sartre. O imenso desejo de escrever
um romance igual A Náusea, onde o meu pensamento, idéias estivessem presentes,
transparentes.
Por vezes, eu era Sartre, andando pelas ruas belorizontinas, por vezes
eu era Antoine de Roquentin, personagem d´A Náusea, no café parisiense, ouvindo
a sua música preferida, tendo as suas crises de angústia e náusea. À noite,
vestia um paletó que dava na canela, cachimbo no canto da boca, andava pelas
ruas, entrava e saía de bares, botequins. Sempre com A Náusea em mão.
Não me lembra mais quem, se professor, se colega da Filosofia,
dissera-me abertamente: "Manoel, Sartre tomou uma droga muito pesada. Sob
o efeito dela, é que ele escreveu A Náusea..." Disso eu sabia. Ainda a
pessoa a dizer-me: "Experimente fumar maconha... Escreva o seu
romance." Numa tarde de sábado, estava havendo uma feira de artes no
Campus da Universidade. Andava pelas bancas de livros. Encontrei-me com um
colega da Faculdade de Psicologia. Chamou-me para fumar a cuja-dita maconha.
Não havia ainda experimentado qualquer droga. Fiquei muito doido. Tomei um
ônibus na porta da Universidade e fui para o centro. No outro dia, não me
lembrava de nada que fiz pelas ruas da capital mineira. Um vazio enorme, E esse
vazio prolongou-se por dias. Não suportando mais aquela crise, procurei o
colega, pedi-lhe conseguisse outra "buchinha" para mim. Precisava
fumar. De novo. Sentei-me num botequim, muito doido, garatujei algumas linhas,
tomando Campari. Quê loucura, quando saí do botequim sob o efeito de maconha e
bêbado. A cabeça girava a mil.
No outro dia, à tarde, descendo para casa, tinha de passar por um beco
de escada. Sentei-me num degrau, olhei para o infinito. O Vazio pleno. Corri
para o botequim mais próximo. E lá iniciei o romance O Vazio.
Para escrever este romance, sempre em botequins, escolhendo mesa
afastada de todos, tal e qual Antoine de Roquentin. Não demorou muito conheci
uma estudante de mestrado em Filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais.
Foi a minha Anny, a mulher de Antoine de Roquentin. Fiz mestrado em Filosofia
por dois anos. Vivemos muitos problemas emocionais, psíquicos, existenciais. E
eu escrevendo O Vazio. Oito anos de muitos problemas com ela. Até que tomei um
ônibus, depois de resolver algumas coisas na capital mineira, e fui para São
Paulo. E chovia quando embarquei na rodoviária.
Se eu faria isto hoje, com a mesma idade, nas mesmas circunstâncias?
Fá-lo-ia sim. Fora uma experiência inesquecível: senti nos ossos as letras. O
único problema foi a maconha: só me libertei dela aquando do primeiro enfarto.
Hoje, não me faz a menor falta.
Manoel Ferreira Neto
(15 de abril de 2016)
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