**O NADA E A ARTE LITERÁRIA - XV PARTE** - Manoel Ferreira
Trans-cend-ência e acontecimento eis as duas dimensões do belo. Numa
instância, produzindo em nós o choque da Revelação do Ser, a arte rompe o curso
da vida banal, sufoca a falsa nostalgia do absoluto e des-cobre-nos o sentido
religioso do finito. Noutra instância, a nossa ek-sistência, dirigida para a
Verdade do Ser, experiencia a origem da história: a obra bela é sempre uma
inovação, a tradução do acontecimento criador que nos confia ao Ser. Também se
compreende que a linguagem poética seja o paradigma da linguagem artística,
visto que ela é a linguagem originária do povo que reconduz o homem ao começo
da sua história.
O belo é o Jogo da Verdade no jogo do mundo. A realização estética é uma
criação, porque dá um sentido à terra, fazendo comungar o homem do
acontecimento que é a irrupção da verdade. O artista também não domina o ato da
criação artística; ele é sempre ultrapassado pela obra. A criação artística
trans-cende o criador, vai além dele. Por esta razão, não é motivo de surpresa,
quando poeta ou escritor diz não conhecer sua obra. Ao pôr a obra sob o signo
da Verdade, recusa-se a concepção da arte pela arte ou a idéia duma obra que
seria a expressão objetiva do gênio individual.
Respeitante ao nada e a arte do escritor, a escritora e poetisa, Ana Júlia
Machado, conhecedora profunda da obra, "... verbaliza que estimar letras
impõe abnegação, afinal, a literatura não auxilia para nada. De outro modo, nem
tudo carece auxiliar para factos: há realidades que despendem finalidade, que
duram somente para aformosear a existência, para apontar a susceptibilidade de
quem não se satisfaz unicamente com aquilo que é verídico. A arte, em comum, e
a literatura, em peculiar, são acções cuja dimensão habita nessa excelsa
“ineficácia”. A literatura é usufruto, é submergir no deleite que os textos
conseguem presentear. O deleite belo que as letras facultam convertem-nos mais
concentrados àquilo que é intangível, converte–nos susceptíveis aos
padecimentos do planeta.
Nas letras achará distintos itens sobre o dom literário, e os
componentes que a estabelecem, cláusulas que facultarão a qualquer ser, uma
jornada para um cosmos onde só os enormes espíritos conseguem contemplar."
A obra de arte é uma produção da Verdade, por conseguinte, um
des-velamento, ela é essencialmente poesia, no sentido amplo do termo. A
linguagem, com efeito, tem o papel principal de libertar o Ser. Segue-se que
toda a obra de arte é um caso de linguagem poética.
Duas reflexões guiam a obra de arte. No plano objetivo, a obra é diálogo
entre o mundo e a terra e a aparição do Jogo da Verdade. Por conseguinte, não
há regras estéticas que possam controlar ou dominar a livre expressão da
beleza. Ou melhor, todas as técnicas artísticas só se justificam se são
empregadas a traduzir o Jogo da Verdade. No plano subjetivo do artista, em
seguida, a arte é mais a experiência de uma superação de si do que o lugar da
projeção das possibilidades existenciais. Aquele que aprecia a obra bela não
con-templa um espetáculo; ele está associado ao ato criador do artista e ao
des-velamento histórico da verdade. Neste sentido, para nós, o crítico
literário é aquele que se associa ao ato criador do poeta ou do escritor e
des-vela o Jogo da Verdade, a plen-itude da Verdade.
A imagem ou a re-presentação não é o elemento essencial da obra, visto
que ela é constantemente superada no Jogo do munto. O sentido da Verdade não se
dissolve na geometria do desenho ou nas relações puramente formais entre as
palavras.
Quando no alvorecer resplandecente a Natureza suspira, ouço os ventos
que, silenciosos, despertam as vozes dos outros seres, soprando neles, de toda
frincha soam altas vozes. Vozes sussurradas. Vozes cochichadas. Vozes
murmuradas. Vozes altissonantes. Algazarra, barulheira.
Sentimentos outros en-viados aos horizontes pelas vias da paisagem do
silvestre do campo, grama inda respingada do orvalho, neblina da madrugada,
pássaros sobrevoando, trinando nas frinchas e galhos das árvores. Ao longe,
águia voando serena, tranquila.
Con-sintamo-nos viajar na viagem do nada ao Vazio, con-templando a
paisagem do horizonte, do uni-verso. Somos enviados ao In-finito. Deixar a
viagem ser este envio por todas as vias da paisagem é a poesia dos viajantes.
O sentir poético é a mola propulsora para o poeta. Ele não se preocupa o
fazer poético com a gramática do escrever, mas com o sentir na infinitude do
universo, passeando sua alma nas imagens sagradas das paisagens terrenas,
transcendendo o seu estado d´alma para o além do horizonte visto e sentido.
