//**O NADA E A ARTE POÉTICA - V PARTE - KATHARSIS ENTRE O POETA E O EU POÉTICO**// - Manoel Ferreira
A existência humana, lugar da existência poética, é essencialmente
trágIca porque está em tensão entre um dado irredutível e uma exigência de
superação nunca satisfeita, dividida entre o apelo da terra e o do mundo. O
homem "humaniza" a terra antes de a dominar e o horizonte que ele
des-vela para a penetrar é o mundo. A re-flexão filosófica é precisamente o pôr
em diálogo estes dois polos complementares da existência que, numa experiência
única, se des-cobre ao mesmo tempo enraizada na terra e que se supera para o
mundo. Chama-se "trans-cendência" este processo original. Levar a
terra à eclosão de um mundo, tal é o gesto fundamental da existência, Tarefa
eminentemente poética, não só porque se efetua por meio de imagens e de mitos
que constituem os traços dessa re-conquista incessante da terra pelo mundo, mas
sobretudo porque é obra do homem que por todo o seu ser, pela sua inteligência,
pela sua ação, numa palavra, pela sua presença, faz surgir (poiein) o mundo.
Tarefa necessariamente trágica porque não chega a preencher a separação
ontológica que afeta a estrutura do homem, ese "ser da distância".
Quando Aristóteles escreveu sua Poética, a tragédia já acontecia há
muito tempo e os poetas já haviam realizado seus espetáculos agindo com eles
sobre a polis e influenciando-a através de inúmeros e variados "efeitos
poéticos"
Tomemos a tragédia como um método paradoxal de se construir o saber
filosófico, porque o faz atraves da exploração de recursos questionáveis para o
que, hoje, chamamos científicos(sentimentos, provocação de emoções e utilização
da ilusão).
Da parte do poeta, a exploraçao de recursos filosóficos, políticos e
poéticos fazem-se experimentar a Kátarsis criativa. A obra de arte criada há-de
se erigir a partir do conflito e da busca do equilíbrio entre razão/pensamento
e emoção/sentimento/experiência. O poeta, segundo Aristóteles, deve colocar-se
como espectador e passar por todas as experiências produzidas em sua
composição.
Aristóteles afirma que o "pensamento" do poeta deverá suscitar
emoções equiparando o discurso político (analisado na Retórica) com o discurso
poético. Contudo, Aristóteles evidencia a diferença de um e de outro: na poesia
não há explicação da situação, cada espectador terá a sua liberdade de
interpretação.
Da parte do espectador, que experimenta a Kátarsis Contemplativa, cumpre
aceitar que um outro lhe traga uma carga de indefinição com a qual será
preciso, pelo menos na circunstância do drama, conviver. Ele deve se entregar
aos raciocínios e paixões que o poeta propõe e, a partir deles, lidar com o seu
próprio imprevisível, com suas regiões mais obscuras e misteriosas, que irão
possuí-lo por completo no devir da cena para levá-lo à Kátharsis, que,
objetivamente entendemos aqui como resultado da vivência do temor e da compaixão
em todas as suas possibilidade, nada mais que isso.
No sentido que entendemos a Kátharsis entre o poeta e o "eu
poético"... O desafio do Pensamento é a identifidade. O difícil não é
pensar muitos pensamentos. O difícil é pensar sempre a identidade do Pensamento
em tudo que se pensa. A profundidade e dinâmica desta identidade é o vigor de
um pensamento. O nível de um pensador não se avalia pela extensão de seus
temas. A originalidade de um pensamento não é a novidade. É a originariedade
com que a-colhe e re-colhe o apelo de futuro de uma tradição histórica. Neste
sentido um pensamento original não dá interpretações nem propõe teorias. O
apelo do poeta impele o pensamento não a sair mas a penetrar cada vez mais em
sua causa, reconduzindo-se sempre ao mistério de sua fecunda identidade. O
poeta procura recolocar o pensamento no elemento de sua essência.
O poeta é divino; na sua palavra, uma lingua nasce para a sua própria
possibilidade de dizer a verdade do ser. Este impronunciado guia o pensador que
ascende da significação vulgar e degradada das palavras até às palavras
privilegiadas pelas quais uma lingua determina a sua experiência da verdade do
ser.
O "eu poético", que habita o poeta, ganha e traduz as coisas
No silêncio, a vida do espírito é guardada, e assim, o "eu poético"
na sua viagem ao In-finito, con-templando a paisagem do espaço poético, é
plen-itude e presença, revestindo-o de espaço interno, esse espaço que tem seu
ser em si, criando, re-criando os verbos do espírito à busca do Ser, da
Verdade.
Então, neste sentido em que expomos a Kátharsis, o poeta é o espectador
do "eu poético", o "eu poético" se re-vela na tragédia do
nada, nascendo a busca do In-finito.
Manoel Ferreira Neto
(*Rio de Janeiro*, 15 de outubro de 2016)
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