**ALVORECER DO MUNDO, AMANHECER DA TERRA** - Manoel Ferreira
Aroma incerto no vento, perfume invulgar no canteiro do jardim de flores
silvestres, canto erguido algures dentre as terras lavradas, dentre os pastos
de capim seco, dentre as cercas de arame farpado que separam propriedades, luz
que sobe de além da montanha, além do descampado, chapadão, pampas, além dos
vales, um raio de sol irisando a poeira suspensa na metafísica das misérias e
pobrezas, no abstrato das fomes e sedes seculares, no solipsismo das angústias
e tragédias fugazes e eternas, são a súbita re-velação de uma realidade
perdida, de um tempo perdido, e jamais reencontrados ou referenciados, porque
são só apelos, vozes inaudíveis, derradeira origem do mundo original,
profundeza sem fundo, abertura ao vazio, limite do ilimitado índice que está
para lá de todos os índices, de todas as cláusulas e parágrafos ilícitos, de
todas as constituições ilícitas e jurídicas, se a-nunciam em mim pela pura
suspensão, um ouvido atento e nenhum rumor, olhar incerto que procura o que não
há, o que não ec-siste nem algures, recuo brusco para além de tudo o que é
referenciável, representável, inteligível, questionamento que não duvida de sua
razão, cegueira trans-lúcida de uns olhos opacos e abertos, interrogação que
não interroga, encantamento de nada, ad-vertência, aviso de nada.
Alvorecer do mundo, amanhecer da terra...
Súbita re-velação de uma realidade perdida,
Cânticos anônimos,
Baladas desconhecidas,
Canções esquecidas
De um tempo perdido,
E jamais reencontrados ou referenciados,
Só apelos, vozes inaudíveis,
Vozes da própria terra,
Vozes obscuras de alegria enigmática
Derradeira origem do mundo original,
Profundeza sem fundo,
Abertura ao vazio, limite do ilimitado índice
Que está para lá de todos os índices,
De todas as cláusulas e parágrafos ilícitos,
De todas as constituições ilícitas e jurídicas,
Se a-nunciam em mim pela pura suspensão,
Um ouvido atento e nenhum rumor,
Ouço-os de novo a esses cânticos anônimos que sobem das regas algures,
em parte alguma, como voz da própria terra, sussurros e murmúrios de suas
cavernas, buracos e grutas, como lamúrias de suas próprias entranhas rasas e
profundas, eu as revejo a essas luas enormes na ascensão majestosa e uma noite
quente de Verão, eu os sinto ainda a esses aromas no vento, e que aspiro ainda
de narinas dilatadas para que a sua realidade entre em mim e seja real, que os
possa sentir e deliciar-me com eles.
E um trêmulo a-núncio fala nas origens do meu ser, de minha obra, de
meus desejos e vontades de realizá-los com perfeição e apreço, no que os trans-cende
e assoma no ilimitado de mim. voz obscura de alegria enigmática, vértice de um
encontro comigo, ó realidade perdida, imagem desvanecida no horizonte dos
horizontes, voz submersa a todas as vozes, e que fala ainda quando elas se
calam e eu ouço sem ouvir, e se a-nuncia quando tudo se esgotou, e bate
obliquamente como pancada leve no ombro, e que se abre além da hora mais
longínqua como uma varanda, e que irradia ainda de impossível para além de
todos os possíveis, e que recusa todas as razões para ser e é ainda, e que
inicia a minha vida onde ainda não há início, memória de um tempo antes do
tempo, de um começo antes de seu verdadeiro início na origem dos segundos e
milésimos deles, do lugar do meu nascimento verdadeiro, sede e princípio de
divindade que ainda não se corroeu, que não foi corroída pelos instintos
primevos do homem.
Eis porque a minha saudade a re-conhece a essa origem absoluta que não é
sequer “memória do céu”, porque o próprio céu é já uma explicação desta voz
mais antiga do que ele, é já uma concretização, ainda que para lá do mundo, de
um apelo que vem de além do mundo, e além de todas as possibilidades de sua
ec-sistência, do aquém de todas as alternativas de minha historicidade e
historial-idade.
Já não viso o além.
Já não viso o aquém.
Já não viso o eterno.
Já não viso o efêmero.
Como é belo o mundo, para quem o olha, ingênua e simplesmente, sem nada
procurar nele, sem nada desejar dele, sem saber o que o habita ou não.
Como são esplendorosos os astros e a lua, os arroios e as ribeiras, as
florestas e os abismos, o porco e a anta, a flor e o bem-te-vi, o sol e as
estrelas!
É prazeroso e ameno passear pelo mundo, perambular pela cidade, na
sombra de por baixo das árvores, no sol escaldante, atravessando as ruas e
avenidas do mundo, imaginariamente, de Curvelo, contingentemente, de modo,
estilo e linguagem suaves, como quem acabasse de despertar e se abrisse a tudo
quanto o rodeasse, a tudo que se lhe a-nuncia de espiritual e sensível, além da
contingência, sem a menor hesitação, sorrindo de tranqüilidade, apenas curtindo
a natureza, e mesmo os inúmeros terrenos baldios espalhados por toda a cidade,
apenas sentindo as sensações de prazer por estar vivo, por ser vida, por sonhar
com a esplendidade das esperanças e fé mística.
O homem foi "lançado" pelo próprio Ser na Verdade do Ser, a
fim de que, ec-sistindo nesse lançamento, guarde a Verdade do Ser; a fim de
que, na luz do Ser, o ente apareça como o ente que é.
Neblina do eterno,
Orvalho de flores salpicado do alvorecer de neblina,
Espiritualidade do ser de tempos,
A esperança é dimensão da vida do amor
Que bebe na fonte do paraíso
A felicidade dogmática do Amor-Eterno.
Manoel Ferreira Neto.
(27 de maio de 2016)
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