O discurso poético se encerra na paisagem:
A Neblina ora esconde, ora sopra ao “Eu poético” os caminhos nebulosos
do NADA, rumo ao iNFINITO das Verdades e Incertezas do Ser; a paisagem
silvestre traz o poeta à realidade do Ser e não-ser; o Vento canta a melodia
que anuncia a passagem do Tempo, caminhando entre as montanhas...
A dança entre o Ver do poeta e o Sentir do “Eu poético”; entre o Ser e o
Não-Ser; O Nada e o Tudo, O Finito e o Infinito; ... são os elementos em que
resultam a poesia propriamente dita:
“O pensar que a-colhe a palavra, o sentir que a-colhe o in-finito -
tentar redizer é poesia, pensamento originário. Relação originária entre a
poesia e o pensamento, movimentando-se no Ser como dizer, o logos no sentido
heraclitiano e fundamental do homem e a existência, entendida na forma de compreensão
do Ser,”
O escritor descreve sobre a irremediável constatação de que Não há como
existir poesia, a não ser que existam o poeta e a alma poética:
“ Assim o "eu poético" se a-nuncia, iniciando a viagem para o
seu conhecimento que só acontece com o exercício da prática poética, o
escrevinhar poesias em harmonia com o quotidiano das con-tingências.”
A poesia está guardada na alma do poeta e é dela (alma poética) que
depende o suscitar do Belo!
O poeta é o instrumento essencial para fazer insurgir o “Eu poético” à
revelação do verbo Ser.
Na busca pelo Belo poético tem de haver, então, a Katarse entre o poeta
e o “Eu poético”:
“A realização estética é uma criação, porque dá um sentido à terra,
fazendo comungar o homem do acontecimento que é a irrupção da verdade. O
artista também não domina o ato da criação artística; ele é sempre ultrapassado
pela obra”
É nessa comunhão que reside o Sagrado: O divino se manifesta no “Eu
poético” e no poeta a transcender à lógica dos recursos lingüísticos dominados
pelo poeta.
Dái, revela-se a Verdade! Caminhando no Nada, abstraindo o Tudo: A
existência divina.
E, neste sentido da Caminhada no Nada, a artista-plástica(pintora) e
poeta, Graça Fontis, reconhece a Verdade inerente à dialética da Katharsis
entre o poeta e o "Eu Poético: "Onde o silêncio se faz voz numa
reflexão passiva; assumindo o lugar do nada aquém do advir, transforma-se
literalmente numa dialética suave à mercê do tempo que se arrasta
preguiçosamente sobre mar, campos e melodias, devaneando, feito em asas sobrevoando
o todo à procura de algo ainda que...um mistério dentro desse universo.
..corpo...alma...Ser?...", reflexão que acompanha o escritor na sua obra,
habita-lhe a ansiedade do "silêncio puro" que revela a estética da
criação.
E sobre a Dialéctica, retratando um pequeno ensaio sobre o escritor e a
obra, assim escreve a escritora, poetisa Maria Fernandes:
"Escritor polémico e abstrato na sua dialética, dada a erudita
linguagem que utiliza e os princípios filosóficos de que dispõe, torna-se
inacessível e até um pouco fastidioso para o leitor comum que encontra
dificuldade em concentrar-se e até conseguir terminar a leitura dos seus
textos, dada a sua prodigiosa concentração do saber adquirido, inteligência e
inspiração invulgares.
Um ser inquieto com a própria existência, pesquisa no seu próprio ser e
em tudo o que o circunda respostas para a sua existência. Busca nos mananciais
de cultura existentes, desde a antiguidade: Bíblia, Evangelhos, obras de
autores consagrados respostas para as suas inquietações, mas apenas encontra
in-verdades, mentiras seculares ou ambiguidades como resposta para as suas
inquietações.
Deseja a sublimação do amor e toda a sua envolvência em consonância com
o ser/existente, mas encontra falsidades que lhe provocam tristeza, lágrimas e
uma sociedade com ausência de carácter, sem espiritualidade.
Na procura da verdade do Ser/Existente vê-se pó e luz, faltando-lhe
porém, o conhecimento da continuidade no tempo do seu próprio Ser.
Grande e perspicaz observador de tudo o que o rodeia, é um crítico
imparcial, sagaz, conseguindo penetrar na alma e perscrutar os seus segredos
do(s) autor(es) através das suas obras.
Não admite a finitude do Ser, mas sim a plenitude do mesmo, no encontro
Vida/Morte, onde o Ser tomará consciência de toda a sua magnitude."
Manoel Ferreira Neto
(*RIO DE JANEIRO*, 17 de outubro de 2016)
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