**"BOTECO DO HELIO"** - Manoel Ferreira
Esquina da Avenida Amazonas, Rua dos Tamoios, Frente ao Cine Tamoios,
Belo Horizonte, final dos anos ´70, precisamente 79, boteco-cantinho de
professores, poetas, escritor, estudante de Economia em Itaúna, chamado de
"Boteco do Hélio", nome do garçom que servia, Chicão, Manoel
Ferreira, Sílvio, Manoel Ferreira; nesta época chamado de Silva Neto, Zé
Carlos. menos Sílvio, todos estudantes em Universidade. Na continuidade dos
dias úteis da semana, encontro às seis, seis e meia da tarde, para discussões,
bate-papos de Literatura e Poesia, bate-estacas de Filosofia, acompanhados de
cervejinha geladinha e aperitivos, leituras de poemas, prosas, Fernando Pessoa,
Sartre, Mario de Sá Carneiro, Luiz Vilela, Kafka, Ernest Hemingway, William
Faulkner, Pablo Neruda, Carlos Drummond de Andrade...
Quatro homens solitários, nos seus próprios mundos, ninguém se
aproximava, não se aproximavam de ninguém. Só uma vez num sábado, alguém
dirigiu-lhes a palavra no balcão, sempre em pé no balcão os quatro, cotovelos
enfincados na pedra-mármore, dizendo-lhes: "Vocês são pessoas importantes,
grandes homens, não? Ouço vocês só conversando, lendo..." E Chicão
respondeu: "Somos quatro solitários que bebem, enchem a cara, conversam
sobre as futilidades das artes". Manoel Ferreira neste momento enfiou uma
dose de aperitivo num gole só e teve um acesso de tosse, engasgou-se.
E nas conversas, Chicão, sempre com os seus conselhos de linguagem
poética, estética. Odiava os lugares-comuns, "Rios de lágrimas...",
"Lagrimas de sangue", "A esperança, última que morre",
"Pingos de chuva na vidraça de sofrimentos e dores". Sugeria outros
modos e estilos, linguagem de dizer isto mesmo, mas de forma poética, poesia.
Chicão mesmo não escrevia linha sequer, trans-cendências de suas aprendizagens
na faculdade de letras, quinto período, professor no Científico do Yázigi. E
Sílvio sempre contradizendo suas falas: "Pode-se dizer lugar-comum com
poesia e poética". Chicão se alvoraçava com as teorias da linguagem que
aprendia na faculdade, debulhava em sala de aula para os alunos, rasgava as
suas verborréias teóricas. Sílvio em resposta as verborréias, enfiava uma dose
de aperitivo na garganta num gole só.
Chegou Chicão no boteco um pouco atrasado conforme o seu horário, seis e
meia, sete horas, chegou às sete e quinze, Manoel Ferreira já estava no balcão
tomando a sua cerveja e aperitivo, lia um livro de Pablo Neruda. "Silva
Neto, tenho uma inspiração para você escrever um conto à luz e imagem de Luiz
Vilela. Hoje estava lecionando para os meus alunos O Buraco, de Luz Vilela, uma
interpretação, análise, e num determinado tempo diz-se Pai é mesmo uma coisa
engraçada. Mas quero que você escreva sem virgulas, sem pontuação, fluxo de
idéias, pensamentos, sentimentos, emoções". Silva Neto tirou um bloquinho
de dentro de sua pasta, começando a escrever. Mas Chico descreveu como queria o
conto escrito. Silva Neto escreveu umas linhas, duas ou três. Despediram-se.
Silva Neto decidiu ir tomar outra cerveja num botequim, esquina da Avenida
Amazonas e Tamoios, botequim copo sujo. Na embriagalidade, escreveu o conto sem
vírgula, sem ponto, sem qualquer pontuação, fluxo mesmo de idéias, tentando
correr as léguas e léguas do lugar-comum, das linguagens do ridículo.
No outro dia, no mesmo horário, entre seis, seis e meia da tarde,
encontraram-se os quatro, e Silva Neto mostrou o seu conto PAI É MESMO UMA
COISA ENGRAÇADA. Aplausos de todos. Neste dia, sábado, Hélio teve de chamar
táxi para cada um, não conseguiam trocar um passo sequer, discussões, análises,
interpretações da linguagem, o sentido e significante dos fluxos de idéias
explorados o que significavam, tudo isso por conta de Chicão. Silva Neto não
discutia teorias em encontros em botecos, sempre se comete gafes inestimáveis,
melhor mesmo conversas ridículas e imbecis sobre as intenções e desejos do
autor, o que a obra dizia.
Ali começava a carreira do escritor Silva Neto, Manoel Ferreira, naquele
mesmo ano, meses depois, ele lançou o seu primeiro livro em parceria com um
amigo da Faculdade de Letras, Paulo Ursine Krettli, este conto foi o primeiro
da Antologia de Contos, prefaciada pelo Professor de Literatura Portuguesa da
Universidade Católica de Minas Gerais, Onofre de Freitas. Seguiram-se outros
quatro contos sob as idéias de Chicão, como por exemplo, Caso do Vaso Sanitário,
inspirado em A Metamorfose, de Franz Kafka.
Manoel Ferreira Neto.
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