VEST-ÍGIO LONG-ÍNQUO DE SIL-ÊNCIO E ESTRELAS - Manoel Ferreira
[No futuro, as minhas palavras separadas por hífen,
contrariando as regras e normas da Última flor do Lácio, precisarão de um
dicionário especializado.]
Esse sorriso noturno – re-velando a língua que está
inerte, a boca semi-cerrada, mas a qualquer instante começará a mover-se
in-finitamente, ainda que só nas profundezas das idéias, na essência do
pensamento, no mergulho in-finito do espírito - do paradoxo saboreado, ironia
amarga, sarcasmo envenenado, cinismo adocicado de sementes e raízes,
distanciamento, inteligência soberana, intelectualidade operante; esses olhos
faiscantes de desejos e êxtases “madrugais”, ex-tases notívagos, de simples e
humildes reflexões nos instantes em que diante da lareira de lenhas cremando
vislumbro as chamas que brilham à mercê das ilusões e quimeras do fogo, tempo
em que a-lumbro as perspectivas do amor no limiar das vontades da carne e do
pecado dos ossos, nos liames da quimera e fantasia con-templo e vis-lumbro o
panorama das atitudes e ações no mundo, nas relações com quem amo, íntimos,
amigos, conhecidos, des-lumbro mazelas e pitis, des-elencando os sentimentos de
culpa, remorso, faço de tudo consciência e abertura, ultrapasso a fronteira
entre o real e o trans-cendente, minhas retinas captam a essência do belo e a
sensibilidade brinca tanto com as palavras que as trans-forma em lua cheia
inefável de versos, que ostenta luminosidade arrebatadora; noturnas, revelam-se
cortinas que discretamente se abrem sobre luminosos tempos de outrora, sobre
numinosas perspectivas do antiqüíssimo de mim nas perdidas sendas das volúpias
por outros palcos, melhor dizer picadeiros, onde brilham o amarelado das luzes,
onde se é feliz e ninguém está triste, angustiado, melancólico, quaisquer
outroras de nostalgias nas bordas da finitude se re-fletem na superfície lisa
do espelho da vida/morte, perde-se e encontra-se nos di-versos espetáculos, em
todos os gestos da encenação e da coreografia dos movimentos, que ensaiam a
dança de horizontes e infinitos entrelaçados a mistérios e enigmas do ser e
não-ser, performance das palavras na linguagem do corpo e da a-nunciação da
sensibilidade que se curva para o instante seguinte ser de outras inspirações e
desejos, de outras intuições e utopias do não-ser grávido do ser que é gerado
de contingências em busca do nascimento do espírito, especialmente nas
brincadeiras ingênuas e inocentes dos palhaços, cujas esperanças são de os
homens curtirem e di-vert-irem-se nos risos e gargalhadas, nos sentimentos
leves que percorrem as veias do coração, das emoções suaves que deslizam nas
intenções do belo e do, por que não dizer?, esplendido da beleza nos simples
trocar de movimentos, de criar outros gestos e silêncios.
As vozes que ouço de noite – nota (ou sílaba) que
se prolonga ilimitadamente que quer dizer? Que me quer dizer? Talvez a minha
ec-sistência seja em demasia breve para apreender-lhe o sentido, talvez nem
cante para mim, mas para um eterno ouvido. Que luz iluminaria as palavras? Uma
luz que viria de dentro delas, como as chamas da lareira que iluminam a sala às
escuras, fazendo-me debruçar-me sobre mim com a melancolia de quem con-templa
as coisas disparatadas que há na mente, fazendo-me buscar no íntimo a inspiração,
as palavras infinitas que me revelarão o misterioso apelo dos uni-versos dos
sentimentos e emoções perpassando a alma.
Paira no ar o eterno mistério da criação, da
re-criação das coisas em imagens, a fim de terem mais vida, e da vida em
poesia, para ser mais vivida.
Observo as chamas da lareira, con-templo a chama,
não penso nela, olho-a apenas, imagino-me um com a chama, sinto com a chama,
vejo como é iluminada, reparo na sua luz imensa, em suas raízes que se
encontram mergulhadas nas lenhas todas. Não preciso multiplicar palavras, mas
silenciar todas. Preciso deixar a palavra gritar silenciosamente em meu
coração, em minha mente, em meu espírito.
