*ESCRITO NAS ESTRELAS** - Manoel Ferreira
Se em algumas almas,
singularmente dotadas e de percepção sensível, visão de lince sobre as coisas
do mundo, sobre o eterno, sobre a plen-itude, se levanta a doce suspeita de sua
composição múltipla, e, como ocorre aos gênios, ah, gênios!..., rompem a ilusão
da unidade personalística e percebem que o ser se compõe de uma pluralidade de
seres como um feixe de eus, e chegam a exprimir essa idéia, então imediatamente
a maioria se prende, chama a ciência em seu
auxílio, ciência que a tudo responde com excelência, aquela
"excelência" tão peculiar aos portugueses, um conhecimento primoroso,
diagnostica esquizofrenia e protege a Humanidade que não ouça um grito de
verdade dos lábios desses infelizes, proscritos.
Para que perder aqui palavras, são tão difíceis,
encontrá-las viçosas e banhadas de orvalho, quê parafernália da mente, por que
expressar coisas que todos aqueles que pensam conhecem por si mesmos, quando
sua simples enunciação é uma nota de mau gosto, uma voz desafinada? Assim, se
um homem se aventura a converter numa dualidade a pretendida unidade do eu, se
não é um gênio, é em todo caso uma rara e interessante exceção. Na realidade,
não há nenhum eu, nem mesmo no mais simples, não há uma unidade, mas um mundo
plural, um pequeno firmamento, um caos de formas, de matizes, de situações, de
heranças e possibilidades. Cada indivíduo isolado vive sujeito a considerar
esse caos como uma unidade e fala de seu eu como se fora um ente simples, bem
formado, claramente definido.
Nada mais mágico e esplendoroso que, ao abrir os
olhos no alvorecer, espreguiçar, depois de brincar com o cônjuge a noite
inteira, noite de prazer e êxtases os mais sublimes, mergulhar nas pre-fundas
da alma, acenar o bom dia, dizendo: "Eis-me aqui, seus presunçosos... Vou
mais uma vez arrasar com todas as gerações de ascendentes e descendentes de
vocês. Pernósticos... Então, é a união de todos vocês que fazem o eu? Para cima
de "moi" não, Rosa!" Ouvir-lhes o guincho das risadinhas,
ver-lhes os olhares de esguelha, aquele arzinho de "Acordou com a macaca
hoje..." Virar-lhes as costas, cuidar dos interesses prioritários, à noite
fumar um cachimbo e olhar para um ponto fixo no céu coberto de estrelas,
procurar o nome escrito numa delas, sentir-se orgulhoso por estar escrito para
sempre. Tudo são cretinices de por baixo das estrelas, um feixe de quimeras e
ilusões.
Acordar com a macaca e dormir com os jegues na
coxia. O que há de irônico, sarcástico, cínico nisto? Eis a condição da vida de
um indivíduo isolado na sua mais suprema expressão!
Manoel Ferreira Neto.
(24 de abril de 2016)
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