**TINGINDO O AZUL DO CÉU DE BRANCO E DE OURO** - Manoel Ferreira
Hei-de vida melhor, verdadeira e real, sentir no
peito – seja num amanhã em demasia longínquo, seja na eternidade, quando da
minha matéria nada mais restar, do espírito e alma algumas lembranças e
recordações de mim, não importa, sentirei esta vida no peito; tempo há de
certas dificuldades, problemas e angústias, normal isto é, mister paciência e
esperanças, pro-jetar algumas re-flexões -, sentir doce prazer sorrir-me na
alma, fonte de ternura inesgotável do fundo do coração brotar-me em ondas,
batendo nas docas, espalhando-se pela areia da praia. São desejos de liberdade,
são vontades que se me re-velam de presenciar outras realidades que não esta de
agora, encontro-me confrangido; difícil é não olhar as coisas de modo espontâneo,
sentir emoções singelas e puras, sentimentos eivados de amor pela vida, de
alegria e contentamento pelas conquistas, pelo per-curso tranqüilo das águas do
rio.
Não tenho voz de amor, que me console, corre o meu
pranto por estradas secas e empoeiradas, e dor mortal meu coração fragoa.
Houve tempo em que os meus olhos gostavam do sol
brilhante, recusava óculos escuros para evitar que lacrimejassem – agora mesmo
está a incomodar-me, semicerro-os para ver o que escrevo nestas linhas, batem
os raios de sol na folha -, e do negro véu da noite, e da aurora cintilante.
Gostavam de branca nuvem em céu de azul espraiada, da singela passagem das
águas – quando as con-templava da ponte, o peito encostado na amurada – do
terno gemer da fonte sobre pedras despenhadas. Sentia prazer inusitado,
extasiava-me, o coração pulsava-me no peito estesiado. Teria dificuldades de
dizer dos êxtases sentidos, das alegrias vividas, caso necessitasse, caso
alguém pedisse que compartilhasse com ele de toda a minha euforia.
Quê situação em que me encontro? Poderia estar
dizendo isto, referindo-me ao aqui e agora, o peito arfante de alegrias, o
coração pulsando acelerado de felicidade, os olhos brilhando intensos de
satisfação, sentimentos e emoções pujantes, esplendorosos, a vida um verdadeiro
oásis de resplendor e brilho. No entanto, digo-o, referindo-me ao passado, ao
que vivi, vivenciei, experimentei. As lembranças re-vivificam-me, levam-me adiante,
impulsionam-me, acredito no que intuo por vir, e traço modos de realizar,
tornar real. Não fosse o passado, o que estaria sentindo agora? Seria que
houvesse sentimento? Não o creio. Estaria por inteiro vazio.
Os olhos gostavam das vivas cores de bela flor de
orquídea vicejante, e da voz imensa e forte do verde bosque ondeante. Gostavam
da luz brilhante, do sussurrar da brisa, do rosicler da aurora. A natureza
inteira parecia meus mais íntimos desejos, mais fundos sonhos, mas
intersticiais utopias, perscrutar e cumprir.
Estas cenas que amei, amei tanto que rogava os
segundos não passarem, assimilá-las e memorizá-las de modo a sempre senti-las
presentes em mim, já me não causam dor nem prazer! Indiferente, minha alma um
só desejo não concebe, nem vontade já tem!...
Oh, Deus! Minha alma é a flor que pende murcha,
profundo abismo é-me mostrado à frente: - embalde estrelas brilham no azul dos
céus, os raios do sol brilham nas nuvens brancas, embalde a noite estende sobre
a terra o negro sudário. Não pode a luz chegar ao fundo abismo, seria o caso de
suspender-lhe até onde ela chega, isto é impossível a qualquer humano, a mim,
então, é ainda mais impossível, a impossibilidade é absoluta. Não pode a noite
enegrecer-lhe a face, nem pode a aurora nas retinas a imagem brilhar intensa.
Quando em meu peito as aflições rebentam de sofrer
e duro; quando a desgraça o coração me arrocha em círculos de ferro, com tal
força, que dele o sangue em borbotões golfeja; quando minha alma de sofrer
cansada, a bem que afeita a sofrer, sequer, não pode clamar... Senhor piedade
de mim! Eis o que me resta inda a pedir, clamar, rogar, e se me não pode ouvir
os rogos eternos, resta-me seguir as trilhas com estes sentimentos todos nas
profundezas da alma, quem sabe esperar por algo que me salve, uma atitude
minha.
Quem me dera nas asas deste ameno vento que balança
os galhos das árvores, dos caules de flores no jardim do outro lado da rua, que
agora tão saudoso aqui murmura, agitando as cortinas da janela aberta de fio a
pavio, subir além dos sóis, além das nuvens, além do espaço sideral, além do
infinito, até perder-me na amplidão do uni-verso.
No fim do crepúsculo, há tanto amor, tal vida, há
tantas cores, brilhantismo e pompa, que fascina, que atrai, que a amar convida.
Enfim, depois de tanto buscar saídas de meu penar, meus olhos conseguem
vislumbrar outras cenas que não aquelas do passado! Seria que vejo agora o que
não vira outrora, e outrora sonhava ver o que vejo agora? Acredito que no
momento os olhos extasiam-se com a beleza da vida e dos horizontes, com o
prazer e satisfação de minhas conquistas, e o que estou sentindo são projeções
ao passado, ao vivido, para que assim me possa valorizar, seguir as veredas que
se me anunciam para a realização eterna, diferente do que fora outrora. Os
olhos não vêem, permanecem sem qualquer brilho. São os sentimentos que me
perpassam, outros, que, confesso, não os senti antes, que con-templam estas
cenas do crepúsculo. Até chegarem aos olhos, quem sabe demore um pouco. Os
sentimentos se a-nunciam antes do brilho nos olhos.
Sento-me na cadeira de balanço. Fecho os olhos,
estiro as pernas cruzadas. Embalo-me. O que mais desejo neste momento? Não o
saberia dizer.
Tudo existe comigo! Existe a lembrança do que meus
olhos viram e con-templaram no passado. Existe este momento de agora em que
sinto dores inestimáveis, angústias e tristezas perpassam-me. Existem os
sentimentos agora e os de outrora. Existe a vontade de libertação, a utopia de
amanhã ser tudo diferente. A brisa que murmura na folhagem. As aves que pipilam
docemente. A estrela que desponta, que rutila, com duvidosa luz ferindo os
mares, o sol que vai nas águas sepultar-se, tingindo o azul dos céus de branco
e de ouro.
Manoel Ferreira Neto.
(21 de abril de 2016)
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