Servir aos homens, aos indivíduos, à humanidade não
apenas significa o próprio homem desfrutar a felicidade, harmonia, paz, mas
também auxiliar e contribuir com as outras pessoas, seres humanos, VIDA, a
terem mais razões de viver, a ousarem atitudes inéditas, a se entregarem a
ações inusitadas, amor pela vida, felicidade de olhar, observar o panorama do
mundo sob a luz do sol, das estrelas, da lua, as perspectivas da vida sob a luz
dos sentimentos de amor e amizade, do ódio – amor e ódio são muito bem
definidos em mim dentro, se amo, amo, se odeio, odeio, ninguém me faz outro, se
eu decidir que não. Cada ser humano possui a sua vereda. Deve desejar e buscar
o atalho mais curto, para chegar mais depressa ao ser. Tão entregue ao desejo
de criar que chego a esquecer-me de mim próprio.
Sob a luz do sol,
As perspectivas da vida;
Sob a luz dos sentimentos,
A felicidade de olhar,
Observar o panorama do mundo,
Mil sentidos di-versos
Para senti-los presentes
Na poesia do sonho,
No verbo da poiésis.
Sob as chamas da palavra,
Os verbos do ser,
A poiésis do sonho
Nas palavras que desenho
De cores e perspectivas das imagens;
Sob a solidão das chamas,
A alegria de sentir esperanças
Serem sementes de fé,
Raízes de sonhos
A serem concretizadas,
Mil significados presentes
Para senti-las sendo
A música e ritmo
Da plen-itude.
A criação prossegue noite e dia e todo sentimento,
todo verbo, não importando em que tempo conjugado, cabem nas palavras, cabem em
suas perspectivas de re-velar o silvestre dos mistérios e enigmas que habitam a
vida, de id-ent-ificar o campesino dos questionamentos e dúvidas que se mostram
nítidos e trans-parentes. No instante breve de in-finito, toda vida fala-me de
palavras no laço de meu coração, há um alforje cheio de versos nos re-versos e
in-versos da prosa, e o desejo de uma vida inteira oscila entre o gozo e a dor,
na rede do tempo e do vir-a-ser, por inter-médio dos sofrimentos e das ilusões
do Ser.
Quantas vezes o olhar implacável do artista se
detém, subitamente desarmado, in-defeso, numa criança suja, num adolescente com
a calça jeans rasgada, às vezes aos fiapos, num mendigo fedendo ou no instante
de seu pedido de esmola, sensibiliza-me – certa vez, mendiga, que aos sábados
vai à minha residência pedir a sua sobrevivência, soube que estivera internado
no hospital; encontrando-me na rua, sensível e terna perguntou-me se havia
melhorado, rezara por mim; respondi-lhe que sim, Maria Santíssima iluminasse os
seus caminhos -, ou papoula tola, no ápice gelado de uma elucubração
absolutamente cética, no auspício carente de uma esperança in totum divina e
evangélica, o pensamento se corporifica como nó na garganta e trans-borda,
abre-se, escancara-se, liquefeito em lágrimas, destilado em movimentos de sim e
não na rede das verdades e in-verdades, em cambaias trocas de passos ao longo
das sendas de outros alvoreceres, de outro amanhecer na continuidade do tempo
que se torna noite, e, durante a madrugada, se veste, agasalha-se de outras
chamas de fé e esperanças para a quotidianidade dos passos de dança.
A história de meu corpo é de afetos represados, de
carícias acorrentadas aos ossos dos problemas e conflitos, de amores algemados
às desilusões e desolações, das imensas dificuldades, até de rédeas que puxam o
freio da liberdade, de trabucos que chibatam sem dó e piedade a carne do lombo
e das nádegas, quiseram fazer-me escravo, as bananas foram enviadas com casca e
tudo. Eis-me aqui seguindo a continuidade de meu ser que se originou nas
palavras, engravidou-se, nasceu e recebeu a luz do sol como acompanhante das
buscas e conquistas, dos encontros e vontades deles.
Sepulto vivo, quem é a outrem dado, e quem ao
outrem que há em si, sepulto, não poderei Senhora, alguma vez, qualquer
rumorejo de vento no arvoredo, brilho incerto sobre o rio, acordar de repente o
“sentimento-raiz”, recalcado, o “amor-semente”, formidavelmente vivos: “Quem me
entalou estas lágrimas nos interstícios do coração?!” Não teria sido eu próprio
quem o fez, sentindo que elas se transformariam em risos de satisfação e
projetos cumpridos, aquilo que sinto, quando a música que ouço começa e os sentimentos
fluem livres, alçam vôos por todos os recantos do tempo, e quando termina o
vazio se mostra nítido e transparente, é tempo de preencher-lhe com outras
realidades? Sim, fora eu mesmo. Mas o passado ec-siste em mim. Aprendi,
contudo, a viver de mim, de minhas experiências e vivências, de meus projetos e
objetivos, faço-me no mundo, supero, suprassumo, liberto-me, por vezes amenizo,
por vezes vomito, por vezes sigo a trilha pecador e santo.
Ah, se não amasse de paixão o difícil, as
dificuldades, tudo seria tão fácil e simples!
Do antiqüíssimo de mim, onde têm raiz todas as
rosas de maravilha, todos os lírios de magia no branco de suas pétalas, todas
as samambaias de puro verde, balançando à mercê do vento que passa, após o
sibilo dele entre as montanhas, cujos odores são esperanças que amo, porque as
sei fora de relação com o que há na vida, uma vontade estranha, oculta, e
deliberada de verter lágrimas quentes e fáceis, talvez porque a alma é infinita
e a vida, finita, talvez porque a fé é horizontal e a vontade dela, vertical na
uni-versalidade dos ponteiros do relógio que se movimentam lentamente,
a-nunciando o porvir de outros amores e sonhos nas bordas do tempo, o vir-a-ser
de outros projetos e objetivos a serem cumpridos para a continuidade da vida e
a feitura do ser, no canto da coruja em madrugada alta, a querência dos verbos
nos sonhos de fin-itude, nas utopias de eternidade, na cont-ingência da morte e
do esquecimento.
Rompe, em claridade, o madrugar, dissolve na bruma
o raio fugitivo e a natureza chora gotas de sereno cristalizadas, observo eu da
sala de estar, olhos ensimesmados e questionadores, o tempo ensimesmado, e
ainda penso como será o amanhã no aceno da memória; no picadeiro do sonho raio
de luz passeia nas ruas e avenidas, solto brinca no jardim ensaiando cânticos
na primavera noturna da ilusão, quiçá no outono do dia da verdade e do
absoluto, em vigília a essência do olhar, o ser dos sentimentos que perpassam a
vida em busca de evangelhos do amor e paz, em busca da EFEMERIDADE.
A compaixão surge na existência contínua, cíclica,
com grandes fontes de alegria como a misericórdia, o que desejo é que ilumine a
todos como tem iluminado a mim, e deito tranqüilo e sereno, sonhos paraísos,
sonho florestas silvestres, sonho sendas perdidas, sabendo que vós, Senhora
Maria, estais junto a mim em todo instante.
Esta antiga angústia que trago há milênios no
coração, transbordou da taça em lágrimas, imaginações férteis, desejos de
mostrar o íntimo, re-velar o ser que antecede os verbos que conjuguei,
pronunciando-lhes com reverência e nitidez, mesmo com todas as dificuldades,
carências, mesmo nos inter-ditos, o primeiro que aprendi a conjugar fora o
“amar” na dimensão da caritas sincera, leal e fiel. E, no entanto, na lua que
esplende no céu, no sol que incide sobre o sertão, no Coração das Minas Gerais,
um indício fala no limiar das origens, um vest-ígio diz na contra-moeda do que
haveria de ser antes da criação, antes do caos que se tornou cosmos, dos
coronéis que hoje andam de calças curtas, falando calmo e tranqüilo, voz fina e
esplendorosamente educada.
Tudo quanto se encontra fora de mim parece mais
belo, e todos os homens mais perfeitos do que eu. E isto é natural porque
demasiado sinto as imperfeições e os outros sempre sugerem possuir com precisão
aquilo que me falta.
É evidente que imaginei, criei, e por que não dizer
que inventei todas essas palavras, bebi num cálice de verbo a oratória sem cor
e sabor, para matar a sede de censura e rejeição, a fome de esperanças
seculares e milenares, discriminação e preconceito, realizar a paranóia que é
só minha – estou em silêncio apenas ouvindo o som das palavras que registro na
nitidez do espaço branco de linhas, enquanto as lenhas dão origem às chamas na
lareira. Isto é também de um homem além das águas, isto habita o indivíduo além
das margens. Olhando-as, contemplando-as, buscando entendê-las, tenho passado
décadas consecutivas observando com perspicaz atenção, por uma frincha, a magia
das palavras, os seus sentidos e mensagens que de mim fluem e outro espaço se
abre para outras se a-nunciarem e nos verbos da esperança e fé serem plenas e
absolutas. Sou quem as expressa, sou quem as inventou, pois é apenas isso que
se tem de fazer à beira de um rio, olhando a água passar, ou à soleira da
lareira, in-vestig-ando o que me habita os desejos e vontades da sublimidade,
inventar alguma coisa, re-criar o presente, re-inventar o passado, re-projetar
o futuro a partir das experiências de toda a vida. Não é de se espantar,
assustar, não é de causar qualquer admiração que estas palavras hajam sido
assimiladas e assumidas forma literária de que não tenho qualquer ciência,
consciência, nasceram no re-verso das emoções, no in-verso dos sentimentos, às
avessas de todas as sensações do corpo e da alma, mas assim aprendi a amar a
humanidade e os homens, dedicar-lhes minhas letras e minha existência. Quando
contemplo, da janela da sala de televisão, o sol matutino rasgar a bruma sobre
a colina distante, iluminando o chapadão silencioso no fundo do sertão, e vejo
o riacho Santa Maria tranqüilo, correndo para mim e serpenteando entre os
salgueiros desfolhados, essa natureza me parece insípida, fria, e inanimada
como uma estampa colorida, cores de todas as tonalidades, mas nas águas de
minha intimidade e essência o desejo é que o sertão encontre seus caminhos e
veredas no misticismo de suas buscas da “utopia cristã”.
O que eu era outrora já não se lembra de quem
sou... O que sou hoje não recorda os porvires e vires-a-ser das manhãs em todas
as estações, das tardes em todas as manifestações simples da natureza, ventos
que levam a chuva para outras estâncias, chuvas que se a-nunciam e ficam apenas
nos trovões, tempestades graves, e outras vezes chove a cântaros por dias,
embora, após a estiada, o sol se revele nu e cru, o asfalto treme, se olhado de
baixo para cima, mas essa é a nossa natureza e índole de sertanejos, habitantes
do “Coração das Minas Gerais”.
Se um véu cobre a miopia de um homem e suas futuras
desgraças, o mesmo véu esconde dele alívios, e um suspiro que não havia sido
temido é encontrado como um consolo que se não esperava, que se não imaginava.
Se um sudário cobre o astigmatismo de um indivíduo e suas futuras bonanças, o
mesmo sudário revela dele esperanças, e um riso, ainda que sutil e ameno, que
se esboçou nos lábios molhados de saliva, é dito como uma utopia que apenas
havia sido imaginada e intuída nas teias do horizonte antes dos uni-versos da
palavra e do sentido.
Quem, ontem, fui, já hoje, em mim, não vive. Vive,
em mim, o que ontem não fui, e quem agora estou sentindo ou tendo a sensação de
ser só quer observar o movimento da borboleta que esvoaça sobre as flores do
jardim no canteiro de minha residência. Primeira estrela no céu! A borboleta
enxerga luz, no suave vôo de pluma pousa no paraíso em flor! Estrelas no céu, a
borboleta esvoaça e some no espaço do jardim.
Quando um tempo mais frio e inclemente chegou,
quando, sob o peso dos meus sofrimentos, comecei a fundar numa condição mais
penosa, foi sorte para mim que a mesma pessoa, a cujas migalhas do café tinha
acesso, permitiu-me dormir em uma grande casa desocupada que lhe pertencia.
Chamei-a des-ocupada, pois não havia ali nenhuma mobília, exceto uma mesa e
algumas cadeiras. Mas descobri, ao tomar posse de minhas novas acomodações, que
a casa já possuía um habitante, criança pobre e sem amigos, aparentando dez
anos de idade: mas ela parecia ter sido atacada pela fome, e sofrimentos deste
tipo fazem as crianças parecerem mais velhas do que são. Ela mesma me contou
que havia dormido e vivido sozinha naquela casa durante algum tempo antes de
minha chegada, e expressou grande satisfação, alegria, contentamento, quando
descobriu que seria sua companhia nas horas de escuridão.
Luzes não são suficientes para iluminar a longa
área de mato e capim que se estende adentro mistério entre árvores, galhos,
esquecimentos, de alguém que, sentado no meio-fio, a noite segue seu caminho,
se há outra significação para o pouco ou demais de olhos que desejam com que
gestos ou modos de revelar o erro abstrato da criação, e o silêncio perpassa
momento difuso, profuso, completo de viver tudo de todos os lados.
Chamas não são suficientes para numinar as palavras
que têm sede da sublimidade, plen-itude, do absoluto, do verbo supremo da
felicidade; contudo, na sua continuidade, vão re-velando os raios de esperanças
e fé.
Manoel Ferreira Neto.
(16 de abril de 2016)
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